Trabalho da Defensoria Pública do Paraná ajuda a combater a desinformação sobre direitos dentro das unidades penais 16/01/2023 - 13:36
O combate à desinformação tem sido um grande desafio em nossa sociedade. Nas unidades penais não é diferente. Em dezembro de 2022, o projeto “Ciclo de Conversas no Cárcere”, realizado por assessoras(es) de Execução Penal da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) em unidades penais de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, levou informação e esclarecimentos à população carcerária. Os mitos dentro do sistema carcerário são muitos, e a Defensoria tem ajudado a acabar com muitos deles.
A desinformação ocorre em diversos temas da Execução Penal e pode vir de vários lugares, como informações trazidas por parentes e familiares, casos famosos que são divulgados na mídia e, especialmente, na conversa entre as pessoas privadas de liberdade.
De acordo com a assessora de Execução Penal Polianna Taques, que atende pessoas privadas de liberdade nas Casas de Custódia de Curitiba (CCC) e de São José dos Pinhais (CCSJP), existe uma dificuldade entre muitas dessas pessoas de entender que cada processo de execução é individual. Muitas vezes elas chegam com exemplos de outros casos semelhantes aos delas em que a pessoa conseguiu certo benefício, e querem obtê-lo também. “Por exemplo, duas pessoas são condenadas pelo mesmo roubo: a pena de uma delas pode ser maior que a da outra. São vários fatores que a Justiça vai analisar: reincidência, confissão, se menor de 21 anos na data do fato etc. É tudo individual, mas elas sempre têm essa dúvida: ‘Ah, mas meu colega já saiu ou conseguiu tal benefício’, mas você vai ver e o processo desse colega é totalmente diferente”.
Outro fator que dificulta a compreensão entre as pessoas privadas de liberdade é a diferença entre os processos criminais e o processo de Execução Penal, que é único. “Em geral, a Execução Penal começa com a condenação definitiva, onde não caberia mais recurso, com o trânsito em julgado. Há também casos de execução provisória da pena, quando o juízo criminal determina, na sentença condenatória, a manutenção da prisão preventiva. Nesse caso, o apenado terá um processo de execução provisório gerado enquanto aguarda preso o resultado definitivo da sua condenação. O processo de Execução Penal, portanto, nada mais é que o somatório de todas as condenações criminais do apenado. Um novo número é criado e o processo de execução passa a ser atribuição do juízo de execução penal”, explica a assessora.
Assim, diferentemente do que muitas pessoas privadas de liberdade possam pensar, no caso da execução penal definitiva, não é mais possível recorrer nos processos criminais. “Nosso trabalho no setor de Execução Penal é, em grande parte, auxiliar e fiscalizar o cumprimento de pena, sempre em favor do apenado. Isto é, explicamos seus direitos, como progressão de regime e remição de pena, por exemplo; verificamos se há algum erro nos dados e cálculos da execução – o que, infelizmente, é muito comum –, analisamos a possibilidade de eventuais pedidos que não foram realizados anteriormente ou de alterações na lei que possam beneficiar nossos assistidos. No caso de condenação definitiva, essas são as possibilidades dentro da Execução Penal".
As condenações por tráfico de drogas também geram diversos mitos. Um deles é sobre a redução da pena no que ficou conhecido como "tráfico privilegiado", que se refere ao artigo 33, inciso 4º da Lei n.º 11.343/2006. De acordo com o assessor de Execução Penal Jean Paulo Soranzo, que atua na Penitenciária Estadual de Londrina II, muitas pessoas privadas de liberdade acreditam que qualquer pessoa que seja ré primária nesse crime poderá progredir de regime depois de ter cumprido um sexto da pena, mas não é bem isso o que diz a lei. “Sempre explico para eles que se a pena pelo crime de tráfico for de cinco anos ou mais, o tempo de cumprimento é de dois quintos para a progressão. Se a pena for menor do que cinco anos, aí se aplica a regra de um sexto”, explica o assessor.
O cumprimento da pena também é uma tema bastante complexo e que gera muitos desentendimentos. O assessor também destaca o mito de que uma falta grave cometida durante esse cumprimento acarreta a perda de toda a remição que a pessoa privada de liberdade já conquistou, seja por meio de trabalho ou estudo. “Não é verdade, pois ela pode perder, no mínimo, um dia e, no máximo, um terço do que já conseguiu de remição”.
O chamado alvará em termos, que é quando a pessoa recebe um alvará de soltura por um crime enquanto está cumprindo pena por outro crime, também causa confusões. “Eles dizem que, quando recebem um alvará desses, não podem assinar, porque se não ‘a cadeia começa a contar do zero’. Mas não é assim. Eu explico que o alvará em termos significa que essa pessoa não poderá ser solta, porque existe outro mandado de prisão vigente para ela. Por outro lado, existem aqueles que acham que se receberem qualquer tipo de alvará, como o alvará em termos, vão ser colocados em liberdade, e também não é assim”, completa Soranzo.
Um mito que também circula nas unidades penais soa até contraditório: a ideia de que o chamado “Pacote Anticrime” ajudou muita gente que está privada de liberdade. Sancionada em 2019, a Lei n.º 13.964, que é conhecida por esse nome, alterou dispositivos de leis como os Códigos Penal e de Processo Penal e a Lei de Execução Penal. Embora seu objetivo seja “aperfeiçoar” a legislação penal e processual penal, na prática, ela endureceu a punição a essas pessoas e dificultou ainda mais a saída delas das prisões.
Tema pouco conhecido
Para a assessora Poliana Taques, faltam conhecimento e interesse por parte da sociedade sobre temas da área da Execução Penal - inclusive por parte de pessoas que são da área do Direito. “É uma área muito delicada, que exige aprofundamento e estudo. Temos que estar sempre ligados nas leis que, se modificadas, podem beneficiar essas pessoas. A Defensoria Pública está sempre atrás de novas teses [de defesa], e todos os pedidos são feitos com base jurídica. A gente sempre procura fazer um pedido com jurisprudência, com teoria. Tudo com base, porque isso vai dar mais chances de o pedido ser definido pelo juízo”, explica Taques. Para ela, no trabalho dentro das unidades penais é preciso acolher essas incompreensões, mas sempre do lado da verdade. “O nosso trabalho é tentar repassar a informação da forma mais correta e simplificada possível, considerando-se que a esperança para quem já está preso, com condenação definitiva, é muito importante. Mas o nosso trabalho também não dá falsas esperanças”.
Além do projeto “Ciclo de Conversas no Cárcere” (veja abaixo a matéria relacionada), a DPE-PR, por meio do Núcleo da Política Criminal e Execução Penal (NUPEP), deve iniciar em breve o projeto “Execução Penal na Voz da Comunidade”, que possibilitará que pessoas privadas de liberdade e seus familiares falem sobre suas próprias vivências e possam tirar dúvidas sobre temas da Execução Penal e o funcionamento do sistema prisional. Familiares de pessoas privadas de liberdade frequentam encontros em que aprendem conceitos básicos da área com assessores(es) jurídicos(as) da Defensoria. Posteriormente, atuam como multiplicadores(as) de informações entre outras(as) familiares, por meio de conversas presenciais ou em grupo de mensagens, por exemplo.