Dona de casa passa 45 anos sem RG e CPF no Paraná 07/02/2017 - 17:00

Imagine o transtorno que seria tocar a rotina sem ter qualquer registro formal que comprovasse quem você é. Abrir uma conta no banco, marcar uma consulta no médico ou votar nas eleições seriam atos impraticáveis. Pois este foi durante anos o drama diário da dona de casa Rozilda Maria Rodrigues, moradora de Foz do Iguaçu, no oeste paranaense. Ela passou seus 45 anos de vida sem ter RG, CPF ou título de eleitor. A situação só começou a mudar quando buscou auxílio na Defensoria Pública do Paraná para conseguir, na Justiça, o direito de ter uma nova certidão de nascimento, e assim poder tirar os demais documentos.

Nascida em Vila Alta (hoje município de Alto Paraíso), no Noroeste do estado, Rozilda saiu de lá ainda pequena. Mudou-se com a família para o distrito de Ercilândia, em Brasilândia do Sul, região Oeste do Paraná. Morou “na roça”, como ela mesma diz, durante muito tempo, sem precisar da formalidade dos documentos civis. Anos depois, migrou para o estado de Rondônia. Foi lá que acabou extraviando o único registro que tinha: a certidão de nascimento. Quando veio para Foz do Iguaçu, sentiu a necessidade de ter RG e outros documentos que lhe permitisse acessar serviços públicos, abrir crediário e obter outras facilidades.

“Quando ela foi tentar tirar uma segunda via da certidão de nascimento, descobriu que o cartório onde havia sido feito o registro tinha pegado fogo, destruindo o único documento que poderia comprovar a sua identidade civil. A legislação é bastante rigorosa quando se trata da modificação ou restauração de um registro civil, porque é muito importante zelar pela veracidade dos registros públicos. Ou seja, não existia nenhum registro público que comprovasse a existência da Rozilda, então ela não podia tirar nenhum outro documento”, explica a defensora pública Lígia Rosental Buarque de Gusmão, que atuou no caso juntamente com a defensora pública Maria Fernanda Ghannage Barbosa.

Tentativas
Antes de buscar a Defensoria, Rozilda procurou ajuda de outros órgãos públicos e até de advogados, mas nunca conseguiu resolver o problema, ora por questões burocráticas, ora por dificuldades financeiras, já que a dona de casa não tem condições de pagar por uma assistência jurídica particular. O jeito foi se virar como podia. “Eu tive dificuldade com tudo, especialmente com o trabalho. Gostava de ir para o Paraguai trabalhar com as minhas amigas, mas precisava de identidade e não tinha. Gostava de comprar uma coisa ou outra, mas não podia, tinha que ficar pedindo para os outros. Se queria ir no médico, não podia também”, desabafa. Na última gestação, ela teve dificuldades para fazer o acompanhamento médico do pré-natal e obter resultados de exames. Tudo porque faltava RG e CPF.

Mãe de cinco filhos, Rozilda sabe bem o que é ter saudade dos entes queridos. Por não ter o RG, ela não conseguia nem sequer embarcar num ônibus para visitar os pais, que moram em outra cidade. Ficou mais de dois anos sem vê-los. “Já tirei minha identidade, o título de eleitor, CPF e agora vou pegar a carteira de trabalho. Estou com todos os documentos”, comemora.
 
 

Provas documentais e testemunhas ajudaram no caso

Como não tinha documento formal que comprovasse sua existência, a dona de casa Rozilda Maria Rodrigues buscou a Defensoria Pública do Paraná em Foz do Iguaçu para conseguir na Justiça autorização para que o cartório emitisse uma nova certidão de nascimento. A defensora pública Maria Fernanda Ghannage Barbosa ajuizou então uma ação de suprimento de registro civil, prevista na Lei de Registros Públicos (Lei Nº 6.015, de 1973). Para isso, ela precisou apresentar uma certidão comprovando que o cartório havia pegado fogo, e que, portanto, seria impossível obter uma segunda via do documento. Achou também um registro escolar antigo e apresentou outras informações, com dados dos pais de Rozilda, testemunhas e outras informações.

Após analisar a documentação e ouvir as testemunhas, além da própria Rozilda, o juiz determinou que fosse emitida uma nova certidão. “É importante que todas as pessoas tenham esses documentos atualizados, não só para fins de identificação, mas também para poderem exercer atos da vida civil. A Rozilda, por exemplo, não conseguia abrir uma conta no banco, não podia ter um celular no seu nome, tinha dificuldades na hora de procurar atendimento médico. Também tinha esse aspecto psicológico. Ela dizia que não existia no mundo, porque não tinha nenhum documento de identificação já quase aos 50 anos de idade. E foi uma ação judicial relativamente simples, o que mostra a importância da atuação da Defensoria Pública na área de registros públicos”, afirma a defensora pública Lígia Buarque de Gusmão.

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