Com a palavra, a Defensoria: Entrevista com o Defensor Público-Geral André Giamberardino 20/01/2023 - 10:49

Defensor Público-Geral mais jovem a assumir a Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), André Ribeiro Giamberardino, 38 anos, completou em outubro de 2022 um ano à frente da Administração Superior da instituição. Ele é o primeiro entrevistado de um projeto desenvolvido pela Assessoria de Comunicação da DPE-PR, uma série intitulada “Com a palavra, a Defensoria”, que tem como objetivo entrevistar defensores e defensoras, servidores e servidoras a respeito de temas importantes para a consolidação e valorização da Defensoria paranaense e também da Defensoria Pública brasileira como um todo. Saiba mais sobre o projeto aqui.

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André Giamberardino é autor de seis livros, professor e pesquisador nos programas de pós-graduação em Direito e em Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde coordena a Clínica de Acesso à Justiça e Educação nas Prisões (CAJEP). É Bacharel, Mestre e Doutor em Direito pela mesma universidade, casado e pai de dois filhos. Antes de tomar posse como defensor público, atuou como advogado. 

É defensor público desde 2013, tendo ingressado na instituição por meio do 1.° concurso para defensor(a) público(a) realizado no estado, em 2012. Também foi coordenador do Núcleo de Política Criminal e Execução Penal (NUPEP), cargo que ocupava quando foi eleito para a Defensoria Pública-Geral. Entre 2013 e 2015, foi Subdefensor Público-Geral do Estado do Paraná. Também foi chefe de gabinete de Raul Jungmann quando este foi o titular do Ministério da Segurança Pública. 

Durante a entrevista, o Defensor Público-Geral fez um balanço dos projetos desenvolvidos no último ano e tocou em temas sensíveis, como os principais desafios à frente da instituição. “Os maiores desafios são conjugar qualidade com quantidade no atendimento à população, chegar às pessoas que mais precisam e construir, em parceria com o Governo do Estado, as bases para um ciclo gradual e responsável de contínuo crescimento”, afirmou.  

 

Fotos Andé - Com a palavra, a Defensoria

Confira a entrevista completa:
 

Por que a Defensoria Pública do Paraná ainda é a menor do Brasil? 

Giamberardino: Em 2013, após a nomeação dos aprovados no primeiro concurso da instituição, havia 97 defensores e defensoras públicas no Paraná. E, mesmo depois de três concursos, iniciamos 2023 com apenas 104 profissionais. Me parece que o que temos são dificuldades de ordem cultural, política e econômica na consolidação do próprio modelo público de acesso à justiça no Estado do Paraná. 

Acredito que pese o fato de a DPE-PR ter sido uma das últimas a serem criadas e a sua implementação ter ocorrido em um contexto de recessão econômica no Estado e no País. Muitas outras Defensorias estaduais cresceram exponencialmente nos anos anteriores. Nossa ausência facilitou a acomodação de um outro modelo, utilizado em alguns países mais ricos e com menos desigualdade, que é a nomeação de advogados privados remunerados por ato processual. O alcance é muito mais restrito e o escopo é de estrita assistência judiciária, não de acesso à justiça. De qualquer forma, é fundamental ressaltar que passamos por um novo momento no Paraná, com a sensibilidade e o diálogo profícuo para essas questões com o Governador Ratinho Jr e os Poderes Legislativo e Judiciário, bem como com o Ministério Público do Estado.

Por isso, procuramos o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil e firmamos, no início do ano, Memorando de Entendimento para situar esse debate no quadro da Agenda 2030, sobretudo no âmbito do ODS 16, cuja meta é promover a paz, a justiça e instituições eficazes. Essa parceria nos permitirá fazer uma análise dos nossos gargalos e desafios e adotar soluções dialogadas, inteligentes e eficazes que nos permitam crescer ainda mais. Ficamos felizes em constatar que o cenário já está mudando.

 

A DPE-PR está realizando a segunda maior contratação de sua história neste mês, com a posse de 40 novos defensores e defensoras. Qual é o impacto dessa contratação para a população? 

Giamberardino: Essa contratação representa o início desse novo ciclo e terá um impacto gigantesco para os paranaenses que mais precisam do Estado como apoio, como braço gentil, como canal de acesso a diversos direitos fundamentais garantidos pelo nosso ordenamento jurídico. A entrada dos novos colegas é o que confere sentido a uma série de outras medidas que estamos implementando nesse contexto, como a criação de núcleos regionais de atendimento para reduzir o custeio; a facilitação da triagem socioeconômica; a criação da Central de Relacionamento com o Cidadão e canais remotos de atendimento; a uniformização dos horários de atendimento ao público em todas cidades com Defensoria; e a ampliação das portas de entrada para acesso aos serviços da instituição, entre outras medidas.

O impacto será sentido fortemente também em municípios no interior do Estado. Com todas essas medidas e o aumento do número de defensores(as), atenderemos muito mais pessoas. Estamos voltando ao Litoral do Estado, que tem uma expressiva população carente, com uma equipe quase completa, para atender em todas as áreas e em todas as comarcas da região. Iremos implementar núcleos de atendimento inicial e fortalecer a atuação nas áreas de Família e Infância e Juventude em locais onde contamos hoje somente com atuações muito específicas e restritas, passando ainda a atender à população de Paranavaí, Cambé, Sarandi, Jandaia do Sul, Colombo e Almirante Tamandaré. Estaremos presentes também em uma quantidade um pouco maior de varas criminais, um de nossos principais gargalos.

 

“As portas da Defensoria estão abertas para todos: para quem tem direito à pensão e para quem deve, para quem cometeu um crime e para quem foi vítima de um.” | André Giamberardino, Defensor Público-Geral do Paraná

 

Você mencionou que fez uma mudança para uniformizar os horários de atendimento nas sedes. Qual é o motivo?

Giamberardino: Buscamos intensamente fazer com que o serviço prestado à população seja cada vez mais eficiente e qualificado. Encontramos um cenário de múltiplas regras e rotinas de atendimento e trabalhamos para, com muito diálogo interno e ouvindo a sociedade civil, padronizar tais regras e excluir a necessidade de agendamento para a primeira acolhida da pessoa, quando se faz a triagem socioeconômica. Há o risco de formação de filas, mas acreditamos na necessidade de permitir que a demanda reprimida se manifeste e forneça elementos empíricos para a análise da necessidade de ampliação das equipes de atendimento e da atuação. A mera simplificação da lista de documentos exigidos para triagem (leia mais aqui) significou um aumento imediato bastante significativo do número de primeiros atendimentos na nossa maior sede, em Curitiba.

 

Qual avaliação você faz atualmente do trabalho dos núcleos especializados?

Giamberardino: Os núcleos têm um papel fundamental porque são nossas únicas unidades que podem atuar em todo o Estado, priorizando questões coletivas e com grande impacto. Os núcleos contribuem, ainda, na articulação conjunta com o Tribunal de Justiça, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e outros órgãos para a resolução extrajudicial e pactuada de conflitos. Em todas as áreas de atuação dos Núcleos temos observado conquistas importantíssimas ao longo dos últimos meses.

 

É comum ouvirmos que o papel da Defensoria é defender bandido. Como você vê esses comentários?

Giamberardino: As portas da Defensoria estão abertas para todos e todas: para quem tem direito à pensão e para quem deve, para quem cometeu um crime e para quem foi vítima de um. Direitos fundamentais não são bens escassos, esse é o ponto. Atender ao direito de alguém não é cancelar o direito do outro. Ao contrário, resguardar o direito de um indivíduo é fortalecer a proteção dos direitos de todas e todos nós. A Defensoria trabalha, portanto, nessa ambivalência muito rica e humana, como é seu papel constitucional. Especificamente sobre a questão criminal, temos o projeto Reconstruir, baseado na Justiça Restaurativa, que atende pessoas que foram vítimas de crimes. Enquanto nosso Núcleo de Política Criminal e Execução Penal (NUPEP) presta assistência a famílias vítimas de violência policial. 

Outro exemplo dessa atuação ampla e sem distinção é o fato de que, nesses últimos dias, a Defensoria tem prestado assistência jurídica a pessoas acusadas de atentar contra a democracia brasileira. A Defensoria tem no texto constitucional a missão expressa de salvaguarda da democracia e repudiou institucionalmente, como não poderia ser diferente, todos os atos ocorridos em 8 de janeiro, assim como se posicionou firmemente ao longo do processo eleitoral e contribuiu para a ampla participação da população no pleito com o ingresso de ações judiciais, em todo o país, requerendo passe livre para o dia das eleições. E nada disso impede ou enfraquece o atendimento e a fiscalização em relação aos direitos de defesa e dignidade das pessoas suspeitas de envolvimento nos atos.

 

Com a posse dos novos(as) defensores(as), é natural pensar que serão necessárias contratações de servidores também. Como está o concurso para servidores? 

Giamberardino: O procedimento se encontra na fase de cotação e análise jurídica para a contratação da empresa organizadora. Abriremos poucas vagas, mas com cadastro de reserva para todos os cargos previstos em nossa lei orgânica. 

 

Vimos no último ano um aumento significativo do número de mutirões de atendimento. Em sua opinião, como essa política tem feito a diferença no trabalho da Defensoria?

Giamberardino: Quando iniciamos a gestão, o atendimento presencial nas sedes ainda estava suspenso por conta da pandemia do novo Coronavírus. Embora tenhamos conduzido um retorno gradual e cuidadoso [para o atendimento presencial], sentimos a necessidade de que fosse realizada uma ação com impacto e visibilidade para a população e os meios de comunicação. A implementação da Assessoria de Projetos Especiais foi decisiva nesse sentido, coordenando uma verdadeira política de mutirões, e que acaba sendo um contraponto a qualquer ideia, ventilada em alguns Estados, de consolidação de um atendimento remoto e à distância. Na minha opinião, com apoio da nossa Ouvidoria Externa, isso seria uma tragédia para o modelo público de acesso à justiça que tanto defendemos. Incorporamos, sim, novas soluções tecnológicas para facilitar o trabalho das equipes e o acesso das pessoas à instituição, mas a regra é que a Defensoria esteja, literalmente, na rua. Destaco como carro-chefe dessa política o projeto “Concilia Paraná”, na área de Família, com edições muito bem sucedidas, bem como a participação nas Feiras de Cidadania promovidas pelo Governo do Estado. De novembro de 2021 até essa data, promovemos mais de 30 mutirões de atendimento em diversos municípios do Estado.

 

"Imaginemos quanto um defensor custa ao orçamento público no período de um ano e então vamos confrontar esse gasto com a quantidade de atos que serão praticados por essa ou esse profissional e o que eles implicarão em termos de retorno social e econômico." | André Giamberardino, Defensor Público-Geral do Paraná

 

E como você avalia o início dos trabalhos da Central de Relacionamento com o Cidadão (CRC) da DPE-PR? (veja mais aqui)

Giamberardino: Ainda é muito cedo para qualquer avaliação, mas estamos otimistas com a perspectiva de criação de novos canais de acesso para que as pessoas possam obter informações simples sobre o seu processo de modo mais cômodo e ágil, até para reduzir a procura e a fila quando a demanda pode ser resolvida com um telefonema. Pretendemos também disponibilizar um aplicativo de celular, para a mesma finalidade, seguindo o bom exemplo de outras Defensorias como a do Rio de Janeiro e Rondônia. Gostaria de ressaltar, porém, que atendemos pessoas extremamente vulneráveis e que são muitas vezes excluídas digitais. Por isso, fortalecemos políticas especiais de atendimento, com busca ativa a grupos como, por exemplo, a população em situação de rua.

 

E já que você mencionou a questão da população em situação de rua, o que a Defensoria tem feito sobre esse tema?

Giamberardino: O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania (NUCIDH) conta com um forte e importante trabalho de escuta e construção de políticas nesse sentido, com a fiscalização e participação de movimentos sociais. Pretendemos, no ano de 2023, garantir que não haja entraves burocráticos ou estruturais ao atendimento mais adequado possível às pessoas em situação de rua. Estamos também lutando intensamente por emendas parlamentares para a aquisição de uma ou duas “Van dos Direitos”, junto ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, as quais serão utilizadas para atendimento itinerante nas ruas.

 

Quais são os principais desafios que a Defensoria precisa enfrentar? 

Giamberardino: Os maiores desafios são conjugar qualidade com quantidade no atendimento à população, chegar às pessoas que mais precisam e construir, em parceria com o Governo do Estado, as bases para um ciclo gradual e responsável de contínuo crescimento. 

 

Em um primeiro momento, a instituição recebeu críticas em razão da aprovação do aumento do orçamento da Defensoria pela Assembleia Legislativa do Paraná. Como você avalia essa crítica?

Giamberardino: A desconfiança é, sem dúvida, oriunda de uma incompreensão em relação ao imenso retorno social e econômico decorrente da ampliação do número de defensores e defensoras públicas em qualquer local. Não fosse assim, não seria uma política adotada em praticamente todos os Estados do país, por governos das mais variadas orientações políticas. É um verdadeiro investimento. E sequer estou me referindo à compensação imediata da despesa pública por conta da redução de gastos com outros modelos de assistência judiciária. 

Imaginemos quanto um defensor custa ao orçamento público no período de um ano e então vamos confrontar esse gasto com a quantidade de atos que serão praticados por essa ou esse profissional e o que eles implicarão em termos de retorno social e econômico. Centenas de conflitos deixarão de ser judicializados. Mães que receberão a pensão alimentícia devida aos filhos e conseguirão vaga na creche poderão sair para procurar um emprego digno. Pessoas que preenchem os requisitos para programas sociais serão encaminhadas e inscritas nesses programas a partir do primeiro atendimento prestado pela Defensoria. Pessoas presas sem necessidade responderão a seus processos em liberdade, trazendo economia de recursos aos cofres públicos. O próprio Tribunal de Contas do Estado, aliás, apontou em auditoria haver correlação entre a baixa quantidade de defensores públicos e a dificuldade de administração dos fluxos de entrada no sistema prisional. Em síntese, o investimento para ampliar o número de defensores e defensoras públicas gera um efeito cascata extremamente positivo e ciclos virtuosos de desenvolvimento social e econômico.