Quais são as ameaças à sobrevivência dos povos indígenas paranaenses? 13/02/2023 - 15:32
A crise humanitária que atingiu a Terra Yanomami, em Roraima e no Amazonas, mobilizou o Brasil e o mundo nas últimas semanas. A defasagem no cumprimento de direitos básicos de proteção à vida dos povos originários provocou uma devastação nas comunidades indígenas e escancarou a importância da atuação de instituições responsáveis pela defesa desses povos.
Sob diferentes ameaças e barreiras à sua sobrevivência, os povos originários paranaenses também buscam constantemente visibilidade e meios para a preservação de sua cultura. A Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) trabalha junto às comunidades de várias regiões do estado para garantir os serviços essenciais às populações em diferentes frentes de atuação.
A desnutrição e a falta de medicamentos registrados na Terra Yanomami são fatores determinantes para a situação precária encontrada pelas autoridades competentes, tanto federais quanto estaduais. Em territórios pertencentes às comunidades indígenas paranaenses atendidas pela Defensoria, o acesso à água encanada e à alimentação adequada são demandas constantes também. O Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) começou recentemente a analisar a situação vivida pelas comunidades indígenas Marangatu e Taturi, do município de Guaíra, e Araguaju, Nhemboetê, Pora Rendá, Tajy Poty, Yvy Porã e Yvyraty Porã, da cidade de Terra Roxa. O acesso à energia elétrica também é reivindicado pelas comunidades locais.
De acordo com Débora Pradella, assessora jurídica do NUCIDH, o núcleo recebeu convite para colaborar para a elaboração do protocolo de consulta livre, prévia e informada da aldeia Tekoa Takuaty. A documentação está diretamente relacionada à obrigação e responsabilidade do Estado brasileiro de consultar os povos indígenas em tomadas de decisões que possam afetar seus bens e/ou direitos. A necessidade de respeito ao protocolo foi firmada pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada em 1989.
Casa de Passagem Indígena
A situação dos indígenas paranaenses se tornou ainda mais grave com o fechamento da Casa de Passagem Indígena de Curitiba (CAPAI) durante a pandemia de Covid-19. Em dezembro de 2021, o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) da Defensoria passou a prestar assistência jurídica às famílias que, ao chegarem à capital, ficaram desabrigadas e em situação de rua devido ao fechamento do espaço, como é o caso de famílias das etnias Kaingang e Guarani, que vivem em Rio das Cobras, uma das 29 Terras Indígenas do Paraná, conforme o Instituto Socioambiental.
Após o trabalho da Defensoria e uma ação proposta pelo Ministério Público do Paraná (MPPR), a Prefeitura de Curitiba disponibilizou outro imóvel para acomodar as(os) indígenas. No entanto, a DPE-PR realiza, a partir desta semana, visitas à CAPAI, pois o objetivo é que o espaço seja reaberto. “O objetivo é escutar as demandas específicas e construir um plano de atuação conjunto que permita o acesso à Justiça por essas comunidades”, comentou a coordenadora do NUDEM, defensora pública Mariana Nunes. Segundo ela, a reivindicação parte de lideranças indígenas das comunidades, que “vivem uma realidade de miséria e abandono por parte do poder público”, ressaltou Nunes.
Acesso à Justiça
A vulnerabilidade dos povos indígenas também se reflete no acesso à Justiça. O direito brasileiro garante tratamento específico e diferenciado a indígenas no acesso a serviços e às instituições do sistema de justiça, principalmente na esfera penal, mas ainda há falhas no cumprimento das diretrizes. Essa é a opinião da assessora jurídica Isabel Furtado, subcoordenadora da Central de Liberdades da DPE-PR. Segundo ela, o que se observa constantemente é a falta de respeito aos mecanismos de proteção e às especificidades das comunidades. O tratamento de pessoas indígenas no sistema penal é determinado pela resolução n. 287/2019 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas as especificações não raro são negligenciadas.
Nos vários atendimentos a indígenas em conflito com a lei, o Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP) da Defensoria Pública encontra casos de ausência de intérpretes no momento de ouvir indígenas que testemunhas ou partes de um processo judicial, principalmente quando são suspeitas ou acusadas de algum crime, bem como é o comum que pedidos de aplicação da semiliberdade sejam negados a essas pessoas, e elas permanecem presas provisoriamente sem estrutura, explica Furtado. “A condição de semiliberdade é um cumprimento de pena específico para a população indígena, que busca manter os laços da pessoa com a comunidade”, destacou.
Sobrevivência cultural
A continuidade dos laços com a comunidade garante também a preservação cultural. A falta de recursos básicos dentro das áreas habitadas pelos povos originários leva jovens indígenas a buscarem melhores condições de vida fora desses espaços, explica Fernando Redede, coordenador do Núcleo da Infância e Juventude (NUDIJ) da DPE-PR. O êxodo rural, segundo o defensor, afeta diretamente na organização social e na preservação dos costumes e valores desses povos tradicionais, colocando sua cultura sob risco de desaparecimento.
No acompanhamento e vista a comunidades de diversos povos tradicionais, como à Terra Indígena Barão de Antonina; à Comunidade Quilombola de Batuva; à Comunidade de Pescadores de Sebuí, Barbados e Barra do Ararapira e às Comunidades Faxinalenses localizadas no Município de Pinhão, o núcleo especializado trabalha com a garantia do acesso à educação de qualidade para crianças e adolescentes nas próprias comunidades. “A visão de mundo desses povos considera a escola como espaço de vida, de cultura, mas, sobretudo, de produção do conhecimento. A falta ou a precariedade das escolas no território induz a dispersão das crianças e dos adolescentes para escolas de outras comunidades ou até para a cidade”, destaca Redede.
Dentre as demandas atendidas pela Defensoria, são reivindicados itinerários informativos, construção e reforma de instituições de ensino. Em 2022, a Defensoria contribuiu para o 1° Encontro de Educação Escolar de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Paraná, que discutiu as principais carências das populações envolvidas.
Grupo de Trabalho voltado aos Yanomami
Na última quinta-feira (09), a 71.ª reunião do Conselho Nacional de Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), realizada em Brasília, criou um Grupo de Trabalho para atuar, emergencialmente, junto ao povo da Terra Indígena Yanomami, a fim de efetivar medidas de enfrentamento da crise humanitária. Durante o encontro, também ficou estabelecida a criação de uma comissão para tratar de ações estratégicas que atendam às demandas dos povos originários.