É possível produzir provas durante um inquérito policial? 26/06/2023 - 17:57
Quando o noticiário brasileiro publica reportagens sobre uma investigação policial, é comum encontrar informações apuradas por jornalistas sobre as “provas colhidas em um inquérito”. Os indícios e evidências reunidos no inquérito, presidido por um(a) delegado(a) da Polícia Civil ou Federal, podem ser chamados de provas com o objetivo de simplificar e ajudar o cidadão ou cidadã a compreender de forma mais fácil a dinâmica da investigação. No entanto, do ponto de vista jurídico, é errado, uma vez que neste momento - fase do inquérito - não se pode falar em provas.
Assim como a jurisprudência dos tribunais superiores, a doutrina jurídica - formação de um entendimento com base em estudos realizados por juristas sobre um determinado tema - entende que, no inquérito policial, de um modo geral, não há produção de prova, mas a apuração dos chamados "elementos de informação", que servem para fundamentar o oferecimento de uma denúncia pelo Ministério Público. Ou seja, após a conclusão do inquérito, o promotor ou promotora irá analisar esses elementos de informação e decidir se eles são suficientes para levar o caso à Justiça, lembrando que a persecução criminal compreende a investigação policial, ou seja, a fase pré-processual, e a ação penal, que é a etapa processual do caso, quando o caso já tramita na Justiça.
O artigo 155 do Código de Processo Penal (CPP), que organiza e regula os atos da Justiça Penal no Brasil, estabeleceu que "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos chamados "elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas” (Veja ao final do texto mais informações sobre provas cautelares, não repetíveis e antecipadas).
Para que um suposto fato ou circunstância possa ser considerado(a) prova, um princípio fundamental e constitucional precisa ser respeitado: esse suposto fato ou circunstância precisa passar pelo crivo do contraditório, e quem está sendo acusado de algo precisa ter acesso à defesa ampla e plena. Isso significa que só na fase da ação penal, quando a defesa da pessoa acusada tem acesso à íntegra dos elementos de informação colhidos pela Polícia Civil e pelo Ministério Público, é que se inicia a produção de provas - neste momento a defesa poderá questionar o conteúdo da denúncia e dos supostos fatos ali narrados, e inclusive pedir que sejam produzidas outras provas que demonstrem o contrário do que a polícia ou acusação afirmam.
“A prova depende da presença das partes e do contraditório na ação penal. Então, para condenar, tudo que foi produzido na fase pré-processual precisa ser corroborado durante a ação penal. O que a polícia produz são elementos de informação. A investigação policial é um procedimento que tem o objetivo de fornecer elementos de informação para o titular da ação penal, ou seja, o Ministério Público”, explicou o defensor público Wisley Rodrigo dos Santos, que é coordenador da equipe da Defensoria no Tribunal do Júri de Curitiba.
Ele lembra que, para a ação penal começar, é preciso que haja “justa causa”. “Por isso há a fase de investigação e da denúncia do MP. É preciso ter uma justificativa mínima. Com base nos elementos de informação produzidos pela polícia e pelo MP, a Justiça tem condições de avaliar se há indícios, ou seja, justa causa para prosseguir com uma ação penal. E é na ação penal que começa a produção de provas, com a defesa tendo absoluto direito de questionar cada laudo, perícia, testemunho, informação colhida a partir daquele momento”, explica o defensor.
O defensor da área Criminal em Colombo, Vinicius Santos de Santana, reforça as diferenças entre o que é apurado pela polícia e o que é produzido na fase judicial. Ele ressalta que os indícios encontrados pela polícia são quase sempre produzidos de forma unilateral, ou seja, nesta fase o que é produzido ou afirmado pela polícia não é objeto de questionamento por parte da defesa, salvo raras exceções. “Não há contraditório nessa fase. Por isso, são chamados de indícios. Não há a participação da outra parte. Então, há uma fragilidade muito grande dessa informação em decorrência da unilateralidade, deixando uma lacuna, que é o lado do investigado”, comenta Santana.
De acordo com Santana, não é que não haja importância ou valor na produção dos elementos de informação pela polícia. “Pelo contrário, fazem parte do caminho da persecução criminal. É onde tudo começa. Só precisamos lembrar que é mesmo o começo de um caminho longo. A princípio, prova é tudo aquilo produzido mediante o contraditório e a ampla defesa, e isso ocorre durante a ação penal. É durante a ação penal que vai haver a validação dos elementos de informação que podem ou não ser considerados, posteriormente, provas que permitam condenar ou absolver alguém”, afirma.
Provas cautelares, não repetíveis e antecipadas
O artigo 155 do CPP cita um grupo de elementos produzidos em um contexto diferenciado e que, além de poderem ser colhidos na fase de inquérito policial, podem ser chamados de prova. São as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
De acordo com Santos, as provas cautelares são aquelas que podem desaparecer se não forem produzidas logo, ou seja, não é possível esperar o início da ação penal para que sejam produzidas. Um exemplo é a interceptação telefônica, que é realizada com autorização da Justiça.
As não repetíveis são aquelas que não podem ser produzidas/colhidas novamente, como um exame de corpo de delito, já que após certo tempo os vestígios de uma lesão, por exemplo, podem desaparecer.
Os dois tipos de provas, no entanto, passam posteriormente pelo questionamento do contraditório já na fase de ação penal.
Já as provas antecipadas são um pouco diferentes. É o caso de uma testemunha com a saúde em fase terminal. A Justiça autoriza a colheita do depoimento dela pela polícia e o procedimento é feito na presença do juiz ou juíza do caso, do representante do Ministério Público e da defesa da pessoa investigada.