Josiane Fruet Bettini Lupion: as histórias da primeira Defensora Pública-Geral do Paraná 18/03/2020 - 14:40

A defensora pública Josiane Fruet Bettini Lupion possui uma história de pioneirismo: foi a primeira Defensora Pública-Geral do Estado do Paraná, de 2011 a 2015. Iniciou a carreira na antiga Procuradoria de Assistência Judiciária, a qual daria origem à Defensoria Pública do Estado do Paraná, nos anos 70. Não eram tempos fáceis. Ainda menina, decidiu estudar Direito - gostava muito de ler sobre crimes para entender por que as pessoas cometem delitos e, em um primeiro momento, escolheu o Direito Penal, até que conheceu o Direito de Família e se apaixonou.
Na época, como ela mesma diz, a mulher tinha de se casar. No entanto, apesar do senso comum (que ainda permanece em muitos contextos) de que a mulher deveria permanecer no espaço doméstico, sua mãe, que havia se formado em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná, incentivou-a a estudar e a trabalhar. "Ela sempre foi uma referência pra mim. Era uma grande incentivadora para que eu me formasse e trabalhasse a ponto de me tornar independente financeiramente do meu marido".
Conta que, durante a faculdade, não sofreu discriminações, mas que o cenário mudou quando se formou e passou a atuar profissionalmente. Sofreu e também testemunhou injustiças, principalmente em relação a mulheres carentes. À época, não havia qualquer forma de proteção à mulher no âmbito legal. "Testemunhei várias injustiças [contra a mulher] e lutei contra outras tantas. São vários relatos e eu poderia ficar horas e horas relembrando cada um deles", diz.
Antes da Lei Maria da Penha
Sobre as muitas histórias que testemunhou, uma a marcou especialmente: o de uma mulher, mãe de quatro filhos entre 2 e 8 anos, que sofria violência física, sexual e psicológica por parte do companheiro, que também maltratava os filhos do casal, queimando-os com a ponta do cigarro. O filho menor, relembra, tinha uma profunda marca no rosto feita com a brasa do cigarro. Pedir o afastamento do agressor do lar, no entanto, era algo inovador e arriscado em uma época em que não havia a Lei Maria da Penha e as medidas protetivas de urgência.
A defensora pública, no entanto, arriscou e fez o pedido, tendo, inclusive, tirado ela mesma as fotos das marcas da agressão na mulher e nos filhos, as quais instruíram o pedido. Foi, então, despachar com o juiz, dada a urgência do caso. "Nunca me esqueci do quanto me controlei para não sair presa da sala dele por desacato. Ele me disse, com um sorriso de sarcasmo no rosto, que o meu pedido era juridicamente impossível, pois a Vara de Família era destinada a tratar assuntos relacionados com a família e não com prostitutas".
A mulher não era casada com o réu, o que a transformava em "prostituta" aos olhos do juiz, que a chamou de "mundana" e afirmou que os filhos estavam pagando pela "irresponsabilidade" da mãe. Como à época o juízo não era prevento, a defensora distribuiu novamente a ação, agora com os filhos no polo ativo, pedindo o afastamento do pai da casa onde moravam. O pedido foi deferido, assim como o pedido principal, de alimentos.
Após a vitória, os seis reuniram-se na Procuradoria para comemorar. A mulher levou um bolo de fubá e a defensora pública contribuiu com o cafezinho. Mantinham contato e, anos depois, a mulher e um dos filhos se encontraram com ela. A assistida contou que estava feliz e já tinha netos. "Reconheci naquele moço que a acompanhava o menino marcado no rosto pelo cigarro do pai. Ela nunca mais teve qualquer relacionamento conjugal. Dedicou-se inteiramente aos filhos. O réu? Que réu? Sumiu".
Projetos passados e futuros
Um projeto do qual muito se orgulha diz respeito a uma mudança na Lei n.º 1.060/50, inspirada em um pedido seu. Era o ano de 1984 e ela havia distribuído uma ação de separação judicial cujo réu estava sendo citado por edital. Naquele tempo, a lei determinava que a publicação do edital de divulgação de atos oficiais era em número de três: um era publicado na Imprensa Oficial e os outros dois em jornal de grande circulação. O assistido era responsável pela publicação no jornal particular, pois o Estado não arcava com o ônus da divulgação.
A assistida, porém, não publicou os editais e não retornava as ligações do estagiário responsável pelo monitoramento das publicações. "O estagiário, nervoso com a situação, sugeriu pedir a extinção da ação. Pensei, pensei e pedi para o estagiário redigir uma petição solicitando ao juiz que considerasse apenas a publicação do edital de citação do réu na Imprensa Oficial, tendo em vista que a assistida era pobre e não reunia condições de arcar com as custas da publicação em jornal particular".
Alguns dias depois, Lupion se encontrou com o promotor de justiça da vara para a qual a ação foi distribuída, que lhe disse que tinha considerado muito justo o pedido feito na petição. Disse que havia concordado com o requerimento e que havia fotocopiado a petição e entregue a um deputado amigo seu para que fosse alterada a lei n.º 1060/50, especificamente em seu artigo 3°, parágrafo único - o qual afirma que a publicação de edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais dispensa a publicação em outro jornal.
Em relação a projetos para o presente e o futuro da instituição, a Corregedora afirma que os principais envolvem a divulgação da Lei Maria da Penha e do feminicídios e rodas de conversas com as assistidas, além da integração do Nudem com as Defensorias atuantes no interior do estado.
Sobre os desafios, menciona a dupla jornada da mulher e a necessidade de que ela prove, a todo instante, que merece estar onde estar e de que tem direito ao trabalho não para complementar a renda familiar, mas como forma de realização pessoal. Afirma que, em muitas ocasiões, percebeu que a presença feminina em reuniões e espaços majoritariamente masculinos causa mal-estar nos homens.
A instituição da qual é Corregedora, diz ela, deve contribuir para romper com a pesada carga da dupla jornada. "No âmbito da DPE/PR, este é o momento da criação de políticas que auxiliem a servidora no seu retorno ao trabalho após o nascimento do filho, para que o “preciso voltar a trabalhar” não seja um fardo ou uma preocupação fora do controle emocional".
A conquista de mais poder de decisão nas instituições do sistema de justiça e fora dele também são objeto de reflexão por parte da defensora pública, que afirma com convicção: "Infelizmente, ainda existe muita intolerância em relação à mulher que galga algum poder ou que se sobressai no desempenho de sua profissão. Por trás de uma mulher de destaque há sempre um homem que desejaria estar no lugar dela".
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