Para defensores(as) públicos(as) do Paraná, país precisa debater fim do perfilamento racial em abordagens policiais 07/03/2023 - 09:47

Na tarde desta quarta-feira (08/03), o Supremo Tribunal Federal (STF) vai retomar o julgamento em que analisa se há nulidade da prova obtida por meio de busca pessoal feita com base em perfilamento racial. O caso analisado é o da condenação de um usuário da Defensoria Pública de São Paulo processado por tráfico de drogas após ser flagrado com 1,53 gramas. A discussão tomou corpo quando o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Sebastião Reis, relator do caso quando este foi analisado no STJ, levantou a hipótese de perfilamento racial após entender que a autoridade policial havia mencionado ter realizado a abordagem de um homem negro em frente a um local conhecido por vender drogas. A Suprema Corte também analisa se é aplicável, no caso, o princípio da insignificância ao crime de tráfico de drogas. 

No STF, o julgamento já está 3 x 1 contra a nulidade da prova no caso em questão. Embora o julgamento seja sobre um cidadão paulista no estado vizinho, ele faz referência a uma hipótese, a do critério racial na hora da abordagem policial, um tema que diz respeito a processos que tramitam em todo o país. 

Para o defensor público Cauê Bouzon Machado Freire Ribeiro, que atua na área Criminal e da Execução Penal em Umuarama, o caso em discussão no STF pode ajudar chamar a atenção da sociedade sobre a necessidade de as abordagens policiais em pessoas suspeitas terem uma perspectiva também de enfrentamento do racismo estrutural e institucional. “O debate público sobre o tema do perfilamento racial é fundamental para que o racismo estrutural seja apontado, e para ajudarmos a mudar a realidade”, afirmou Ribeiro.  

De acordo com o defensor público Julio Salem Filho, da área da Execução Penal em Ponta Grossa, é necessário assumir que existe o problema para poder enfrentá-lo. “Primeiro, é preciso compreender que (o perfilamento racial) se trata de uma realidade demonstrada empiricamente. Há pesquisas nacionais e internacionais sobre o assunto. Além disso, o Código de Processo Penal (CPP) determina que a busca pessoal pode ser realizada quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de papéis que constituam crime”, afirmou. De acordo com o defensor, o próprio STF já decidiu em outros julgamentos que a fundada suspeita não pode ser baseada em parâmetros subjetivos. 

“É preciso exigir elementos concretos que indiquem realmente a necessidade da revista em face do constrangimento que ela causa. Quando a cor da pele se torna o motivo de suspeita de práticas ilícitas, temos um enorme problema cultural, social, entre outros. A cor da pele de uma pessoa jamais pode ser um elemento concreto que caracterize uma fundada suspeita e que autorize uma abordagem, sob pena de se admitir uma prática institucional potencialmente criminosa pelo racismo que a reveste, e contrária aos princípios e objetivos constitucionais”, ressaltou Salem Filho. 

A 1.ª Subdefensora Pública-Geral Olenka Lins e Silva, idealizadora e coordenadora da Política de Prevenção e Enfrentamento do Racismo no âmbito da DPE-PR, destaca também a importância de haver uma formação dos agentes de segurança pública voltada para combater o racismo.

“É importante que o racismo seja combatido já durante a seleção dos agentes de segurança pública e reforçada durante toda a formação deles. A abordagem feita de forma direcionada aos negros é uma realidade no Brasil que precisa mudar. Para isso, é necessário adotar mecanismos que previnam a conduta por meio da educação, e que punam os agentes que adotarem a prática de perfilamento racial”, disse ela. 

Um dos instrumentos que podem gerar um impacto a curto prazo é a implantação de câmeras corporais nas fardas dos policiais e demais agentes de segurança pública. A 1.ª Subdefensora lembrou que a DPE-PR, ao lado de outras instituições paranaenses, entregaram uma carta ao governador Ratinho Jr. no ano passado pedindo que o equipamento fosse usado pelos policiais militares. “Há um diálogo com as demais instituições da esfera da Justiça e também com a Universidade Federal do Paraná que indica um consenso sobre a necessidade do uso desses equipamentos para proteção dos cidadãos e cidadãs e dos próprios policiais”, comentou. 

O defensor Cauê Ribeiro também reforçou que a implantação de câmeras na farda do agentes é necessária para conseguir reverter aos poucos o quadro atual.

“O Brasil é um país com uma sociedade extremamente racista, em que impera o racismo estrutural, e que, certamente, atinge os agentes de segurança pública. Se a abordagem e a revista pessoal se deram unicamente em razão da cor de pele da pessoa, trata-se de prova nula pois afronta não só o CPP, como a própria Constituição da República. As câmeras com áudio são um meio interessante para provar o motivo da abordagem, protegendo assim os cidadãos negros abordados unicamente pela sua cor de pele, e os bons policiais, que abordarão pessoas que tenham fundada suspeita, independentemente da cor de pele”, comentou o defensor. 

Já Salem Filho sugeriu que, além do uso de câmeras, seria importante que todas as abordagens, inclusive aquelas em que não se encontrou algo suspeito, fossem registradas em auto próprio, com a obrigação de explicar no ato no documento qual foi a motivação circunstanciada. “Ali teria muito clara a motivação circunstanciada. Juntando isso com as imagens das câmeras, havia um instrumento adequado de prevenção e análise de práticas institucionais ilícitas”, disse ele. 

De acordo com Salem Filho, há um círculo vicioso que alimenta de forma perversa o sistema penitenciário com o encarceramento de pessoas negras. “Se você tem uma abordagem potencialmente maior em pessoas negras, vai haver flagrante em algumas situações, não só por ser uma pessoa negra, mas porque, eventualmente, o branco não foi abordado. Então, muitas vezes, um flagrante gera uma condenação e aumenta a massa carcerária com pessoas negras. Portanto, temos uma estatística maior de negros em prisões porque temos abordagens feitas de forma direcionada. Se nós modificarmos a forma como as abordagens são feitas, teríamos uma estatística um pouco diferente”, concluiu.