STJ reconhece tese defendida pela DPE-PR em casos de tráfico privilegiado 19/08/2022 - 10:45

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu nesta semana, em decisão da Terceira Seção, que o uso de inquéritos e ações penais em andamento para impedir a aplicação da redução de pena e configurar o chamado tráfico privilegiado está vedado. 

Essa modalidade está prevista na lei de Drogas e é usada para reduzir a pena de pessoas que são rés primárias, não participam de organizações criminosas e que possuem bons antecedentes criminais A decisão do STJ aconteceu no contexto do julgamento de recursos especiais repetitivos, quando alguns casos representativos de uma controvérsia são escolhidos para serem julgados, e cuja decisão irá ser aplicada aos demais que apresentam a mesma demanda.

Um dos casos escolhidos para serem julgados pelo Tribunal é oriundo de Apucarana, no norte do estado. O réu foi defendido pela Defensoria Pública do Paraná (DPE-PR) desde o início do caso.

“Normalmente, nesses casos, a pena era fixada em cinco anos de reclusão, com regime inicial no semiaberto, e não havia a possibilidade de substituição [da pena privativa de liberdade] pela pena restritiva de direitos. Mas agora, a aplicação do tráfico privilegiado [ao caso] possibilitará que a pena possa ser de 1 ano e 8 meses, com regime inicial no aberto e também podendo ser substituída por uma pena restritiva de direitos”, explica o defensor público Mauricio Faria Junior, que atuou no caso durante o julgamento do recurso no STJ.  

De acordo com texto publicado no site do STJ, a Seção considerou que, enquanto não houver trânsito em julgado de sentença penal condenatória, eventuais ações contra o réu ou ré não podem ser levadas em conta para impedir a redução da pena pelo tráfico privilegiado. De acordo com a Lei de Drogas, as penas previstas no parágrafo 1º do artigo 33 podem ser reduzidas de um sexto a dois terços caso o agente seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique a atividades delitivas nem integre organização criminosa.

A relatora do caso, ministra Laurita Vaz, apontou que é preciso um conjunto probatório mais rigoroso do que aquele necessário para as medidas cautelares. A ministra, segundo o STJ, ressaltou que, nos termos do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, a afirmação definitiva de que um fato criminoso ocorreu e é imputável a um autor só é possível quando houver trânsito em julgado da sentença condenatória.

Em seu voto, Laurita Vaz comentou que, se há a necessidade de invocar inquéritos e ações penais em curso na tentativa de demonstrar a dedicação criminosa – e, assim, afastar o tráfico privilegiado –, "é porque os demais elementos de prova são insuficientes, sendo necessário formular a ilação [feita pela acusação] de que o acusado 'não é tão inocente assim', o que não se admite em nosso ordenamento jurídico".

O caso do Paraná

O usuário da Defensoria Pública foi denunciado por tráfico de drogas em julho de 2019, na cidade de Apucarana. Na época, foi atendido pela defensora pública Maísa Dias Pimenta. Em outubro de 2021, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) entendeu que o réu deveria ser condenado pelo crime de tráfico de drogas e fixou a pena em 5 anos de reclusão, com cumprimento inicial em regime semiaberto. O TJ-PR afastou o reconhecimento do tráfico privilegiado porque havia uma ação penal em andamento contra o réu. 

“No caso de tráfico, há muitos réus que não têm condenação definitiva, mas têm um inquérito ou uma ação penal correndo em que eles não foram absolvidos e nem julgados ainda. O TJ tinha o entendimento de que esse inquérito ou ação penal impedia o reconhecimento de que o réu tinha bons antecedentes, ou seja, deveria impedir o tráfico privilegiado”, comenta o defensor público.   

Com a decisão do TJ-PR em 2021, a Defensoria interpôs Recurso Especial para que o STJ reconhecesse que ações e inquéritos em andamento não podem, por si só, afastar o reconhecimento do tráfico privilegiado. Além do reconhecimento da tese da Defensoria, o STJ reconheceu que este entendimento deve ser aplicado para todos os processos do Brasil sobre o tema.

REsp nº 1977180 / PR (2021/0392131-2)