Relatório aponta que número de pessoas passando fome continua a aumentar no Brasil, cenário observado diariamente por quem trabalha na DPE-PR 06/07/2022 - 15:42
O número de pessoas afetadas pela fome continua aumentando em todo o mundo, e já chega a cerca de 828 milhões de homens, mulheres e crianças afetados(as). No Brasil, a taxa de pessoas, dentre a população total, em situação de insegurança alimentar grave aumentou de 1,9% –3,9 milhões– entre 2014 e 2016 para 7,3% –15,4 milhões– entre 2019 e 2021. Já o índice de pessoas em situação de insegurança alimentar moderada ou grave aumentou de 37,5 milhões de pessoas (18,3% da população) entre 2014 e 2016, para 61,3 milhões de pessoas (28,9%) entre 2019 e 2021. É o que aponta o novo relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022” (SOFI 2022), lançado nesta quarta-feira (06/07) pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa Mundial de Alimentos (WFP) e Organização Mundial da Saúde (OMS).
O direito à alimentação é um direito fundamental previsto no artigo 6.º da Constituição Federal (CF). Para que esse direito de fato seja exercido, a Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) tem trabalhado para garantir o direito básico à segurança alimentar e à nutrição.
A Defensora Pública-Geral em exercício, Olenka Lins e Silva, explica que os serviços da Defensoria também estão disponíveis para quem não tem o que comer. “Nós podemos dar orientação de como buscar os serviços disponíveis do município e do estado para quem não tem recursos para comprar seu alimento. A Defensoria tem percebido o problema em atendimentos rotineiros sobre outros temas. É uma questão fundamental, e a instituição não se furta a oferecer ajuda e debater o tema”, afirma
O aumento destacado pela FAO nesta quarta-feira é testemunhado por servidores da própria Defensoria e por quem, diariamente, também atende a população mais vulnerável nas ruas do estado, como o Padre Joaquim Parron. O pároco, que é coordenador do projeto “SOS Vila Torres”, em Curitiba, o qual faz doações para famílias da localidade, trabalha de forma incessante para ajudar as pessoas em situação de extrema pobreza, uma atividade semelhante ao que o popular Padre Júlio Lancelotti faz em São Paulo.
“As pessoas relatam a dor da fome e vejo muitas mães, com tristeza, dizendo que não têm o que dar aos filhos. São duas dores, a dor de passar fome e a dor de ver seus filhos subnutridos. É uma realidade que invade lares e leva muitas pessoas a viverem nas ruas ou nas ocupações, pois têm que decidir se pagam o aluguel ou compram comida’”, conta Parron.
A pesquisa FGV Social, que faz periodicamente estudos sobre a pobreza no país, já havia trazido um panorama semelhante em pesquisas anteriores, cenário confirmado pelos olhos de quem trabalha diariamente nas ruas. Segundo a última pesquisa, divulgada em maio deste ano, a parcela de brasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou à sua família em algum momento nos últimos 12 meses subiu de 30% em 2019 para 36% em 2021, atingindo novo recorde da série iniciada em 2006. É a primeira vez, desde então, que a insegurança alimentar brasileira supera a média mundial.
“A fome aumentou muito nos últimos três anos em Curitiba e também em outros lugares que conheço no Brasil. E a dor da fome tem destruído famílias, mesmo havendo alguns programas sociais nos municípios. Muitas vezes, as famílias que mais têm dificuldades não conseguem acessar esses programas. Sem contar a subnutrição que muitas pessoas vivem”, conta Parron, que lembra que toda a doação de alimentos para o “SOS Vila Torres” pode ser realizada na Rua Guabirotuba, 770, Vila Torres, em Curitiba.
E as frases do pároco coincidem justamente com o que vem sendo observado diariamente por quem atua na Defensoria. A instituição pode ajudar a população a acessar serviços que, muitas vezes, as pessoas mais simples não conhecem. A assistente social do Centro de Atendimento Multidisciplinar (CAM) da Defensoria Tania Moreira explicou como a instituição pode ajudar.
“São realizadas orientações e encaminhamentos para a rede de atendimentos do município de origem, uma vez que também atendemos usuárias(os) de outros municípios além de Curitiba. Quando necessário, também solicitamos atendimento (às demais instituições), via ofício, para reforçar a necessidade de inclusão dessas pessoas em serviços, programas e projetos das políticas públicas [na área]”, esclarece. Ela, que também atua no Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP), menciona que os impactos da pandemia de Covid-19 aumentaram ainda mais os relatos de usuários(as) da Defensoria sobre dificuldades para acesso à alimentação.
Além de extrajudicialmente, a instituição também pode atuar ajuizando ações na Justiça tanto individualmente, como coletivamente, para garantir o direito. Para ser atendida individualmente, basta a pessoa ir até a Sede Central da Defensoria em Curitiba, na Rua José Bonifácio, 66.
Em casos de demanda coletiva, o Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) também age. “O Núcleo atua em alguns casos em que a segurança alimentar é objeto de atuação, como no caso da população em situação de rua em Curitiba, em que se pleiteia que o acesso aos restaurantes populares seja feito de forma gratuita. Ainda, está sendo abordada tal questão em relação a algumas aldeias indígenas em Guaíra e Terra Roxa em que se denunciou que muitas não possuem acesso a cestas básicas, e onde o nível nutritivo das que recebem a cesta básica é muito baixo”, explica o Coordenador do NUCIDH, Defensor Público Antonio Vitor Barbosa de Almeida. O defensor lembra que, apesar de a alimentação ser um direito social fundamental, previsto na CF, na prática, ele não é respeitado. “O que se vê é uma violação sistemática”, ressalta.