Conheça a atuação da Defensoria do Paraná nos Centros de Socioeducação (CENSEs) do estado 09/02/2024 - 11:25

O artigo 227 da Constituição Federal estabelece que garantir os direitos de crianças, adolescentes e jovens é prioridade absoluta da família, da sociedade e do Estado. Por esse motivo, atender a área da Infância e Juventude é uma das prioridades da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) e uma dessas atuações se dá nos Centros de Socioeducação (CENSE) do Paraná, locais em que adolescentes acusados(as) de praticar ato infracional cumprem medidas socioeducativas.

Diferente do que acontece com as pessoas maiores de 18 anos, que quando cometem crimes cumprem pena em unidades prisionais, o(a) adolescente que pratica um ato infracional cumpre medida socioeducativa em um centro de socioeducação (CENSE). Isso acontece porque a lei brasileira entende que menores de 18 anos são “penalmente inimputáveis” (artigo 27 do Código Penal Brasileiro), ou seja, não são plenamente capazes de entender o caráter ilícito do fato que praticaram. Por esta razão, foi pensado um sistema próprio de responsabilização para esta faixa etária, que vai de 12 a 18 anos: a socioeducação. “A medida socioeducativa possui uma natureza pedagógica e deve ser voltada e adaptada às necessidades dos adolescentes enquanto pessoas em desenvolvimento. Nos CENSEs devem ser ofertadas atividades culturais, de ensino, lazer e profissionalização, para que eles tenham acesso aos direitos inerentes à população de sua faixa etária durante o cumprimento da medida socioeducativa”, explica o defensor público coordenador do Núcleo da Infância e Juventude (NUDIJ), Fernando Redede.

É neste contexto que a Defensoria Pública acompanha os(as) adolescentes durante o cumprimento da medida socioeducativa e busca assegurar que seus direitos sejam observados. “Nossa atuação dentro desses espaços se mostra fundamental, pois, através do contato direto da instituição com os adolescentes, é possível conferir efetividade ao direito ao acesso à justiça”, avalia o defensor.

Dentro dos CENSEs, a DPE-PR realiza o acompanhamento da execução da medida socioeducativa de cada um(a) dos(as) adolescentes. Nos atendimentos, o(a) adolescente recebe informações sobre a situação de seu processo, pode esclarecer dúvidas jurídicas e obter orientações sobre o cumprimento da medida socioeducativa. Outros atendimentos rotineiros também são feitos para acompanhar as atividades realizadas nas unidades e garantir que os direitos sejam respeitados. Estes contatos da Defensoria com os(as) adolescentes – e também com seus familiares – é feito por telefone ou presencialmente, nas sedes da Defensoria e nos próprios CENSEs, onde, durante as visitas, as equipes também avaliam se a estrutura do local e os serviços ofertados são adequados para que os(as) adolescentes possam cumprir suas medidas socioeducativas, como o acesso ao atendimento na área de saúde, alimentação, contato com familiares e a qualidade das instalações físicas dos alojamentos, como pintura, iluminação, camas e chuveiros. É papel da DPE-PR promover todos os direitos do(a) adolescente durante o período em que ele(a) estiver internado(a) em um CENSE. Além dos já citados, a assistência religiosa, a disponibilização de roupas e materiais de higiene, o acesso à escolarização e profissionalização e a atividades culturais, esportivas e de lazer, dentre outros, são direitos que precisam ser observados.

Todo este trabalho é feito em conjunto com as equipes técnicas da DPE-PR, formadas por profissionais de Psicologia e de Serviço Social, que realizam o atendimento dos(as) adolescentes em questões que não são da área jurídica, fazem a escuta especializada em casos de violência ocorrida dentro dos Centros de Socioeducação e assessoram os(as) defensores(as) no estudo e análise de documentos processuais, especialmente o Plano Individual de Atendimento (PIA).

“O PIA é o instrumento de orientação e gestão do trabalho a ser desenvolvido com o adolescente e sua família”, explica a psicóloga Lethicia Gaidarji Silva, que atua junto ao NUDIJ. “Trata-se de um documento que deve ser construído em conjunto com o adolescente e sua família, então analisamos se ele foi feito da forma adequada, respeitando as orientações legais e técnicas: se constam as informações necessárias para garantir a efetividade da medida, se as necessidades do adolescente e seus objetivos são considerados e se ele próprio e sua família participaram da construção do documento”.

Além das visitas regulares, anualmente a DPE-PR realiza inspeções nos Centros de Socioeducação em que atua. Com a participação de defensores(as) e profissionais da equipe técnica, nestas inspeções são registradas informações sobre a estrutura administrativa e física da unidade e realizadas entrevistas com a direção, as equipes técnica e de saúde da unidade e com os(as) adolescentes, conforme estabelece a Deliberação 012/2022 do Conselho Superior da DPE-PR

“As inspeções são uma forma de aproximar a equipe da Defensoria Pública do trabalho nas unidades e identificar as condições do atendimento socioeducativo no estado ao longo do tempo, permitindo monitorar avanços e agir frente às dificuldades enfrentadas. Também é uma oportunidade para verificar violações de direitos que atingem a coletividade de adolescentes dentro desses espaços e buscar soluções para eventuais inadequações”, explica a psicóloga.

Dos 19 CENSEs espalhados pelo estado, a Defensoria atua em 14 unidades, nas cidades de Campo Mourão, Cascavel (duas unidades), Curitiba (duas unidades), Foz do Iguaçu, Londrina (duas unidades), Maringá, Paranavaí, Pato Branco, Ponta Grossa, Piraquara e São José dos Pinhais. Os demais CENSEs estão localizados em Fazenda Rio Grande, Laranjeiras do Sul, Santo Antônio da Platina e Toledo (duas unidades), cidades que ainda não contam com atendimento da DPE-PR. Nestes locais, o Estado nomeia advogados dativos para realizar o acompanhamento dos(as) adolescentes. 

 

Atuação da DPE-PR em Foz do Iguaçu

Na fronteira mais movimentada do Brasil, os desafios são grandes para a área da Infância e Juventude Infracional. De acordo com a defensora pública Thereza Rayana Klauck Campos Chagas, que atua nesta área na sede da DPE-PR em Foz do Iguaçu, o baixo controle de circulação entre Brasil e Paraguai favorece a inicialização de crianças e adolescentes no trabalho infantil, já que, na maioria dos casos, a renda de suas famílias vem de atividades informais que são típicas ou quase exclusivas desta região fronteiriça.

“Surge então um ambiente propício para a captação de adolescente e jovens para atuarem como ‘mulas’ em atividades ligadas ao tráfico de drogas e contrabando. As famílias da região sofrem com a precariedade econômica, que, muitas vezes, é fortalecida pela ausência ou escassez de postos formais de trabalho”, avalia a defensora.

Outro aspecto observado na região é a facilidade para se obter substâncias ilícitas, o que, para jovens que ainda estão na fase de descobertas, pode ser um atrativo para o consumo e para o tráfico, realidade que, para ela, ainda necessita de melhor compreensão pelos atores jurídicos e pela rede de assistência social.

“Há ainda muita dificuldade em diferenciar os casos em que o adolescente faz a aquisição por pura curiosidade, para experimentação – os chamados usuários –, daqueles casos em que há efetiva prática do que seria um ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas”, explica a defensora pública.

Na defesa desses(as) adolescentes, o papel da Defensoria é o de garantir que o cumprimento daquela medida se dê de forma adequada, com a garantia de todos os direitos previstos em lei. Para isso, muitas vezes é necessário atuar junto às equipes técnicas das unidades socioeducativas para auxiliar na superação das vulnerabilidades dos familiares, de modo a garantir a reinserção social bem-sucedida do adolescente. A defensora destaca, ainda, o trabalho conjunto com a rede de proteção, como o encaminhamento da família a programas sociais, auxílio para a obtenção de documentação, acesso à saúde, à escola e a demais políticas públicas que tragam dignidade para as famílias.

Os desafios na área, porém, ainda são muitos, especialmente em relação à realidade que estes(as) jovens encontrarão após o cumprimento das medidas. Um exemplo é a necessidade de inseri-los(as) no mercado de trabalho. No ano passado, a DPE-PR em Foz do Iguaçu ingressou com uma ação civil pública para que o Estado do Paraná oferte cursos profissionalizantes a adolescentes que cumprem medida socioeducativa no CENSE do município. Na ação, a Defensoria demonstrou que a contratação de instituição para ofertar cursos profissionalizantes estava em processo licitatório há quase um ano, sem perspectiva de finalização, e defendeu que a ausência de tais cursos “manifesta violação do direitos desses [adolescentes] e que a medida se revista de caráter educativo e preparatório para o retorno ao convívio social, não mero instrumento de expiação de culpa”. 

No último dia 26 de janeiro, a Justiça acatou o pedido da DPE-PR. Em sua decisão, a juíza destacou o artigo 227 da Constituição Federal e os artigos 60 a 69 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como exemplos de leis que, entre outras, garantem ao adolescente o direito à profissionalização. A ausência de cursos profissionalizantes nos CENSEs do estado é um problema que a Defensoria vem acompanhando há alguns anos, dado o seu impacto na vida desses(as) adolescentes.

"A decisão obtida na ação coletiva constitui uma vitória importante não apenas para os adolescentes e seus familiares, mas para toda a comunidade local, pois é de interesse geral que ao final da medida socioeducativa esses jovens deixem o CENSE em condições efetivas para a reintegração social. Para isso, é imprescindível que eles tenham acesso à qualificação adequada que os permita disputar em condições justas um espaço no mercado de trabalho do território onde estão inseridos, contexto em que a profissionalização funciona como um pontapé inicial para um recomeço que tem tudo para se transformar num futuro promissor", conclui a defensora pública.