LesboCenso: Defensoria do Paraná ressalta a importância de pesquisa que mapeia vivências lésbicas no Brasil. Conheça a atuação do NUDEM nessa temática 09/03/2023 - 11:52

O Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), que, entre outra atribuições, atua em defesa dos direitos das mulheres lésbicas em demandas coletivas, ressalta a importância da realização do I LesboCenso Nacional, projeto inédito no mundo que mapeia, desde janeiro de 2021, vidas lésbicas em todo o Brasil. No Paraná, a pesquisa alcançou 1.427 respondentes e abordou questões como violência por lesbofobia, publicização da orientação sexual, relações familiares e trabalho. 

O NUDEM, que busca promover a educação em direitos à população, destaca que o levantamento tira tais vivências da invisibilidade e do silenciamento, uma iniciativa fundamental que deve ganhar continuidade e periodicidade para a efetiva elaboração de políticas públicas voltadas à população lésbica.

O LesboCenso é uma iniciativa criada em conjunto pela Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) e a Associação Lésbica Feminista de Brasília – Coturno de Vênus. Com o primeiro relatório publicado em agosto de 2022, o projeto avançou na construção de dados a respeito da comunidade lésbica no país. “Esse mapeamento foi relevante por buscar atuar em sintonia e articulação colaborativa para a sistematização de informações sobre os corpos, as práticas e as experiências dessa população no país”, descreve o documento da pesquisa.

A partir de 2019, o IBGE passou a incluir em seus levantamentos indicadores relacionados à orientação sexual na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). No entanto, argumenta o relatório do LesboCenso, a inclusão dessas informações com foco na orientação sexual exclui outros aspectos relevantes das vidas lésbicas. “Os dados oficiais existentes são limitados e insuficientes para se conhecer a população LBT brasileira, não sendo possível estimar o número populacional nem as características demográficas dessa população”, complementa a pesquisa.

Segundo o levantamento, 77% das respondentes paranaenses afirmaram já ter sofrido lesbofobia - a aversão, repulsa, ódio e/ou discriminação contra mulheres que amam, vivem ou fazem sexo com outras mulheres. Dentre os casos, assédio moral (32%) e assédio sexual (19%) foram as formas de agressão mais relatadas.

Por outro lado, menos de 2% procuraram uma delegacia para receber atendimento após o ocorrido ou fizeram denúncia em órgãos oficiais. “Esses números refletem um problema estrutural que temos aqui no Paraná, do acolhimento a essa lésbica ou sapatão no momento da denúncia. Inclusive, na tipificação dessa ocorrência adequada de lesbofobia, de que o caso ocorreu em decorrência da orientação sexual da pessoa. A falta de acolhimento e tipificação adequada contribui para a manutenção da lesbofobia”, afirmou Léo Ribas, Articuladora Política do LesboCenso e Conselheira Municipal dos Direitos das Mulheres de Curitiba.

Desde junho de 2019, os crimes de discriminação cometidos contra as pessoas LGBTQIA+, inclusas as mulheres lésbicas, em razão da sua orientação sexual ou identidade de gênero, são equiparados aos crimes de racismo (Lei 7.716/1989). Segundo a coordenadora do NUDEM, defensora pública Mariana Nunes, a pesquisa tem um valor importante para mensurar o tamanho do problema enfrentado por essas mulheres. A denúncia, porém, esbarra em problemas estruturais, já que, segundo a defensora, a mulher, muitas vezes sofre com comentários ofensivos, é questionada inadequadamente e até mesmo culpabilizada pela agressão quando busca realizar a denúncia. 

A pesquisa revela que, do total de respondentes no estado, 10% já sofreram lesbofobia cometida pela mãe e 6% pelo pai. Quando perguntadas sobre o local da ocorrência, 14% apontaram a própria casa. Mulheres lésbicas, assim como bissexuais, transexuais e pansexuais, podem ser amparadas pela Lei Maria da Penha (11.340/2006). A legislação prevê a proteção independentemente do gênero da pessoa autora da violência ou da orientação sexual de qualquer das partes.

“A Lei Maria da Penha traz importantes mecanismos para a proteção das mulheres contra a violência doméstica e familiar, e negar a sua aplicação às mulheres lésbicas é inadmissível. Nos casos de negativa pela delegacia em registrar Boletim de Ocorrência e requerer medida protetiva de urgência, ou do magistrado em aplicar a Lei Maria da Penha no caso, entendo que há conduta ilegal e discriminatória por parte dos agentes públicos, a qual deve ser apurada”, comentou Nunes.

O estudo também mostra que, no Paraná, 72% das mulheres lésbicas relataram sentir medo, receio ou constrangimento ao falar sobre a orientação sexual no atendimento à saúde. “Os dados são indicativos da dimensão da violência lesbofóbica nas suas vidas e de como ela impacta a saúde física, psicológica e sexual das mulheres lésbicas”, afirmou a coordenadora do NUDEM.

“Quando pensamos no que as informações do LesboCenso nos trazem, é justamente pautar e fundamentar políticas públicas que sejam condizentes com nossas especificidades. Porque, durante décadas, nós, mulheres lésbicas e sapatão, tivemos um apagamento de nossas vivências. Então, quando se fala da saúde, da violência sofrida por pessoas trans e gays, por exemplo, as lésbicas e sapatão não são contempladas”, destacou Léo Ribas. Para ela, a pesquisa pode contribuir com a formulação de políticas públicas nas áreas de Segurança Pública, Saúde e Educação, entre outras.

Atuação do NUDEM

Para entender mais sobre os direitos das mulheres lésbicas, o NUDEM disponibiliza uma cartilha sobre o tema. O texto também aborda os direitos das pessoas bissexuais e panssexuais. “Elas formam um grupo social que rompe com o ‘padrão de gênero’ esperado, já que, ao invés de direcionarem seu afeto apenas para homens, relacionam-se afetiva e sexualmente com outras mulheres. Como não atendem ao papel social que lhes é compulsoriamente atribuído, suas pautas e demandas são frequentemente negadas e invisibilizadas”, pontua a cartilha. Confira o material na íntegra aqui.

Lésbicas que se sentirem vitimadas por qualquer forma de lesbofobia podem buscar fazer o registro do crime em uma delegacia de polícia. A DPE-PR, por meio do NUDEM, oferece gratuitamente orientações jurídicas e pode eventualmente oficiar às autoridades para cobrar a apuração dos fatos. Caso a Defensoria identifique que há repercussão coletiva para a violação apontada, o núcleo especializado poderá tomar as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis; quando houver a identificação de que a violação envolve também homens trans e homens gays, o Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) pode ser acionado para realizar o atendimento do caso em conjunto com o NUDEM.

Futuro do censo

O primeiro relatório do LesboCenso afirma que o estudo não atingiu a meta amostral, isto é, não conseguiu o número de respondentes desejado. “Embora se reconheça a impossibilidade prática de coletar dados censitários sobre a população lésbica, a pesquisa teve como objetivo ter a amostra mais extensa e representativa possível”, ressalta o documento. 

O trabalho já divulgado representa a etapa quantitativa, e a organização afirma que os dados seguem em aprofundamento com realização de entrevistas semi-estruturadas com as pessoas que participaram da primeira parte. Há ainda, conforme Ribas, uma terceira etapa de pesquisa, que envolve a formação de coletivos e movimentos sociais em todo o Brasil para o fomento de políticas públicas municipais e estaduais.