STF reconhece direito à prisão domiciliar a mães ou grávidas
27/02/2018 - 10:50

Na última semana, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, conceder Habeas Corpus (HC 143641) coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas, em todo o território nacional, que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência, sem prejuízo da aplicação das medidas alternativas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP).
Para o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHU), impetrante do habeas corpus, a prisão preventiva, ao confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, tira delas o acesso a programas de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pós-parto, e ainda priva as crianças de condições adequadas ao seu desenvolvimento, constituindo-se em tratamento desumano, cruel e degradante, que infringe os postulados constitucionais relacionados à individualização da pena, à vedação de penas cruéis e, ainda, ao respeito à integridade física e moral da presa.
Conquista de diversas defensorias do país*
Além do CADHU, o habeas corpus 143.641 contou com o apoio da Defensoria Pública da União de 23 defensorias estudais, além de juízes e juízas das varas criminais estaduais e juízes e juízas federais com competência criminal e organizações como a Pastoral Carcerária, a Associação Brasileira De Saúde Coletiva (ABRASCO) e os Institutos Alana, Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) e Instituto de Defesa do Direito de Defesa - Márcio Thomaz Bastos (IDDD).
A Defensoria do Paraná teve uma participação importante nesta conquista. O defensor público Vitor Eduardo Tavares de Oliveira foi o articulador entre as defensorias estaduais para que elas entrassem no pedido de HC como custos vulnerabilis, ou seja, como guardiã dos vulneráveis (no caso, aqueles que não podem pagar pelo trabalho de um advogado) e também como amicus curiae, isto é, como instituição que auxilia o tribunal com esclarecimentos sobre questões do processo.
De acordo com a defensora pública Camille Vieira da Costa, que foi coordenadora do Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) na época, o Núcleo elaborou dois modelos de petições para que os defensores do Estado do Paraná entrassem com pedidos individuais em suas comarcas em favor das mulheres encarceradas grávidas e/ou com filhos pequenos.
A defensora ainda destaca que poucas defensorias tinham dados sobre essas mulheres e a DPPR acionou o Departamento Penitenciário do Estado o Paraná (DEPEN) e contou com o apoio de alguns colegas da área da Execução Penal para obter esses dados e auxiliar no processo. “Obtivemos alguns dados e decidimos intervir porque era uma ação que beneficiaria todas as mulheres grávidas e com filhos pequenos também do Paraná e para somar forças, porque, a partir do momento que várias pessoas ingressassem, mais força teria esse HC”, relembra a defensora. “Eu entendo que quando a gente ingressa em um processo como esse, a Defensoria está emprestando a sua institucionalidade para a causa. Eu acredito que a grande repercussão, o peso dessa medida que foi tomada, foi potencializada pelo ingresso das defensorias”, avaliou.
Cabimento do HC coletivo
Inicialmente, os ministros da Segunda Turma discutiram o cabimento do HC coletivo. Para o relator, ministro Ricardo Lewandowski, o habeas corpus, como foi apresentado, na dimensão coletiva, é cabível. Segundo ele, trata-se da única solução viável para garantir acesso à Justiça de grupos sociais mais vulneráveis. De acordo com o ministro, o habeas corpus coletivo deve ser aceito, principalmente, porque tem por objetivo salvaguardar um dos mais preciosos bens do ser humano, que é a liberdade. Ele lembrou ainda que, na sociedade contemporânea, muitos abusos assumem caráter coletivo.
Mérito
Quanto ao mérito do habeas corpus, o relator ressaltou que a situação degradante dos presídios brasileiros já foi discutida pelo STF no julgamento da medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347. Nesse ponto, lembrou o entendimento jurídico segundo o qual fatos notórios independem de provas.
A pergunta em debate reside em saber se há, de fato, deficiência estrutural no sistema prisional que faça com que mães e crianças estejam experimentando situação degradantes, privadas de cuidados médicos. E a resposta, de acordo com o relator, é afirmativa. Ele citou novamente o julgamento da ADPF 347, quando o STF reconheceu o estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro.
O relator citou dados do Infopen (Levantamento de Informações Penitenciárias) que demonstram que as mulheres presas passam por situações de privação. Para o ministro, é preciso tornar concreto o que a Constituição Federal determina, como o disposto no artigo 5º, inciso XLV, que diz que nenhuma pena passará para terceiro. E, para o ministro Lewandowski, a situação em debate leva a que se passe a pena da mãe para os filhos.
O ministro revelou que seu voto traz narrativas absolutamente chocantes do que acontece nas prisões brasileiras com mulheres e mães, que demonstram um descumprimento sistemático de normas constitucionais quanto ao direito das presas e seus filhos. Não restam dúvidas de que cabe ao Supremo concretizar ordem judicial penal para minimizar esse quadro, salientou.
Além disso, o ministro lembrou que os cuidados com a mulher presa se direcionam também a seus filhos. E a situação em análise nesse HC viola o artigo 227 da Constituição, que estabelece prioridade absoluta na proteção às crianças.
O relator votou no sentido de conceder a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no artigo 319 do CPP – de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças com até 12 anos sob sua guarda ou pessoa com deficiência, listadas no processo pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelo juízes que denegarem o benefício.
O ministro estendeu a ordem, de ofício, às demais as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições previstas quanto ao item anterior.
Os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello acompanharam integralmente o voto do relator quanto ao mérito.
Divergência
O ministro Edson Fachin divergiu quanto à concessão da ordem. Para ele, o estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro, reconhecido no julgamento da ADPF 347, não implica automático encarceramento domiciliar. Apenas à luz dos casos concretos se pode avaliar todas as alternativas aplicáveis, frisou.
O ministro votou no sentido de deferir a ordem exclusivamente para dar intepretação conforme os incisos IV, V e VI do artigo 318 do CPP, a fim de reconhecer como única interpretação a que condiciona a substituição da prisão preventiva pela domiciliar à análise concreta e individualizada do melhor interesse da criança, sem revisão automática das prisões preventivas já decretadas.
* Texto da Assessoria de Imprensa da Defensoria Pública do Paraná. Demais partes do texto são de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP).