Conheça a atuação da Defensoria do Paraná na defesa e promoção dos direitos da população negra paranaense 20/11/2022 - 00:00

Combater o racismo estrutural que impacta em todas as áreas da vida da população negra brasileira é um desafio cada vez mais urgente, e as instituições públicas têm papel fundamental nesta missão. Neste sentido, a Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) tem promovido ações internas e externas que se somam a essa disputa por uma sociedade mais igualitária.

Há um ano, a DPE-PR lançou o seu Projeto de Letramento Racial, voltado à promoção de ações de discussão e enfrentamento de práticas institucionais reprodutoras do racismo. A iniciativa, de caráter permanente, busca atingir o público interno – defensoras(es), servidoras(es), estagiárias(os) e trabalhadoras(es) terceirizadas(os) –, e a população usuária dos serviços da Defensoria. Dentro deste projeto, chamado “Letrando em Pretoguês – Programa Permanente de Educação Antirracista”, no mês passado a DPE-PR instituiu sua Política de Prevenção e Enfrentamento do Racismo no âmbito da instituição. O objetivo é colocar em prática ações de prevenção, combate e erradicação do racismo institucional, com a criação de canais de acesso rápido para a formalização de denúncias de casos de racismo vividos por quem integra os quadros da instituição, trabalhadores(as) terceirizados(as) e também pelos usuários e usuárias. A Política foi elaborada e é coordenada pela 1.ª Subdefensoria Pública-Geral e pelo Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) da DPE-PR.

No início deste ano, foi lançado o edital do IV Concurso para Defensores(as) Públicas(os) do Paraná com reserva de 20% das vagas a candidatos e candidatas afrodescendentes. No mês passado, eles e elas passaram por avaliação da sua condição de afrodescendente, realizada por uma Comissão Verificadora da Autodeclaração de Afrodescendente, constituída por defensores(as) públicos(as) afrodescendentes e por duas pessoas integrantes da sociedade civil organizada indicadas pelo Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial (CONSEPIR), Alexandre Cezar e Roseli dos Santos Freitas. Em fevereiro, a instituição reforçou este compromisso ao aderir à “Carta da Bahia – Defensorias Públicas Estaduais Antirracistas: pelo Avanço da Política Afirmativa de Cotas Raciais", iniciativa aprovada durante reunião ordinária do Conselho Nacional de Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (CONDEGE).

“Temos tentado nos qualificar ao máximo para evitar práticas decorrentes do racismo estrutural e institucional, presenças incontestáveis em todos os setores da sociedade. Recentemente, instituímos a Política de Prevenção e Enfrentamento do Racismo no âmbito da Defensoria Pública e temos promovido eventos que visam o letramento racial dentro da instituição, tudo parte do projeto ‘Letrando em Pretoguês’, lançado em 2021”, resume a 1.ª Subdefensora Pública-Geral do Paraná, Olenka Lins e Silva.

A Ouvidoria Geral-Externa da DPE-PR também tem realizado ações de enfrentamento do racismo. Em julho, o órgão realizou a roda de conversa “Mulheridades Negras, Resistência, Subjetividade e Dororidades” para promover um espaço onde as mulheres negras pudessem ser as protagonistas do debate e discutir questões que as afetam diretamente. O evento contou com uma palestra da socióloga e doutoranda em Tecnologia e Sociedade Andressa Ignácio da Silva, que abordou como a sociedade, o machismo e o racismo atingem os corpos das mulheres negras, as limita e tenta calá-las.

Ações dos Núcleos Especializados impactam a população afrodescendente do Paraná

Os Núcleos Especializados da DPE-PR atuam, prioritariamente, em demandas de caráter coletivo, isto é, em casos em que grandes grupos de pessoas são afetados. O combate ao racismo e a defesa dos direitos da população negra paranaense estão presentes em diversas ações, judiciais e extrajudiciais, destes Núcleos.

Em março, o Núcleo da Infância e Juventude (NUDIJ) conquistou uma liminar em uma ação civil pública que exigia que o Estado do Paraná fosse obrigado a fornecer educação escolar às crianças e adolescentes da Comunidade Quilombola de Batuva, em Guaraqueçaba, em local próximo de suas residências. O Estado recorreu e a questão segue na Justiça, sendo acompanhada pelo Núcleo. Outras ações do NUDIJ, a partir de reunião com representantes de povos e comunidades tradicionais de matriz africana, foram realizadas junto à Secretaria de Estado da Educação e do Esporte do Paraná (SEED), solicitando detalhes quanto ao conteúdo programático utilizado para implementar as diretrizes da Lei 10.639/03, que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade do ensino da temática História e Cultura Afro-Brasileira, e explicações a respeito de denúncias de discriminação motivada por intolerância religiosa em escolas do estado. 

“O Núcleo realiza conversas e reuniões regulares com povos e comunidades tradicionais do Paraná, especialmente com representantes de escolas quilombolas, com o intuito de verificar o cumprimento das Diretrizes Nacionais no âmbito da Educação e, ainda, debater a respeito da infraestrutura dos respectivos colégios. O diálogo próximo e constante com as comunidades quilombolas permite que estes grupos tenham acesso à justiça, orientando-lhes juridicamente nas questões relacionadas ao direito à Educação”, explica o defensor público coordenador do Núcleo, Fernando Redede Rodrigues.

O NUDIJ também acompanha junto ao Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) o caso em que crianças negras representaram pessoas escravizadas em um desfile cívico realizado na cidade de Piraí do Sul, no interior do estado. A DPE-PR abriu um procedimento para investigar o caso e, em breve, deve realizar reunião para articular ações propositivas junto à Prefeitura e às escolas do município para que casos similares não se repitam e para que a educação antirracista seja ensinada de forma integral aos e às profissionais de Educação de Piraí do Sul.

Já o NUCIDH tem realizado diversas ações para assegurar o direito da população negra às cotas raciais. A conquista mais recente foi a obtenção do compromisso junto às administrações da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) de que ambas irão adotar a reserva de vagas destinadas a cotistas raciais em seus próximos vestibulares – a Unioeste em 2023, e a Unicentro, em 2024. O NUCIDH elaborou e acompanha, ainda, uma Ação Civil Pública que pede a adequação do Concurso da Polícia Civil do Paraná à política de cotas raciais, além de participar de discussões com o movimento negro e com o Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal do Paraná (UFPR) para aprimorar a atual lei de cotas raciais aplicada em concursos públicos do estado. 

Neste mês, o Núcleo promove o Curso de Capacitação “Defensoria Pública na Luta Antirracista”, realizado em parceria com a Comissão Étnico-Racial Lélia Gonzalez da Associação dos Servidores e Servidoras da Defensoria Pública do Paraná (ASSEDEPAR) e a Escola da Defensoria Pública do Estado do Paraná (EDEPAR), em celebração ao Dia da Consciência Negra, comemorado pelo movimento negro em 20 de Novembro. O curso é obrigatório para o público interno da DPE-PR e faz parte das ações previstas na Política de Prevenção e Enfrentamento do Racismo. 

Por fim, o NUCIDH realiza atendimento a comunidades quilombolas do estado, como a Comunidade Córrego do Franco, em Adrianópolis, e as Comunidades Quilombolas do Varzeão e Três Barras, em Doutor Ulysses, por exemplo, a fim de assegurar os direitos fundamentais desta população, como o acesso à vacinação durante a pandemia de Covid-19 e acesso a serviços básicos.

“O NUCIDH tem atuado, e pretende ampliar ainda mais sua atuação, para reforçar a proteção e promoção dos direitos humanos da população negra paranaense. É preciso que nossas instituições reconheçam o racismo estrutural a partir do qual foram criadas e, assim reconhecido, possam adotar medidas que combatam as causas de violência, exclusão e preconceito contra a população negra”, avalia o defensor público coordenador do Núcleo, Antonio Vitor Barbosa de Almeida.

O atendimento a comunidades quilombolas do estado também é realizado pelo Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas (NUFURB), que atua na proteção jurídica destes espaços ancestrais da população negra do Paraná. 

Além disso, o Núcleo defende na Justiça diversas comunidades carentes que hoje enfrentam ordens de despejo/desocupação/remoção/reintegração das terras que ocupam, comunidades todas formadas por um grande número de pessoas negras. “Atuamos defendendo uma população muito carente, que não tem dinheiro para pagar aluguel, grande parte formada por pessoas negras, já que se trata de uma população historicamente marginalizada”, explica a assessora jurídica do NUFURB, Mariana Kaipper de Azevedo. O Núcleo também atua na defesa dos espaços sagrados das religiões de matriz africana, com ações de proteção a terreiros de umbanda e candomblé.

A atuação da DPE-PR, em especial do NUFURB, na defesa de tais espaços pode ser conferida em um artigo escrito pelo Ouvidor Geral da DPE-PR entre 2019 e 2021, Thiago Hoshino, e pela 1.ª Subdefensora Pública-Geral Olenka Lins e Silva, que já coordenou o NUFURB. O artigo “A Defensoria Pública na proteção dos territórios tradicionais de matriz africana” foi publicado na Revista da Defensoria Pública da União e pode ser conferido aqui

Atuação de enfrentamento a uma mazela estrutural da sociedade brasileira também é o tema do Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP). Dados do SISDEPEN de janeiro a junho de 2022 mostram que 46,73% da população do sistema prisional paranaense se declara preta ou parda* em um estado onde aproximadamente 34% da população se declarou preta ou parda na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio relativa ao 1.º trimestre de 2020. Para a defensora pública coordenadora do Núcleo, Andreza Lima de Menezes, essa desproporcionalidade entre o número de pessoas negras livres e privadas de liberdade no estado precisa ser mais analisada com mais profundidade pelas instituições e órgãos públicos, inclusive por aqueles da área da Justiça. “Apesar destes números, a gente não tem no estado do Paraná uma atenção voltada especificamente para a população negra encarcerada, em nenhuma das instituições do sistema de Justiça. Isso porque a gente tem uma população carcerária majoritariamente branca, mas a questão é que a proporção da população negra no cárcere é maior do que [a proporção de pessoas negras n]a população em geral”.

E na pauta de promoção dos direitos das mulheres negras, o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) tem buscado, em todas as suas atuações, realizar uma abordagem atenta à interseccionalidade entre os fatores gênero e raça/etnia. “O primeiro painel do nosso curso alusivo ao mês de luta das mulheres teve como tema o feminismo negro e decolonial. Na nossa atuação no enfrentamento à violência obstétrica, sempre pontuamos o fato de que ela atinge de maneira mais intensa as mulheres negras, e diante disso chamamos a doutora em Saúde Pública Alaerte Martins para falar sobre o assunto no Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha, além de dedicarmos um capítulo sobre este assunto na cartilha ‘O que é Violência Obstétrica?’”, resume a defensora pública coordenadora do NUDEM, Mariana Martins Nunes.

Compromisso da DPE-PR com a equidade racial rendeu prêmios à instituição

Em novembro de 2021, a Defensoria Pública do Estado do Paraná, por meio de sua Ouvidoria-Geral Externa, foi contemplada na categoria Ouro com o “Selo Esperança Garcia – Por uma Defensoria Antirracista”, criado pelo Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas (CNODP). A honraria é concedida às Defensorias Públicas que contam com ouvidorias externas e adotam políticas de equidade racial. A premiação homenageia Esperança Garcia, uma mulher negra, mãe e escravizada que viveu no século XVIII e é reconhecida pela Ordem dos Advogados do Brasil da seccional do Piauí como a primeira advogada da história daquele estado.

Neste mês, a DPE-PR recebeu mais uma vez o prêmio, desta vez na categoria Bronze, por novamente ter cumprido vários critérios estabelecidos pelo Selo para reconhecer e estimular medidas estruturais para a erradicação do racismo nas Defensorias Públicas. 

 

* Tais dados dizem respeito à composição da população por cor/raça no sistema prisional entre janeiro e junho de 2022, quando o SISDEPEN possuía informações sobre 64% do total de pessoas em privação de liberdade no Paraná, ou seja, havia dados sobre raça/cor de 20.918 mil de um total de 32.700 pessoas.

 

 

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