Saiba mais sobre a oferta de trabalho para pessoas presas 23/08/2022 - 15:21

O trabalho para pessoas presas ou pessoas privadas de liberdade está previsto no Artigo 10 da Lei de Execução Penal (LEP), onde se determina que "a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade". Em outras palavras, o Estado deve prover meios para que as pessoas privadas de liberdade estejam aptas para voltar a viver em sociedade, e assim evitar a reincidência no crime após o cumprimento da sentença. Um dos meios para isso é o trabalho. 

De acordo com o Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o trabalho é um direito de todo ser humano. Ele promove a dignidade e tem a finalidade, conforme a LEP, de educar, fazer com que a pessoa tenha uma vida produtiva e, futuramente, seja reinserida na sociedade e no mercado de trabalho, após o cumprimento da pena. Além disso, a ocupação ajuda a promover a saúde mental dessas pessoas. 

"Freud afirma que o trabalho nos dá um lugar no tecido social, pois [trabalhar] transcende a necessidade de sobrevivência, fazendo de nós agentes transformadores da sociedade na qual estamos inseridos", comenta Mariana Levoratto, psicóloga da DPE-PR. "A possibilidade de manter-se ocupado e de ser e se sentir útil pela via do trabalho, com toda a certeza, pode auxiliar em diversas questões de sofrimento mental".

Remuneração – A regulamentação do trabalho das pessoas privadas de liberdade não segue as normas da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), mas é regulamentada pela própria Lei de Execução Penal. A pessoa presa tem direito e dever de exercer atividade laboral, e não pode trabalhar menos de seis horas diárias e mais do que oito, com descanso nos domingos e feriados. Ela também tem direito a uma remuneração, não sendo permitido receber valores menores do que ¾ (três quartos) do salário mínimo nacional. 

Por outro lado, nem sempre todo o valor é destinado à pessoa presa, já que essa remuneração tem como finalidade indenizar a vítima pelos danos causados pelo crime, bem como prestar assistência à família da pessoa presa e ressarcir o Estado pelas despesas do encarceramento. O ‘salário’ também serve para custear pequenas despesas pessoais da pessoa presa, e pode ser depositado em uma conta-poupança que será entregue à(o) detenta(o) após o cumprimento da pena. Entretanto, algumas atividades, como o artesanato (na maioria dos casos) e serviços comunitários, não são remuneradas. 

Modalidades de trabalho – As atividades desempenhadas vão desde manutenção e limpeza das celas e da unidade penal até trabalhos em parceria com empresas privadas, que podem promover o treinamento dessas pessoas, apesar de a capacitação das e dos detentos não ser prevista na lei. Neste caso, o trabalho para instituições parceiras depende, segundo a LEP, do consentimento da pessoa presa – e o treinamento obtido pode ser utilizado para que a pessoa, após cumprir a pena, possa utilizá-lo para obter trabalho na mesma área.

Os presos em regime fechado não realizam trabalhos externos, devido à necessidade de escolta policial, o que inviabiliza a prática. Já os detentos(as) que foram condenados(as) por crimes sexuais ficam separados(as) dos demais, o que não interfere na distribuição de trabalho, que é feita pela administração penitenciária. 

Dificuldades – Contudo, não são todas as pessoas privadas de liberdade que conseguem ou podem trabalhar. Apesar da previsão legal, a estrutura das penitenciárias não possibilita que todos e todas exerçam alguma função. 

"Teoricamente, o trabalho é um direito e um dever da pessoa condenada, mas, infelizmente, não é oferecido a todas por falta de estrutura. Algumas unidades prisionais oferecem mais postos de trabalho do que outras. As unidades de progressão e as de regime semiaberto têm oferta bem superior às demais", comenta o Defensor Público Henrique Camargo Cardoso, que atua no Setor de Execução Penal de Curitiba. 

 Além disso, há a determinação de que somente pessoas já condenadas estão sujeitas ao trabalho, com a possibilidade de remição de pena, ou seja, presos e presas provisórias não são obrigadas a trabalhar.

"O que ocorre é que a cada três dias de trabalho é adicionado um dia como pena cumprida, o que não se confunde com 'redução de pena'.  A pena continua a mesma, o que ocorre é que terá mais tempo de pena cumprido," esclarece Cardoso.

Entretanto, Henrique conta sobre um caso em que atuou, no qual um usuário da DPE-PR havia trabalhado horas a mais do que o previsto na lei. A pessoa privada de liberdade trabalhou, entre os dias 16 de março de 2022 até 23 de junho de 2022, de segunda a sábado, das 8h15 às 18h, o que corresponde a quase duas horas além do período de oito horas diárias previsto na LEP - aproximadamente 675 horas a mais. A juíza responsável pelo caso deferiu o pedido de consideração das horas-extras para a remição, o que contabilizou mais 84 dias trabalhados, implicando em 28 dias de pena cumprida.  O pedido do defensor foi realizado em julho, e a decisão foi expedida no dia 4 de agosto deste ano. 

O pedido da Defensoria gerou um entendimento inédito, sendo o primeiro caso em que a DPE-PR solicitou para uma pessoa em situação de cárcere o direito assegurado do exercício legal do trabalho para esse público. 

O caso mencionado pelo defensor público foi uma tese desenvolvida pela estagiário de graduação Alisson Lima. É o que explica o defensor.

“O trabalho é um direito e um dever dos presos. Infelizmente, não é ofertado a todos. Uma forma de recompensar o preso pelo trabalho é a remição de pena: a cada 3 dias de trabalho, um dia de pena a mais é considerado como cumprido. O que nós conseguimos, por meio de uma tese desenvolvida pelo estagiário de graduação Alisson Lima, é que as horas extras também fossem incluídas nesse cálculo. Toda hora que passava das 8 horas da jornada de trabalho regular foi considerada no cálculo. Exemplo: se a pessoa privada de liberdade trabalha 9 horas por dia, a cada 8 dias tem mais 8 horas, o que corresponde a um dia a mais de trabalho", explica. 

Mulheres – Nas unidades penais femininas, as atividades disponíveis são basicamente as mesmas, assim como a remuneração. Gestantes, no entanto, como são transferidas para o Complexo Médico Penal (CMP), não trabalham. O defensor público Guilherme Daquer, que atua no Setor de Execução Penal de Curitiba, diz que, "como [as normas do trabalho] não seguem a CLT, o Estado não teria como pagar uma licença-maternidade para as gestantes".

A Defensoria Pública do Estado do Paraná, por meio dos setores de Execução Penal e do Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP), atua para garantir os direitos da população carcerária, seja durante a prisão provisória, seja durante o cumprimento da pena. 

 

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