NUDEM se manifesta em ADPF no STF que trata da descriminalização da interrupção da gravidez 26/09/2023 - 12:03
A interrupção da gravidez é um problema de saúde pública e não de Justiça Criminal. Com base nessa premissa, na última semana, o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) protocolou manifestação na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442, que discute no Supremo Tribunal Federal (STF) a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana. O caso começou a ser julgado no plenário virtual da Corte, mas o ministro Luís Roberto Barroso, que assumirá a presidência do STF na próxima quinta-feira (28/09), pediu destaque, e, por isso, a ADPF deve retornar à sessão do pleno para prosseguimento.
A atual presidenta do STF e relatora da ação, ministra Rosa Weber, já votou pela descriminalização da interrupção da gravidez até a 12ª semana, posição defendida também pelo NUDEM. Ela deixará a corte ao se aposentar nesta semana. O Núcleo é amicus curiae na ADPF – um termo em latim que significa "amigo da corte" e representa um terceiro interessado em uma causa e com opinião técnica sobre o assunto.
Em sua manifestação, o NUDEM pede para que o STF decida pela não-recepção, pela Constituição de 1988, dos artigos 124 e 126 do Código Penal. Em resumo, como guardião da Constituição, o STF deve decidir se esses artigos respeitam os mandamentos constitucionais, ou seja, se devem continuar em vigor.
O artigo 124 criminaliza a mulher que provoca aborto em si mesma ou que consente que alguém lhe provoque o aborto, e também pune, como partícipe, quem de alguma forma a auxilia a praticar o ato, pagando pelo procedimento, por exemplo. Já o artigo 126 pune um terceiro que provoca o aborto na mulher, com o consentimento dela, mas fora das hipóteses permitidas pelo artigo 128 da lei (em caso de gravidez decorrente de estupro, que cause risco à vida da gestante ou quando o feto é anencéfalo e não pode sobreviver fora do útero), como um médico ou outra pessoa que realize o procedimento de forma clandestina.
“A criminalização do aborto opera a partir da violência simbólica produzida pelo Estado e é direcionada em especial às mulheres e meninas mais vulnerabilizadas. É fundamental um olhar do Judiciário e da sociedade para os seus efeitos nefastos à saúde, à vida e à dignidade de mulheres e meninas. Agradecemos a oportunidade de nossa rápida manifestação, requerendo que seja julgado procedente o pedido para declarar não recepcionado parcialmente os tipos penais previstos nos arts. 124 e 126 do Código Penal nos termos da postulação”, ressaltou a coordenadora do NUDEM, defensora pública Mariana Martins Nunes, durante sua sustentação oral protocolada no processo. O NUDEM trabalhou em conjunto com a Assessoria Especial de Relações Institucionais e Tribunais Superiores (AETS) da DPE-PR no caso.
Prejuízos à saúde das mulheres
Na manifestação, a equipe do NUDEM ressaltou os números alarmantes, ainda que subnotificados, de aborto e suas complicações no Brasil. Em uma pesquisa publicada em 2020 intitulada “Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais?”, os pesquisadores da FioCruz Bruno Baptista Cardoso, Fernanda Morena dos Santos Barbeiro Vieira e Valeria Saraceni apontaram que ocorrem 200 mil internações por ano no país por procedimentos relacionados ao aborto. Desse total, apenas 1.600 por razões médicas e legais, sendo que o restante está relacionado a complicações decorrentes de um aborto realizado em condições clandestinas e, portanto, inseguras. Nesse mesmo estudo, os pesquisadores mostraram que, entre 2006 a 2015, 770 óbitos maternos aconteceram decorrentes de aborto registrados.
“Uma em cada sete mulheres de até 40 anos já fez um aborto. Esses são os dados que, apesar de subnotificados, evidenciam que a criminalização não impede a ocorrência de abortos, mas aumenta a quantidade de abortos inseguros, clandestinos e arriscados, e contribui para que o aborto esteja em quarto lugar dentre as principais causas de morte materna no Brasil”, ressaltou a assessora jurídica do NUDEM, Camila Datoé.
Outro aspecto levantado pelo NUDEM na manifestação é que crianças são grande parte das vítimas. De acordo com a assessora, um levantamento elaborado pela Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos, com dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), 252.786 meninas foram mães num período de dez anos no Brasil, entre 2010 e 2019. Uma criança é mãe a cada 20 minutos no Brasil e mais de 70 partos são realizados em meninas por dia; todos os anos, cerca de 20 mil meninas com menos de 14 anos engravidam no país, e essa gravidez pode ser considerada como fruto de um estupro, já que manter relação sexual ou ato libidinoso com crianças e adolescentes de até 14 anos constitui estupro presumido, de acordo com o Código Penal.
Segundo Daltoé, essa é uma realidade preocupante no país que reforça a visão global do problema. “O estigma e as barreiras impostas pela criminalização contribuem para que mulheres, meninas e pessoas com útero morram em decorrência de abortos inseguros. Tratar o tema como problema de saúde pública e não de justiça criminal, como pretendido com o pedido de descriminalização pelo STF, diminui o número de abortos e salva vidas”.