Projeto ‘Central de Liberdades’ completa 3 anos de trabalho em favor de pessoas detidas em carceragens policiais e acusadas de crimes como “furto de galinha” 25/08/2022 - 09:26

Em agosto, o Projeto Central de Liberdades do Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) completa três anos. O objetivo do trabalho é atender pessoas presas preventivamente em carceragens provisórias de delegacias de polícia espalhadas pelo estado, com foco nos casos de rés e réus primárias(os) e em acusações envolvendo delitos patrimoniais sem violência ou grave ameaça, ou relativos à Lei de Drogas, quando apreendida pequena quantidade de substâncias ilícitas. Segundo dados do Projeto, no Brasil, o Paraná é o estado com o maior número de pessoas presas em delegacias de polícia, e ao menos 49% dos estabelecimentos prisionais estaduais se encontram em condições de custódia ruins ou péssimas.

A atuação do NUPEP em todo o estado permite que o Projeto alcance os locais mais remotos e as pessoas com maior vulnerabilidade, que ficariam esquecidas pelo sistema de justiça criminal. Os principais grupos atendidos são de idosos(as) e pessoas com doenças graves, indígenas, mulheres gestantes, mães e responsáveis de crianças ou pessoas com deficiências, população carcerária LGBTQIA+, migrantes, pessoas com deficiência ou que cumprem medida cautelar de internação provisória no Complexo Médico Penal, além de pessoas com sofrimento mental.

Em três anos, o Central de Liberdades já realizou mais de 7.255 análises processuais de pessoas privadas de liberdade e 747 peticionamentos em favor de pessoas reclusas. Estes atendimentos foram realizados em 64 comarcas do Paraná em cerca de 110 unidades prisionais do estado. 

Encarceramento em massa

Durante esses anos, quem trabalhou no Projeto se deparou com a realidade da cultura do punitivismo e com o encarceramento em massa vividos em todo o país, que aprisiona pessoas pela menor falta cometida. 

Alguns exemplos: foram atendidos casos de pessoas encarceradas em razão do furto de cinco cadeiras de praia; tentativa frustrada de furto de bicicleta; e o caso de um assistido condenado por delitos patrimoniais sem violência ou grave ameaça, dentre eles a tentativa frustrada de furto de uma galinha, avaliada em 20 reais. 

Também foram atendidos diversos casos de pessoas em grave estado de saúde que não tinham tratamento adequado no sistema carcerário, dentre eles o caso de uma mulher, ré primária, mãe de filho recém-nascido, com problemas graves de saúde e presa preventivamente pela posse de 34 gramas de maconha. 

Pessoas presas por pequenas quantidades de drogas também são casos comuns atendidos pelo Projeto. Em um dos casos, dois homens permaneceram presos preventivamente por cerca de um ano em razão de uma suposta apreensão de 14 quilos (kg) de droga. Ao analisar o processo, no entanto, o Projeto verificou que a apreensão, na verdade, era de 14 gramas (g).

“O Projeto Central de Liberdades, ao longo destes três anos de existência, atuou em centenas de casos de pessoas presas em todo o estado do Paraná, obtendo a liberdade de pessoas que definitivamente não deveriam estar atrás das grades. As atuações desenvolvidas vão desde casos envolvendo a suposta tentativa de furto de uma galinha, no interior do estado, até gestantes presas por crimes sem qualquer lesividade concreta, na Região Metropolitana de Curitiba. O Projeto demonstra a importância da presença da Defensoria Pública nos espaços de privação de liberdade, para garantir que pessoas em situação de sobrepostas vulnerabilidades possam efetivamente acessar a justiça”, avalia o assessor jurídico da Defensoria Pública-Geral Luis Renan Coletti, que atuou no projeto entre os anos de 2019 e 2021, quando era assessor jurídico do NUPEP. 

Atuação na Pandemia

A partir de março de 2020, o Projeto passou a desenvolver importantes atividades relacionadas à prevenção e ao controle da disseminação da Covid-19 dentro dos estabelecimentos prisionais, tanto na obtenção de informações perante os órgãos de gestão penitenciária – especialmente sobre pessoas reclusas que se enquadravam no grupo de risco de contágio da doença –, como na proposição de medidas de liberdade e prevenção no sistema prisional paranaense.

Só no primeiro mês depois de declarada a pandemia no Brasil, o Núcleo realizou a análise da situação processual de 361 pessoas reclusas que pertenciam ao grupo de risco de contágio do novo coronavírus em 33 unidades prisionais paranaenses, o que resultou em 124 pedidos judiciais de liberdade. 

A partir dos atendimentos do Projeto, o NUPEP foi à Justiça pedir prisão domiciliar humanitária para todas as pessoas presas que pertenciam ao grupo de risco por serem idosas ou por terem doenças preexistentes, além de mulheres gestantes ou lactantes, ou mães de filhos até 12 anos ou com algum tipo de deficiência. O NUPEP também entrou com pedido de Habeas Corpus Coletivo Cível em favor de todas as pessoas privadas de liberdade que se encontravam recolhidas nas carceragens do Paraná ou em iminente risco de serem presas em decorrência da falta de pagamento de pensão alimentícia.  

“Foram muitos pedidos relativos à pandemia, porque foi feita praticamente uma varredura nas listas de pessoas presas preventivamente em todo o Estado que tinham alguma comorbidade, eram idosas, ou, por qualquer outro motivo estavam na população de maior risco de contaminação pela Covid-19”, relembra a assessora jurídica do NUPEP Isabela Tonon Furtado, que começou a atuar no Projeto como estagiária em maio de 2020. “O momento era muito caótico e o número de pessoas presas pertencentes à população de risco era muito alto. No começo, alguns pedidos foram deferidos, mas logo começou uma leva de indeferimento, sempre justificados por essa ideia de que ‘não daria pra soltar todo mundo’ ou argumentos ainda piores, como o de que as pessoas estavam mais protegidas dentro da prisão por supostamente estarem isoladas da sociedade. Me parecia que o Judiciário, que era o único que realmente poderia ajudar essas pessoas, passou a negligenciar completamente a situação. Apesar disso, eu sentia que estávamos fazendo o que estava ao nosso alcance naquele momento”.

Resultados e atuações em 2022

Inicialmente, a Central de Liberdades tinha como foco principal a atuação nas Cadeias Públicas de Delegacias de Polícia, que concentram grande número de pessoas privadas de liberdade provisoriamente, geralmente em condições de graves irregularidades. Com a evolução e expansão do Projeto, o foco têm sido todas as pessoas privadas de liberdade com mandado de prisão provisória que se encontram em alguma situação de vulnerabilidade. Nestes três anos de Projeto, dos 747 peticionamentos feitos em favor de pessoas reclusas no Paraná, 170 foram deferidos e 45 ainda estão em tramitação na Justiça.

Em 2022, o Projeto tem atuado na elaboração de pedidos junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo reconhecimento da aplicação da fração de 1/6 para fins de progressão de regime em casos de condenação pelo crime de tráfico de drogas, isto é, que a pessoa presa por esse crime possa progredir de regime após cumprir um sexto da pena.

O entendimento dos Tribunais de Justiça costuma ser de que o crime de tráfico de drogas é hediondo, sendo, portanto, aplicável a fração de 2/5 para progressão de regime. Mas com a sanção da Lei 13.964 em 2019, que mudou a legislação penal e processual penal (conhecida como “Pacote Anticrime”), o rol de tipos penais considerados hediondos mudou, e o crime de tráfico de drogas não se enquadra nessa categoria. Assim, o NUPEP tenta garantir que seja aplicada a fração de 1/6 para progressão de regime nos casos de condenação por tráfico. 

“A Defensoria Pública em Londrina havia feito diversos pedidos na Vara de Execução Penal e teve pedidos deferidos, mas o Ministério Público recorreu e o Tribunal de Justiça do Paraná reverteu as decisões. Foi aí que entrou a atuação do NUPEP, em parceria com a Defensoria de Classe (órgão da DPE-PR que atua perante os tribunais superiores), protocolando Habeas Corpus perante o STJ para tentar reverter novamente a decisão, e ter a fração de 1/6 aplicada nos casos de tráfico”, explica a assessora jurídica.

Atualmente, o Projeto também realiza apoio aos(às) Assessores(as) da Execução Penal da DPE-PR em todo o Estado, realizando os pedidos de liberdade das pessoas atendidas pelos(as) assessores(as) cujas ações penais se encontram em comarcas que ainda não contam com a presença da Defensoria Pública. O Projeto Central de Liberdades também presta apoio às sedes da DPE-PR que não contam com atuação na área criminal, realizando pedidos de liberdade em prol das pessoas privadas de liberdade nestas comarcas. 

“Para mim, a Central de Liberdades é a demonstração de que a DPE-PR, embora extremamente deficitária no âmbito criminal, tem feito um esforço grande para alcançar pessoas privadas de liberdade, em caráter provisório, em locais não assistidos pela instituição”, avalia a defensora pública coordenadora do NUPEP, Andreza Lima de Menezes.

Conheça as 64 Comarcas que já foram atendidas pelo Projeto Central de Liberdades: Alto Paraná, Andirá, Apucarana, Arapongas, Araucária, Astorga, Cambará, Cambé, Cantagalo, Capitão Leônidas Marques, Carlópolis, Cascavel, Castro, Catanduvas, Cerro Azul, Colombo, Colorado, Corbélia, Cruzeiro de Oeste, Curitiba, Faxinal, Fazenda Rio Grande, Foz do Iguaçu, Goioerê, Guaíra, Guaraniaçu, Guarapuava, Quedas do Iguaçu, Ibaiti, Ibiporã, Jacarezinho, Joaquim Távora, Lapa, Laranjeiras do Sul, Leônidas Marques, Londrina, Marialva, Marilândia do Sul, Marmeleiro, Matinhos, Morretes, Nova Aurora, Nova Fátima, Paranacity, Pato Branco, Piraquara, Pitanga, Ponta Grossa, Porecatu, Quedas do Iguaçu, Reserva, Ribeirão do Pinhal, Rio Negro, Rolândia, Santa Mariana, Santo Antônio da Platina, São Jerônimo da Serra, São José dos Pinhais, Siqueira Campos, Terra Roxa, Tibagi, Toledo, Tomazina, Ubiratã.