STJ decide que preso impedido de trabalhar em razão da pandemia tem direito à remição da pena 23/09/2022 - 17:08
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu, em julgamento nesta semana, a remição parcial da pena para presos(as) que não puderam estudar ou trabalhar na pandemia da Covid-19. A decisão coincide com um pleito incansável dos(as) defensores (as) públicos(as) que atuam na área da Execução Penal no estado. Só em 2022, a Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) já atuou em 39.314 atos na área de Execução Penal, uma das áreas com mais demanda dentro da instituição.
A remição de pena é o ato de permitir que a pessoa presa, ao trabalhar ou estudar durante o cumprimento da sanção penal, possa remir (algo como “compensar”) os dias de pena - na proporção de um dia de pena remido a cada três dias de trabalho, ou de um dia de pena remido a cada 12 (doze) horas de frequência escolar.
De acordo com a assessoria de imprensa do STJ, o julgamento trouxe nova interpretação da corte para o artigo 126 da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal – LEP), que trata da remição de pena para quem está no regime fechado ou semiaberto. O tribunal uniformizou a interpretação do artigo 126 no contexto excepcional da pandemia da Covid-19, quando muitas pessoas presas não puderam trabalhar ou estudar e, portanto, não puderam remir a pena que cumpriam.
Ao interpretar a norma, o STJ sempre entendeu que o fato de o Estado não proporcionar ao preso meios para trabalhar ou estudar não era motivo suficiente para reconhecer em seu favor a remição ficta da pena – um entendimento que defende a possibilidade de se garantir a remição aos presos que não puderam trabalhar ou estudar por falta de estrutura, oferta de vagas ou condições impróprias alheias à sua vontade.
Segundo o ministro Ribeiro Dantas, negar aos presos que já trabalhavam ou estudavam antes da pandemia o direito de continuar a descontar sua pena seria "medida injusta", pois eles pertencem à mesma sociedade que, embora tenha sofrido com a crise sanitária, foi compensada com algumas medidas jurídicas.
O precedente qualificado deverá orientar os tribunais de todo o país na solução de casos idênticos. A decisão pode ser aplicada apenas para presos que já trabalhavam ou estudavam antes da pandemia e, em razão dela, não puderam dar continuidade às atividades.
De acordo com o coordenador da DPE-PR em Ponta Grossa, defensor público Júlio Cesar Duailibe Salem Filho, desde o começo do período pandêmico, os defensores e defensoras da área de Execução Penal têm feito pedidos ao juízo da Execução Penal com base na remição ficta, ou seja, aquela remição concedida para quem estava trabalhando ou estudando até o estado, por qualquer motivo, não oferecer mais o serviço.
“Essa decisão é bastante importante porque foi firmada como uma tese em sede de recurso repetitivo. Ou seja, o STJ solidificou o entendimento jurisprudencial. É uma visão que deve ser replicada pelos tribunais e pelos juízes de primeira instância. Em razão disso, vamos insistir nos pedidos que já vínhamos fazendo, agora mostrando que há um posicionamento solidificado pelo STJ a respeito desse assunto”, afirma o defensor.
Na avaliação dele, a decisão do STJ vai gerar um impacto muito importante e positivo no sistema de execução penal. “Na execução penal, temos que ter uma visão de redução de danos. Buscamos reduzir os danos de um sistema prisional maléfico, pernicioso. Nesse aspecto, temos a obrigação, como instituição que visa a assegurar direitos fundamentais, garantir dignidade à pessoa humana e proteger os direitos humanos, a fim de reduzir os danos que ocorrem dentro da execução penal”, destaca Salem Filho.
Para a coordenadora do Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP), defensora pública Andreza Lima de Menezes, a decisão coincide com uma orientação feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no começo da pandemia.
“Essa já era uma posição do CNJ quando lançou as recomendações para os órgãos da Execução Penal no período pandêmico. As vagas escolares e os postos de trabalho aqui no Paraná já eram muito escassos antes da pandemia. Para as Defensorias Públicas, a remição ficta já deveria ter sido reconhecida antes em razão de o Estado exigir que as pessoas condenadas à privação de liberdade trabalhem, e não proporcionar os meios para tanto”, avalia a defensora.
Salem Filho entende da mesma forma. Segundo ele, com a pandemia, houve uma perda e uma redução de oportunidade para os presos e presas em vagas de trabalho e outras atividades. "É um prejuízo grande ainda mais para quem tem uma pena alta e perde a oportunidade de remir a pena por uma situação que está fora do seu poder, como foi no caso dos efeitos da pandemia. Então, houve uma impossibilidade de eles conseguirem meios para reduzir a pena”, comenta.