Conheça o trabalho da Defensoria junto às comunidades faxinalenses, povo tradicional paranaense 20/11/2023 - 15:30

Diferentemente de outros grupos, como os quilombolas e indígenas, o povo faxinalense não é encontrado fora das divisas paranaenses. Eles estão exclusivamente espalhados pelo Paraná. Em 2008, segundo pesquisa elaborada naquele ano pela Articulação Puxirão, eles estavam distribuídos em 277 comunidades. A Articulação Puxirão representa a população tradicional do estado e, segundo a própria entidade, é a única referência no mapeamento dos faxinais. 

Os faxinais são comunidades camponesas em que as famílias faxinalenses moram, plantam, criam animais coletivamente e estabelecem uma relação mais harmoniosa entre o ser humano e a terra. No entanto, como o último levantamento foi realizado há 15 anos e faltam recursos para a realização de uma nova pesquisa, não se sabe ao certo o número de comunidades paranaenses existentes em 2023. 

A ausência de números que dêem visibilidade a essas comunidades é apenas um exemplo dos problemas enfrentados por essa população. As práticas culturais próprias desse povo, apesar de presentes em várias regiões do Paraná há mais de 200 anos, encontraram diferentes barreiras para a sua sobrevivência. Por ser uma comunidade tradicional historicamente excluída do sistema de justiça e por isso em situação de vulnerabilidade social, os faxinalenses contam com a assistência jurídica da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), que acompanha a realidade das famílias faxinalenses e trabalha com suas demandas visando à defesa da preservação do modo de vida dessas famílias. 

Para o Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) da DPE-PR, que coordena esse trabalho de defesa das comunidades, o desrespeito e a discriminação para com as tradições, práticas e valores culturais dos faxinalenses agravam os problemas já impostos a eles. É o caso da questão ambiental, que tanto atinge as comunidades devido aos interesses corporativistas no uso das áreas de plantação e criação de animais - dois fatores essenciais da cultura desse povo.

Identidade faxinalense

O reconhecimento da identidade faxinalense está previsto na Lei nº 15673 de 2007. O texto destaca que a caracterização descrita na legislação delimita os critérios que determinam as comunidades pertencentes ao povo faxinalense. Segundo a lei, os moradores dos faxinais têm “como traço marcante o uso comum da terra para produção animal e a conservação dos recursos naturais”. No entanto, mesmo após o avanço legal, os faxinalenses ainda denunciam a falta de políticas públicas voltadas às comunidades. Segundo o NUCIDH, é necessária uma legislação específica e atualizada para aprimorar a proteção do modo de vida tradicional desse grupo, já que a legislação vigente sequer define como deve ser a proteção do território faxinalense.

Uma das principais demandas é o reconhecimento da área de faxinal como Áreas Especiais de Uso Regulamentado (ARESUR), assim como a destinação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) Ecológico para o estímulo das atividades já realizadas pelas famílias. As práticas agrícolas e pecuárias dos comunitários contribuem para a preservação ambiental e ajudam na constituição de grande parte das áreas verdes existentes no Paraná. O NUCIDH atua em diversos casos de reconhecimento e cumprimento de recursos destinados às ARESUR, como no Faxinal do Salso, no município de Quitandinha, Região Metropolitana de Curitiba (RMC). 

Ameaças do agronegócio

Segundo a assessora jurídica do NUCIDH Débora Carla Pradella, exatamente por estarem instalados em regiões com recursos naturais preservados, os faxinalenses sofrem constantemente com ameaças vindas de representantes da indústria do agronegócio, como madeireiros, fazendeiros e proprietários de chácaras com empreendimentos voltados para o turismo. “Esses grupos acabam por promover tentativas de remoção das comunidades, o que inclui ameaças aos faxinalenses, além do comprometimento dos meios de subsistência da comunidade tradicional”, explica Pradella.

Os riscos apresentados às famílias faxinalenses por este setor mobilizam diferentes equipes de trabalho da Defensoria. Pela instituição, o Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas (NUFURB) tem atuado principalmente em prol da Comunidade Faxinalense Bom Retiro, no município de Pinhão, região Centro-Sul do estado. Os moradores questionam judicialmente uma indústria madeireira proprietária de um imóvel sobposto à área do faxinal. Como a empresa deseja usar a área, este conflito fundiário pode prejudicar a comunidade.

“As madeireiras, assim como os setores da pecuária e outros relacionados às atividades do agronegócio, representam uma possível ameaça à sobrevivência dos povos faxinalenses, com sucessivas tentativas de tomada do território do faxinal, impedindo que a comunidade mantenha suas atividades de subsistência, como as plantações”, explica Mariana Kaipper de Azevedo, assessora jurídica do NUFURB. 

Além dos riscos à comunidade específica, o avanço da indústria agrícola e agropecuária sobre os territórios faxinalenses também ameaça a preservação ambiental de um modo mais amplo dada a relação sustentável que o povo faxinalense desenvolve com a terra. Esses conflitos fundiários, segundo Pradella, acontecem em razão do desrespeito aos acordos comunitários e da concentração dos recursos naturais em atividades de monocultura. “Isso acarreta a perda da biodiversidade local e desestimula os faxinalenses a continuarem as suas criações e plantações familiares”, afirmou ela.

Contrastes culturais

Outro problema enfrentado pelos comunitários dos faxinais é a falta de conhecimento por parte da sociedade externa. Isso acentua ainda mais o papel da Defensoria na luta pelo reconhecimento das comunidades. A ausência de circulação de informações a respeito do povo tradicional, conta Mariana Azevedo, é um problema recorrente também dentro da própria comunidade jurídica. Isso invisibiliza a identidade faxinalense e compromete a garantia dos direitos relativos a essa população.

“Os indígenas, por exemplo, formam comunidades tradicionais mais conhecidas pela população no geral, as únicas com direitos reconhecidos expressamente pela Constituição Federal. Os faxinalenses não são tão conhecidos”, explicou Azevedo. Segundo a assessora, quando casos envolvendo faxinalenses chegam à DPE-PR, muitas vezes, os processos já se encontram finalizados ou quase finalizados, tendo sido utilizados todos os meios de defesa possíveis, mas sem se abordar os direitos próprios dos faxinalenses.

A solidificação das práticas que formaram os faxinais contrastam com a visão contemporânea, por exemplo, sobre o significado da terra e seus usos. “A percepção atual da propriedade é uma barreira ao modo de vida tradicional faxinalense, que já existia há gerações antes que suas terras fossem tituladas por terceiros”, comenta a assessora jurídica do NUFURB. 

Conforme a legislação estadual que trata do reconhecimento da identidade faxinalense, o modo de viver adotado dentro dos faxinais caracteriza uma condição de existência de seus moradores. A lei ressalta uma “cultura própria, laços de solidariedade comunitária e preservação de suas tradições e práticas sociais” como características fundamentais do povo faxinalense.

A superação do desconhecimento que cerca as comunidades tradicionais, de acordo com o coordenador do Núcleo da Infância e Juventude (NUDIJ), defensor público Fernando Redede, está intrinsecamente ligada à educação formal mantida pelos órgãos oficiais e transmitida nas instituições de ensino. A falta de reconhecimento, por outro lado, também impacta o aprendizado de crianças e adolescentes dentro das comunidades. O problema amplia as distâncias estruturais que separam os faxinais e a sociedade como um todo

“As escolas faxinalenses, em geral, devem seguir as diretrizes da Educação do Campo, considerando-se as especificidades de cada comunidade. Infelizmente, não temos informações sobre a funcionalidade prática de cada escola, principalmente no que tange o respeito às especificidades desse grupo”, destaca Redede.

A comunidade de São Roquinho, em Pinhão, por exemplo, possui reivindicações de construção de escolas e fornecimento de transporte escolar, que é deficitário para os estudantes da área. O NUDIJ atua nesse caso, como em outros, na aproximação de representantes faxinalenses com prefeituras e a própria Secretaria de Estado da Educação (SEED). “O núcleo mantém a postura de promoção do diálogo até o esgotamento de todas as possibilidades administrativas de resolução”, afirma o defensor público.