Mês do Orgulho LGBTQIA+ na Defensoria termina com três mutirões de retificação de prenome e gênero realizados na capital e no interior 30/06/2023 - 17:02

Terminou, nesta sexta-feira, 30/06, em Cascavel, a série de três mutirões "Meu Nome, Meu Direito", promovidos pela Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR). A mobilização oferece orientação jurídica para homens trans, mulheres trans, travestis e pessoas não-binárias, maiores de 18 anos, que desejam fazer a retificação de prenome e gênero na certidão de nascimento. O município da região oeste do Paraná foi o terceiro a receber o mutirão, após Curitiba e Paranaguá, cidade do litoral do estado. Ao todo, foram 191 pessoas atendidas. As mobilizações ocorreram ao longo de junho, mês do Orgulho LGBTQIA+.
Os mutirões foram organizados pelo Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH), pelo Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) e pela Ouvidoria da DPE-PR. Segundo a Ouvidora-Geral da Defensoria, Karollyne Nascimento, o mutirão ajuda e orienta as pessoas no processo de retificação de prenome e gênero diretamente no cartório, de forma extrajudicial.
“Nós temos visto um avanço no mutirão, atendendo também pessoas não-binárias. Todo mundo que quiser pode acessar os serviços da Defensoria nos mutirões, e quem não conseguiu pode nos procurar pelos nossos canais, via Whatsapp, por e-mail, ou pode buscar os serviços na nas sedes da Defensoria”, afirmou a ouvidora.
Os mutirões realizados neste mês marcam, além das homenagens ao Mês do Orgulho LGBTQIA+, a consolidação do projeto Meu Nome, Meu Direito, que tem mostrado uma demanda ainda reprimida. A cada mutirão, mais pessoas aparecem para pedir a orientação da instituição. Segundo a ouvidora, a mudança de prenome e gênero representa muito para essa população, tradicionalmente invisibilizada pela discriminação.
“Posso dar o depoimento com muita certeza, com muita experiência: o projeto garante nosso direito de existir, de poder chegar nos espaços e dizer “essa sou eu, esse sou eu”, de poder ser quem a gente é, sem medo, sem constrangimento, sem insegurança. Então, esse é um serviço que salva vidas”, afirmou a ouvidora.
A história de Karollyne Nascimento é parecida com a de muitas pessoas, como a de Elle Rosseto de Freitas Rodrigues, 25 anos, gerente de uma pastelaria em Curitiba. Rodrigues esteve presente no mutirão em Curitiba, no último dia 15. “Eu queria fazer a minha retificação no final do ano passado, mas minha mãe já estava doente, com câncer de mama. Eu estava morando em São Paulo desde a pandemia. Então, eu falei pra ela: "mãe, eu sou uma pessoa trans, quero fazer retificação de nome". Ela disse que iria comigo, mas não conseguiu porque faleceu no começo do ano”, disse Rodrigues, que se indentifica como não-binário.
Na avaliação da coordenadora do NUDEM, defensora pública Mariana Martins Nunes, o mutirão Meu Nome, Meu Direito mostra um compromisso institucional na promoção do direito dessas pessoas. “Agora, de forma periódica, e buscando interiorizar o projeto, demonstramos que não é uma ação pontual e que buscamos de forma bastante sistemática a garantia a esse direito ao nome, ao gênero, à identificação social. Nosso objetivo central é que, garantindo o direito ao nome, também se garanta a cidadania, o acesso aos espaços públicos e privados, permitindo que essas pessoas possam se identificar com a identidade que elas têm, evitando que sofram outros tipos de violência. É um trabalho contínuo, mas acho que é um primeiro passo”, explicou a defensora.
Avanços
Já o coordenador do NuUCIDH, defensor público Antonio Vitor Barbosa de Almeida, lembrou que a DPE-PR representa também um instrumento e expressão do regime democrático para viabilizar o acesso à Justiça. “Enfrentamos ainda muita resistência. Então, eventos como esse são muito importantes para reforçar tanto um direito já adquirido como também lembrar o poder público de decisões como a do provimento 73, do CNJ [Conselho Nacional de Justiça], que já assegura para essas pessoas o direito à alteração do seu prenome e gênero, de acordo com sua identidade”, disse o defensor.
De acordo com ele, no Paraná, houve um grande avanço na área. Após provocação da Defensoria, o Tribunal de Justiça do do Paraná orientou os cartórios para que também observem a alteração do prenome e gênero de pessoas não-binárias. “É algo inicial, enfrentamos algumas resistências, mas esse primeiro mutirão, que contempla de uma forma mais abrangente as pessoas não-binárias, é importante para também consolidar essa orientação do Tribunal”, comentou.
Em Curitiba, a Associação do Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Paraná (APEN-PR) e a Organização Não-Governamental Mães pela Diversidade também participaram do evento para conceder orientações e acolhimento. A ONG teve o objetivo de receber também familiares e conceder apoio aos usuários e usuárias da Defensoria. “Nosso objetivo maior é unir as famílias. Ouvimos muito que a homossexualidade destruiu a família. O que destrói a família é a homofobia, a LGBTIfobia. Filho é filho e apoiamos integralmente nossos filhos e brigamos por ele”, afirmou a representante da ONG no Paraná, Marise Félix da Silva.
Paranaguá
A história de Cacau Fontes, 58 anos, moradora de Paranaguá, surpreendeu o defensor público Daniel Alves Pereira, no dia do mutirão no município, no último dia 23. Segundo ele, que fez o atendimento, Cacau é parnanguara, mas mora em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, há muitos anos. Ela soube da mobilização por amigas e planejou a viagem até Paranaguá.
"Vim retificar o meu nome para ser a pessoa que eu sempre fui. Antes, era muito complicado. Você tinha que passar por psicólogos, tratamento médico, fazer a readequação sexual, e hoje não é mais necessário fazer tudo isso. A mudança dos documentos vai comprovar a pessoa que eu sempre fui. É o nome que me identifica ser quem eu sou: Cacau Fontes, mulher trans", disse ela no dia do mutirão.
De acordo com Pereira, o trabalho da instituição tocou as pessoas. “Eu acho que a gente tocou as pessoas. Muitas delas não conseguiram ir ao mutirão de Curitiba, assim como a Cacau, que é uma senhora, que mora em Colombo. Agora, com 58 anos, com ajuda da Defensoria Pública, ela finalmente vai trocar o prenome com que ela se identifica. Foi uma mas realmente uma história bem interessante, muito gratificante de atender”, afirmou Pereira.
Cascavel
Já em Cascavel, no último mutirão da série, o defensor público Ricardo Santi Fischer contou que houve uma busca grande por orientação. “Algumas buscaram informações sobre a retificação de nome que não se enquadra no mutirão, e outras situações também. Mas acredito que tivemos um êxito bem grande. As pessoas já estão saindo com toda a documentação necessária para buscar as certidões no cartório distribuidor e também com a documentação para a alteração no registro civil depois de juntados todos os documentos”, disse.
São casos como o de Renan Carpes, 36 anos, que buscou a Defensoria no mutirão para fazer a retificação de prenome e gênero. “Eu vou ser sincero. até ontem não sabia se era isso que eu queria. Quando cheguei aqui, vi tanta luta, tantas pessoas parecidas comigo, lutando, e tive a certeza. É um renascimento de quem eu sou. Estou muito feliz”, disse. Em Cascavel, participaram do evento também a Prefeitura, Secretaria Municipal da Assistência Social e Secretaria Municipal de Saúde, oferecendo orientações sobre os temas de suas áreas.