Conheça um pouco mais da atuação da DPE-PR em grupos reflexivos para autores de violência doméstica 27/02/2023 - 10:27
Refletir sobre temas como machismo, masculinidades, gênero, violência doméstica e relações interpessoais é urgente em uma sociedade tão violenta para as mulheres. Só no primeiro semestre de 2022, a central de atendimento da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) registrou 169.676 violações envolvendo violência doméstica contra elas. Uma das medidas para romper com esse ciclo de violência passa pela conscientização dos agressores através de grupos reflexivos, onde esses homens são levados a pensar em novas formas de se relacionar. Na Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), as sedes de Cornélio Procópio, São José dos Pinhais e, mais recentemente, Guaratuba, integram grupos com esse propósito, com forte atuação das equipes técnicas, formadas por assistentes sociais e psicólogas(os) da instituição.
Em São José dos Pinhais a DPE-PR integra o “Programa Daqui Pra Frente”, formalizado por meio de lei municipal em 2019 (Lei n.° 3.481/2019), mas que já era desenvolvido desde 2016. De acordo com a assistente social Thaís Barbosa de Melo, que coordena a atuação da DPE-PR no programa junto com o defensor público Carlos Augusto Silva Moreira Lima, o objetivo do programa é proporcionar aos homens autores de violência um espaço de formação e reflexão sobre as causas e consequências da violência doméstica e familiar contra mulheres, bem como as possibilidades de rompimento desse comportamento.
No segundo semestre do ano passado, o Programa realizou três ciclos de encontros presenciais com homens autores de violência doméstica. No total, 52 homens participaram dos debates, que iam desde as raízes históricas e consequências sociais e psicológicas da violência contra a mulher aos papéis familiares e estereótipos de gênero. “Esses temas compõem a construção de novos caminhos de intervenção, superando a vítima como único alvo possível de mudança, e leva estes homens a uma reflexão sobre os vínculos familiares e afetivos e a violência presente em suas relações, para além das práticas punitivas, sem perder o foco da responsabilização”, explica a assistente social.
Mudança de concepções
Temas assim também são abordados nos encontros do “Projeto Reeducar - Grupo de Reflexão para Autores de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher”, realizado em Cornélio Procópio. Em atividade desde 2019, o projeto é realizado pela DPE-PR e o Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR) e já atendeu cerca de 80 homens. A realização do projeto por parte da DPE-PR é feita pelos psicólogos Francisco da Silva Reis Filho e Luã Carlos Valle Dantas e pela assistente social Hellen Maysa Piva.
De acordo com o projeto, “esclarecer e auxiliar na mudança de concepções do autor de violência doméstica protege diversas futuras e potenciais vítimas, e não só aquela vítima imediata, mas também as famílias, tanto da vítima, como do agressor, bem como a sociedade de modo geral”. Apesar de a proposta ser positiva, em 2022, de um grupo de cinco homens, somente três participaram de todos os encontros. A evasão pode parecer pequena, mas, muitas vezes, diz muito sobre o sentimento das pessoas que participam destas conversas. Na avaliação do psicólogo Luã Dantas, o grupo realiza um grande movimento de desconstrução e reconstrução de crenças, o que, para alguns indivíduos, é difícil de suportar.
“Esses homens cresceram e são frutos de uma cultura em que a masculinidade era privilegiada, logo, observo que para essas pessoas o processo de reconhecer e abrir mão de privilégios é bastante complexo e até mesmo doloroso. É muito sofrido reconhecer uma realidade onde ele não é a pessoa que domina, onde o mundo não foi feito para ele. Trata-se de uma mudança muito grande naquilo que eles concebem e enxergam como verdadeiro”.
A evasão também ocorre em outros grupos, como o que teve início agora em 2023 na cidade de Guaratuba, no litoral do estado. Realizado em parceria com o Tribunal de Justiça do Paraná, o projeto tem como coordenadoras pela DPE-PR a assistente social Cláudia Regina Marin e as assessoras jurídicas Aldenise Costa de Carvalho e Ronilda Lucena Delgado. Para os encontros, elas usam como referência metodológica os Guias Prático e Teórico elaborados pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (CEVID/TJPR), que são orientações sobre como abordar o tema por meio de uma perspectiva de gênero. No primeiro ciclo de encontros do projeto, realizado entre janeiro e fevereiro deste ano, foram debatidos temas como Lei Maria da Penha, uso abusivo de álcool e conceitos e consequências da violência. Dos cinco homens que começaram o ciclo, quatro participaram de todos os encontros.
José, de 67 anos, foi um dos que participou de todos os debates. Para ele, a experiência foi positiva. “Tá esclarecendo muitas dúvidas que eu tinha em relação à Lei da Maria da Penha, por exemplo. [A palestra sobre] as consequências do uso do álcool, achei fantástica. E os encontros são num ambiente bem descontraído. Eu acho que se aprende muito aqui dentro. Pena das pessoas que não participaram, simplesmente perderam”, avaliou.
Possibilidades de reflexão
De acordo com a assistente social Cláudia Regina Marin, os participantes do grupo se mostram resistentes no primeiro encontro, pois muitos não se reconhecem como autores de violência doméstica e chegam até a apresentar argumentos e justificativas para não participarem do grupo, mas acabam convencidos pela curiosidade, pela vontade de aprender e pela oportunidade de tirar dúvidas. “Percebi em todos que se inscreveram e aceitaram participar que a motivação maior é o interesse pelos temas trabalhados. No decorrer dos encontros, fazem perguntas, participam das discussões propostas pelos facilitadores e, nas avaliações aplicadas ao final do trabalho de cada facilitador, notamos feedbacks positivos e elogios à nossa iniciativa. Eles saem dos encontros com informações que os fazem refletir sobre as suas atitudes e comportamentos”.
Essa é a mesma percepção da assistente social Thaís Barbosa de Melo, que atua no projeto de São José dos Pinhais. Para ela, o ciclo de encontros é um caminho a ser percorrido e, nesse processo, esses homens passam a expor experiências individuais, relações familiares e percepções sobre os temas. “Os participantes inicialmente mostram-se resistentes à participação, negando os fatos. Contudo, toda a fundamentação teórica é pensada para que gradativamente essa postura seja permeada de possibilidades de reflexão. Ao final, é possível notar mudanças, já que muitos homens se mostram mais permeáveis às ideias, manifestando-se com mais autoconsciência e compreendendo melhor os aspectos legais, culturais e sociais da responsabilização”.
Grupos estão previstos em lei
Os grupos de reflexão para homens autores de violência doméstica e familiar contra a mulher estão previstos na Lei Maria da Penha (Lei n.° 11.340 de 2006), já que o objetivo da legislação é gerar uma intervenção não apenas na vida da mulher, mas também na de quem pratica a violência, a fim de erradicá-la. Ainda, desde 2020, quando o artigo 22 da Lei Maria da Penha foi alterado pela Lei 13.984, uma das medidas protetivas de urgência que a Justiça pode aplicar a quem comete violência contra mulheres é o comparecimento a programas de recuperação e reeducação e acompanhamento psicossocial por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
Em março de 2020, o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) da DPE-PR, em conjunto com a CEVID/TJPR, elaborou uma Nota Técnica sobre o Projeto de Lei Estadual 776/2019 que propunha a criação de grupos de reflexão para homens autores de violência doméstica no estado do Paraná. O PL foi aprovado e a Nota Técnica foi levada em consideração pelos(as) deputados(as), que aceitaram as mudanças propostas pela DPE-PR e pelo TJPR e as inseriram no texto final que foi aprovado e sancionado. Confira a NT aqui.
Parcerias
Em São José dos Pinhais, também integram o “Programa Daqui Pra Frente” o Tribunal de Justiça (TJPR), o Ministério Público (MPPR), o Conselho da Comunidade de Execuções Penais e as Secretarias de Segurança Pública, de Assistência Social e de Saúde do município. Em Cornélio Procópio, o projeto “Grupo Reeducar” tem o apoio do Conselho da Comunidade, Poder Judiciário, Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Secretaria Municipal da Mulher e Secretaria Municipal da Saúde de Cornélio Procópio.