Caso ordens de reintegração de posse sejam cumpridas, DPE-PR estima que mais de 100 mil pessoas podem ser despejadas no estado 20/06/2022 - 12:12

A partir do dia 30 de junho, mais de 100 mil pessoas em situação de vulnerabilidade social vivendo em ocupações irregulares no estado do Paraná podem ser alvos de despejo em razão do fim dos efeitos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu o cumprimento de mandados de reintegração de posse durante a pandemia de Covid-19. O dado faz parte de uma estimativa feita pelo Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas (NUFURB) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) em 183 processos com mandados de reintegração de posse que voltarão a vigorar em dez dias.

De acordo com a Subdefensora Pública-Geral Olenka Lins e Silva, a situação é alarmante porque essas famílias não têm para onde ir, e nenhuma política pública conseguirá absorvê-las rapidamente em caso de cumprimento das ordens de reintegração de posse. “São pessoas em alta vulnerabilidade social. Parte delas não conseguiu pagar seus alugueis durante a pandemia e foi parar nas ruas. Essas pessoas encontraram uma alternativa nas ocupações. Embora não seja o ideal, elas estão lá. Este é um fato, e nós precisamos lidar com esta questão”, afirma a Defensora Pública.

O levantamento feito pela equipe do coordenador do NUFURB, o Defensor Público João Victor Rozatti Longhi, aponta que, entre março de 2020 e maio de 2022, houve um aumento de 12% no total de decisões de reintegrações de posse que estão nas mãos da Polícia Militar do Paraná, prontas para serem cumpridas. A maior parte delas deve ocorrer em áreas rurais, (111), e 72, em áreas urbanas. No entanto, de acordo com Longhi, o crescimento das decisões atinge principalmente as ocupações em áreas urbanas, onde houve um aumento de 33% nas ordens de reintegração de posse, em comparação com março de 2020.

“Estamos muito preocupados com as condições em que o cumprimento das reintegrações pode acontecer, mas estamos em permanente conversa com Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social (SUDIS) do governo do Paraná, e com a própria Polícia Militar”, afirma Longhi. De acordo com ele, é improvável que as ordens sejam cumpridas simultaneamente, até por questões de planejamento e estrutura da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, mas é possível que sejam executadas gradualmente. Mesmo assim, segundo Longhi, a situação é preocupante porque não há onde realocar as famílias. “Nós temos trabalhado em conjunto com todas as instituições do sistema de Justiça, como o Ministério Público do Paraná e a Comissão de Conflitos Fundiários do TJ-PR”, ressalta Longhi.

Ocupação no Campo do Santana

A ADPF828 suspendeu a retirada forçada das pessoas em ocupações irregulares que ocorreram antes da pandemia de Covid-19, mas muitas delas receberam mais pessoas durante o período de isolamento social, e outras nasceram durante o estado de calamidade pública em razão da crise econômica causada pela emergência sanitária, como é o caso de uma área no Campo do Santana, na Estrada Delegado Bruno de Almeida, no bairro Tatuquara, em Curitiba, área ocupada há pouco mais de dez dias por aproximadamente 400 famílias.

As pessoas que estão nesta ocupação passam exatamente pelas mesmas circunstâncias vividas pelos moradores em áreas ocupadas mais antigas. Juliano Santiago da Luz, 28 anos, é serralheiro e tem duas filhas, de 4 e 5 anos. Com a pandemia e a alta dos preços dos últimos meses, o salário de R$ 1.900 que o trabalhador recebe não consegue arcar com os custos do aluguel, luz e água. A família deixou, então, sua casa no Sitio Cercado para entrar na ocupação no Campo do Santana. “O aluguel sobe e o nosso salário, não. Sou trabalhador, mas o salário não dá”, contou Luz durante visita do NUFURB à área.

Situações como a dele se repetem na área. A cabelereira Renata Caetano de Moraes, 39 anos, morava com sua companheira e duas filhas, de 13 e 6 anos, no bairro Pinheirinho, e tinha um pequeno salão de beleza em casa. “Eu tinha um salão, mas, com a pandemia, tive que catar papel na rua. Não conseguimos pagar as contas, e o locatário não conseguia baixar o aluguel”, explicou. Renata tem ajudado na cozinha comunitária instalada na ocupação pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-teto (MTST).

Um dos líderes do MTST na ocupação, Adrian Nunes da Silva Lima, 35 anos, contou durante a visita que o movimento tem recebido inúmeros relatos de pessoas que perderam tudo durante a pandemia e não têm como pagar as contas. “Eles vêm atrás de ajuda e a gente se articula para ajudar e encontrar um local para eles. Esta área, por exemplo, estava totalmente desocupada há muitos anos”, comentou. Segundo ele, faz parte da luta do movimento debater a função social dos imóveis.

Na avaliação dele, a Defensoria Pública tem auxiliado a não estigmatizar as pessoas nas ocupações. “A Defensoria tem ajudado bastante a gente. O trabalho da Defensoria garante que a forma da lei seja assegurada para todos nós”, disse Lima.  

O NUFURB recorreu da decisão de reintegração de posse da ocupação no Campo do Santana. O pedido tramita na 24ª Vara Cível de Curitiba, e está sob análise no momento.

Diálogo e compartilhamento de informações

Em maio, o NUFURB publicou uma normativa para o compartilhamento de informações sobre as ocupações espalhadas pelo Paraná que estão sendo acompanhadas pela Defensoria.

O projeto foi batizado de “NUFURB em rede”, e reúne informações para qualificar as intervenções feitas pelo núcleo em ações coletivas na defesa das famílias mais vulnerabilizadas.

O motivo da regulamentação surgiu da necessidade de a DPE-PR estar munida de mais informações sobre os casos em que a instituição atua na área de conflitos fundiários. O Núcleo atua em causas coletivas em favor das famílias nas ocupações, e normalmente é acionada para atuar em casos com processos muito antigos.

Como os atores jurídicos envolvidos na discussão do tema e na defesa das famílias são os mesmos no estado, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e a Superintendência-Geral de Diálogo e Interação Social (SUDIS) do governo do estado, entre outras organizações e entidades, foi estabelecido que o compartilhamento de informações vai ocorrer de forma permanente entre todos.

 

Caso ordens de reintegração de posse sejam cumpridas, DPE-PR estima que mais de 100 mil pessoas podem ser despejadas no estado

 

Total de ordens de reintegração de posse prestes a serem cumpridas pela Polícia Militar do Paraná:

Março de 2020 - 164

Maio de 2022 - 183

Aumento de 12%

Total de reintegrações de posse em área urbana:

Março de 2020 - 54

Maio de 2022 - 72

Aumento de 33%

Total de reintegrações de posse em área rural:

Março de 2020 - 110

Maio de 2022 - 111

Aumento de 0,91%

 

 

GALERIA DE IMAGENS