NUDEM garante na Justiça a interrupção da gestação de feto com malformação incompatível com a vida fora do útero 24/05/2022 - 11:45

Por meio da atuação do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM), uma usuária da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) conquistou na Justiça o direito de interromper a gravidez após descobrir que o feto sofria da anomalia de Body Stalk, uma malformação grave que impossibilita a vida extrauterina.
A mulher soube de uma possível malformação quando estava com 12 semanas de gestação; duas semanas depois, ela realizou uma nova ultrassonografia, que viria a confirmar o diagnóstico. No dia seguinte, ela buscou atendimento do NUDEM para pedir a interrupção da gestação.
O direito brasileiro autoriza o procedimento de interrupção legal da gravidez em três casos, previstos no artigo 128 do Código Penal: se não há outro meio de salvar a vida da gestante (ou seja, nos casos em que manter a gestação pode levar a gestante à morte); se a gravidez for resultante de estupro; ou se o feto sofre comprovadamente de anencefalia. Nos dois primeiros casos, a autorização decorre da lei penal e, no terceiro caso, por meio de uma decisão proferida no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n.° 54 do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu que o aborto nesses casos não configura crime contra a vida, já que a anencefalia impede que o feto sobreviva após a mulher dar à luz e, portanto, não há que se falar em vida propriamente dita neste contexto.
O Núcleo, porém, defende que outras anomalias congênitas também impossibilitam a vida fora do útero, como as síndromes de Body Stalk, de Edwards e de Patau, e que estas deveriam ter sido contempladas na decisão do STF. Uma vez que não o foram, é necessário ajuizar ação para garantir um alvará judicial que autorize o procedimento.
Para pedir a interrupção da gravidez, foram levantados laudos médicos que confirmaram a impossibilidade de sobrevivência do feto após o parto, além de literatura médica que reafirmava que essa condição era incompatível com a vida e que também há risco de morte para a gestante.
“Para a interrupção da gestação, neste caso, são necessários dois laudos falando da impossibilidade de vida extrauterina do feto”, explica a Coordenadora do NUDEM, Defensora Pública Mariana Martins Nunes. “O primeiro laudo não fechava o diagnóstico e não falava da impossibilidade de vida [extrauterina]. Oficiamos pedindo que fossem mais específicos para entrarmos com a ação”.
Na ação, o NUDEM também relembrou o “imenso sofrimento psíquico e emocional” que a gestação de um feto inviável acarretaria à gestante.
“O processo de gravidez transforma-se em um processo semelhante a uma tortura, a qual sequer terminará após o parto, pois a mulher ou seu companheiro terá de proceder ao registro de nascimento e ao sepultamento do recém-nascido, e de se dirigir a uma delegacia de polícia ou cartório para registrar o óbito. É fato que muitos pais podem optar por levar a gestação adiante, e tal escolha deve ser respeitada. Porém, igualmente respeitada deve ser a decisão daqueles que optam por abreviar o sofrimento”, defendeu o Núcleo na ação.
Segundo a Coordenadora do NUDEM, estima-se que cerca de 45% das anomalias fetais incompatíveis com a vida não permitem que a mulher acesse diretamente o sistema de saúde para o aborto legal, sendo necessário socorrer-se do Poder Judiciário para pleitear a interrupção da gestação, o que reflete diretamente no fato de que, segundo dados mais recentes fornecidos pelo Ministério da Saúde, a cada ano cerca de 7 mil mulheres dão à luz a bebês portadores de anomalias congênitas incompatíveis com a vida.
“São milhares de mulheres que passam por intenso sofrimento físico e psíquico todos os anos em razão de uma legislação restritiva, que impede o abortamento legal diretamente na rede de saúde para anomalias fetais diversas da anencefalia, e também em razão das barreiras ao acesso à Justiça, que impedem que estas mulheres consigam uma autorização judicial para a interrupção da gestação. O NUDEM trabalha não apenas para orientar a rede de saúde sobre o atendimento adequado ao abortamento, mas também para garantir que essas mulheres acessem a Justiça para ter garantido o seu direito à interrupção da gestação de forma plenamente autorizada”, conclui a Defensora Pública.
Para evitar que a gestação avançasse e a usuária da DPE-PR não conseguisse acessar o direito, o NUDEM primeiramente solicitou o procedimento na Justiça, enquanto o segundo exame era realizado, sendo que o pedido estava condicionado à confirmação da anomalia. No dia seguinte ao protocolo do pedido, o NUDEM obteve um segundo laudo confirmando a malformação, e três dias depois a Justiça concedeu o alvará de autorização judicial para a interrupção da gravidez. A mulher já realizou o procedimento e passa bem.
Tese do NUDEM sobre o tema guiará trabalho de Defensores(as)
No último dia 20 de maio, durante o VI Encontro de Teses Institucionais da DPE-PR, o NUDEM apresentou a seguinte tese, baseada no trabalho do núcleo na área: “É direito subjetivo da mulher pleitear judicialmente a interrupção terapêutica da gestação nos casos de anomalias fetais incompatíveis com a vida extra-uterina, por se tratar de conduta penalmente atípica”.
A tese foi construída após o NUDEM ter atendido casos semelhantes durante os anos de 2020 e 2021, envolvendo as síndromes de Body Stalk, Brida Amniótica e de Meckel-Grüber. Em todos os casos, o Poder Judiciário concedeu o alvará para o procedimento. A tese defende que a interrupção de casos como esse é penalmente atípica, ou seja, não constitui crime.
Após a Coordenadora do NUDEM, Mariana Martins Nunes, e a Chefa de Gabinete Lívia Brodbeck (coordenadora do NUDEM entre 2029 e 2021) apresentarem a tese, a mesma foi discutida e aprovada por unanimidade, além de ter garantido o segundo lugar entre as 3 melhores teses apresentadas no encontro. Com isso, a tese passará a guiar o trabalho de outros Defensores e Defensoras que atenderem casos semelhantes, já que as teses aprovadas se tornam uma espécie de referência para o trabalho defensorial.