Justiça suspende ação contra agricultores após DPE-PR propor discussão sobre sistema de vida faxinalense 20/06/2024 - 11:43

Por sugestão da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), uma ação contra agricultores do município de Boa Ventura do São Roque será utilizada como uma oportunidade para rediscutir o sistema de vida faxinalense no estado. Instituições do sistema de Justiça, órgãos do Poder Executivo e moradores(as) do Faxinal dos Kruger têm até setembro para debater as práticas agrícolas de pequenos produtores locais. Parte da comunidade passou a utilizar cercas e agrotóxicos para a criação de animais, práticas que fogem às regras do sistema de produção faxinalense previsto em lei. Conforme relatado pelos produtores, a adoção dos métodos alternativos à produção no faxinal seriam necessárias para garantir a subsistência e a renda das famílias.

O caso motivou uma ação do Ministério Público contra as famílias, já que os faxinais são áreas de preservação e uso comum da terra. A ação pede a adequação do sistema produtivo ao modo de vida faxinalense, além da condenação dos agricultores ao pagamento de danos morais coletivos. No entanto, a Defensoria Pública pediu a suspensão do processo para que sejam estudadas outras possibilidades de resolução.

Reconhecido oficialmente em 2013, o Faxinal dos Kruger tem cerca de 200 moradores(as), e há famílias que vivem na área há mais de 60 anos. A DPE-PR propôs que os(as) representantes envolvidos no caso busquem encontrar uma solução que, ao mesmo tempo, mantenha o reconhecimento das terras como área de preservação e não prejudique o sustento das famílias. A sugestão foi feita em audiência pública, mediada pela Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR).

A legislação estadual delimita a identidade faxinalense e os requisitos para o reconhecimento de áreas de faxinal. Entre eles, estão a produção de animais soltos, o uso comum de terras e o extrativismo florestal de baixo impacto. Os faxinais constituem Áreas Especiais de Uso Regulamentado (Aresur), e por isso as famílias recebem ICMS Ecológico, uma tributação compensatória por adotar práticas de preservação ambiental. 

Segundo o defensor público e coordenador do Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas (Nufurb), João Victor Longhi, a ideia é ouvir as famílias e, por meio do trabalho conjunto, propor aos agricultores uma maneira de unir diferentes modos de produção no local. “O povo faxinalense está presente em diferentes regiões do Paraná há mais de 200 anos. Naturalmente, com o passar das décadas, suas tradições culturais sofreram alterações, e isso se reflete diretamente no relacionamento com a terra. Nosso papel, enquanto instituições do sistema de Justiça, é compreender em que medida essas mudanças configuram um novo sistema de vida e, eventualmente, fazer com que o Direito acompanhe esse movimento”, explica Longhi.

A DPE-PR assumiu a frente das discussões sobre o caso, que envolverá também órgãos ambientais para a elaboração de estudos técnicos. Até setembro, a comunidade local também precisará apresentar dados econômicos que justifiquem a flexibilização no sistema de criação de animais.

“Nós precisamos entender o real impacto que essas práticas trouxeram para a vida das famílias. Isso significa também ouvir as famílias que têm interesse em manter as práticas tradicionais. Temos agora uma oportunidade de entender se esses diferentes sistemas de vida podem compartilhar de um mesmo espaço e, juntos, caracterizarem uma visão contemporânea sobre a identidade faxinalense”, ressalta o defensor público. Clique aqui e conheça mais sobre a atuação da DPE-PR junto ao povo faxinalense, que envolve outros núcleos especializados da instituição.