Trabalho multidisciplinar da DPE-PR em Francisco Beltrão evita destituição do poder familiar da mãe de três crianças 27/05/2022 - 08:52

A Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) em Francisco Beltrão conseguiu impedir na Justiça a destituição do poder familiar para a mãe de três crianças que estavam acolhidas desde 2018. Atualmente, elas têm idades de sete, 10 e 12 anos. A mulher tem mais um filho adolescente, que continuava vivendo com ela.
O Ministério Público havia denunciado a mulher por abandono dos filhos em razão de suposta ausência de higiene pessoal e alimentação adequada para as crianças, residência supostamente suja e desorganizada e denúncias de agressões físicas e psicológicas.
Durante estes anos, a família foi acompanhada pela rede de proteção municipal, através de órgãos como o Conselho Tutelar, Unidade de Saúde e serviços de assistência social, como o Serviço Auxiliar da Infância e da Juventude (SAIJ). As crianças foram acolhidas por famílias dentro do projeto Família Acolhedora, depois de terem estado com a avó paterna, uma senhora idosa que precisava de tratamentos médicos e que, durante a pandemia de Covid-19, não pôde continuar cuidando dos netos por não ter com quem deixá-los para ir às consultas médicas. As crianças chegaram a ficar separadas e algumas trocaram de família mais de três vezes ao longo destes anos.
“O pai das crianças estava em outro relacionamento, já tinha uma filha e estava esperando outro filho. Ele dizia não ter condições, nem a esposa dele queria. As madrinhas das crianças também não quiseram acolher. Uma tia da mãe delas, que residia em local próximo, não tinha condições. Existe uma outra tia, que reside em São Paulo, com mais condições. Mas esta, além de não querer [ficar com a guarda], as próprias filhas também não queriam que ela se envolvesse. Então, dos parentes mais próximos, nenhum poderia ou queria ajudar”, explica o psicólogo da DPE-PR João Howeler, que atuou no caso.
O atendimento multidisciplinar e a atuação da rede de proteção tiveram papel fundamental no sucesso da ação. Segundo o psicólogo, a mãe das crianças vivenciou muita violência e tinha alguns comportamentos considerados agressivos. Ela foi abandonada pela mãe, sofreu agressões de um primeiro companheiro e, em um segundo relacionamento abusivo, foi novamente agredida.
“Basicamente, ela não teve na vida alguém que a orientasse sobre suas emoções, e ela precisou, de alguma forma, lidar com o que acontecia com ela, precisava se defender”, explica o psicólogo. Esse comportamento acabou por afastar a mulher dos familiares, que não quiseram se envolver no caso e assumir os cuidados das crianças. “Esse foi um dos pontos do trabalho: melhorar a forma de comunicação dela, o que foi uma mudança gigantesca. Hoje ela tem menos comportamentos de fúria e sabe expressar melhor o que quer”.
Por conta de tudo isso, o trabalho da Defensoria foi realizado em duas frentes: processualmente, para evitar na Justiça a destituição de poder familiar, e com a rede de proteção, pensando em questões que eram importantes que a usuária da DPE-PR desenvolvesse para poder voltar a estar com os filhos, o que, para o psicólogo, foi a parte mais difícil.
“Era um processo de longa data, com poucas informações positivas da assistida, devido a um passado complicado, de fato, mas em que não haviam se extinguido as possibilidades de atuação. Existia um novo contexto que a assistida vivenciava”.
Um dos pontos da defesa foi este: a nova vida que a mãe das crianças estava construindo. Na ação, a Defensoria reforçou que a equipe do SAIJ que acompanhou a mulher percebeu uma série de avanços em sua conduta, como melhorias em sua casa, obtenção de auxílio para cuidar das crianças quando estiver trabalhando, manifestação de desejo de residir em um bairro que tivesse estrutura de escola mais próxima, para que as crianças tenham uma educação de qualidade sem que ela precise se deslocar para o bairro vizinho, e autonomia financeira, uma vez que ela está trabalhando fazendo faxinas em residências de famílias. “Dessa forma, é possível perceber que houve uma reestruturação em todos os campos de sua vida para que pudesse receber os filhos e oferecer o melhor para sua família”, defendeu a DPE-PR.
Outro ponto que a Defensoria destacou na ação foi que, durante o processo judicial, as crianças não foram ouvidas pela equipe técnica ou pelo Poder Judiciário sobre a mudança definitiva de família, o que viola o disposto no Estatuto da Infância e Juventude. Um relatório produzido pela equipe do SAIJ, anexado ao processo, anotou que as crianças manifestaram sentir falta da mãe e não relataram abusos ou maus tratos.
Por unanimidade de votos, os Desembargadores da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná acolheram o recurso da Defensoria Pública. No acórdão, o juiz relator defendeu que "Não se ignora que o núcleo familiar em questão está em situação de grave vulnerabilidade social. Entretanto, a pobreza, por si só, não é fundamento suficiente para que se imponha a separação definitiva entre mãe e filhos".
A decisão também reforça a necessidade de se manter o acompanhamento da família pela rede de proteção do município, através de visitas trimestrais para verificar as condições de moradia, saúde, higiene e educação das crianças.
Para o Defensor Público Renato Martins de Albuquerque, que atuou no caso, a área da Infância e Juventude é uma das mais multidisciplinares do Direito e necessita ser vista por um olhar plural que englobe outros ramos do saber como atores principais, como a assistência social e a psicologia, por exemplo.
“Esse olhar, além de plural, tem que ser perene, expandido, contínuo, assim como é a história de toda criança e de cada um de nós. Assim como na vida, no processo de desacolhimento haverá vitórias, derrotas, idas e vindas, e é imperioso que toda a Rede de Proteção, inclusive a Defensoria Pública, atue e tenha essa consciência de que a atuação não se finda com o fim formal do processo e a entrega da(s) criança(s)/adolescente(s) à família natural ou extensa, mas que, nesse momento, [a atuação] inicia-se novamente, e exige ainda mais dedicação de todos e todas”, avalia o defensor.