Estudo da DPE-PR fundamenta julgamento no STJ que pode permitir penas abaixo do mínimo legal no Brasil 18/06/2024 - 09:53
Instituições que atuam no sistema carcerário brasileiro, dentre elas a Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), acompanham um julgamento histórico no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Terceira Seção da Corte analisa a possibilidade de revogar a Súmula 231, que estabelece a impossibilidade de reduzir o tempo de cumprimento de pena abaixo do mínimo legal mesmo diante de condições atenuantes. O relator do julgamento, ministro Rogerio Schietti Cruz, votou pelo cancelamento da regra e em favor da pena poder ser fixada abaixo do mínimo previsto em lei. No voto, Cruz utilizou como um dos argumentos um estudo apresentado pela DPE-PR que indica uma distorção na punição de crimes devido à aplicação da súmula. A Defensoria Pública do Paraná, assim como outras entidades, é a favor da revogação da Súmula 231. Por pedido de vista do ministro Messod Azulay Neto, o julgamento segue suspenso.
A Defensoria Pública do Paraná expôs os dados da pesquisa em audiência pública no STJ, em maio de 2023, por meio de uma manifestação elaborada pelas defensoras públicas Andreza Lima de Menezes, então coordenadora do Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (Nupep), e Raísa Bakker, pelo diretor de pesquisa da Escola da Defensoria Pública (Edepar), Giovanni Diniz, e pelo assessor jurídico Matheus Hatschbach. O então 2º subdefensor público-geral, Bruno Muller, também fez uma fala na audiência, como presidente do Conselho da Comunidade de Curitiba.
O julgamento originou de três casos concretos levados ao STJ pelas Defensorias Públicas dos estados de Mato Grosso do Sul, Sergipe e Tocantins. Os recursos questionam a aplicação da Súmula 231 e argumentam que a regra estaria ultrapassada após a reforma do Código Penal, em 1984. Para o ministro Cruz, os casos ilustram a inexistência de um entendimento consolidado sobre o tema. Essa conclusão motivou a abertura do processo para que instituições, contrárias e favoráveis à súmula, debatessem a manutenção da regra.
Dados
Entre as 44 expositoras na audiência pública, a DPE-PR foi uma das que apresentou pedido de revogação. Os(as) representantes da instituição argumentaram que a súmula tende a impactar a política criminal no sentido de punir de forma mais rigorosa crimes mais leves. Essa conclusão surgiu a partir de uma análise de todos os processos da 3ª Vara Criminal de Curitiba de 2022, fornecidos à Defensoria Pública do Paraná a partir de um pedido da instituição. “Nós buscamos encontrar a frequência da incidência da súmula nas sentenças condenatórias, porque são nelas que a Justiça fixa uma pena”, explica Diniz, diretor de pesquisa.
Os números revelaram a aplicação da Súmula 231 em praticamente metade (49,1%) das condenações em que haviam atenuantes reconhecidas, ou seja, condições que poderiam diminuir a pena, segundo o entendimento da própria Justiça. O principal ponto, segundo Diniz, é que a aplicação da súmula aumenta o rigor da pena em crimes com circunstâncias consideradas mais leves.
“Os crimes mais graves, em geral, ou não têm circunstâncias atenuantes a serem consideradas, ou têm penas-bases altas ao ponto de a súmula não surtir efeito sobre a pena”, explica ele. Pena-base é o tempo inicial de cumprimento de pena imposto pela Justiça, determinado a partir da análise do crime e de fatores circunstanciais do caso, a exemplo de antecedentes criminais e a motivação do(a) autor(a) do crime. “Por outro lado, nos crimes com circunstâncias mais leves, aqueles que têm pena-base mais baixa ou que têm atenuantes a serem considerados, a aplicação da súmula impede a redução da pena”, complementa.
Superlotação
Na manifestação diante do STJ, a DPE-PR ressaltou que a impossibilidade de aplicar penas abaixo do mínimo legal, por consequência, impõe a necessidade de que a pessoa condenada cumpra a pena por mais tempo. Esse quadro impacta diretamente no aumento da população carcerária brasileira, que quase triplicou nos últimos vinte anos, de acordo com a entidade internacional World Prison Brief. Em 2020, cerca de 811 mil pessoas estavam presas. Segundo a defensora pública Menezes, a súmula compõe um conjunto de entendimentos sobre a aplicação judicial da lei que contribuem para a superlotação de presídios brasileiros.
“Houve também inúmeras mudanças legislativas recentes que desvirtuam o princípio constitucional da individualização das penas. Há penas evidentemente muito desproporcionais à conduta praticada ou cuja supressão de direitos no âmbito da execução trazem essa desproporção. O cancelamento da súmula caminha na contramão desse movimento legislativo e vai impactar a fixação das penas, já que o juízo criminal terá uma margem maior para aplicar penas menores a condutas menos gravosas”, afirma ela.
A revogação do enunciado, argumenta a DPE-PR, contribuiria para a redução da superlotação e da violação de direitos humanos no sistema prisional, cenário já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. Em outubro, a Corte reconheceu um estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347. Clique aqui para saber mais.