Defensoria pede indenização na Justiça para 23 asilares do CMP 28/08/2024 - 10:47

A Defensoria Pública do Estado do Paraná protocolou uma série de 23 ações de indenização na Justiça em favor de homens que permaneceram em condição asilar no Complexo Médico Penal do Paraná (CMP). Em três casos, o Estado do Paraná já foi condenado a pagar reparações a homens atendidos pelo programa “Desinstitucionalização e Cuidado em Liberdade”. A iniciativa da DPE-PR trabalha para retirar do CMP pessoas que já cumpriram medida de segurança por meio da reconstituição de laços familiares rompidos ou de encaminhamento para instituições adequadas custeadas pelo Estado. 

Essa atuação busca também cumprir as determinações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu em 2023 a Política Antimanicomial do Poder Judiciário. Inicialmente, o prazo dado pelo CNJ para estados e municípios interditarem estabelecimentos, alas ou instituições congêneres de custódia e tratamento psiquiátrico no Brasil se encerraria nesta quarta-feira (28). No entanto, na semana passada, a data-limite para que tribunais apresentem pedidos de prorrogação de prazos foi estendida até 29 de novembro. 

As pessoas em condição asilar são aquelas que possuem algum sofrimento mental, já cumpriram uma medida de segurança de internação e possuem alvará de soltura, mas, por não terem para onde ir, permanecem na unidade. A “medida de segurança” é uma espécie de sanção penal destinada a pessoas que, por meio de perícia médico-psiquiátrica, são consideradas inimputáveis, isto é, não compreendem o caráter ilícito da conduta que praticam, que, em outras condições, seria considerada um crime.

“As pessoas em condição asilar são aquelas que perderam vínculo com suas famílias e com sua comunidade de origem, e essa perda, normalmente, tem relação com a omissão do Estado em promover o tratamento adequado para as pessoas com transtorno mental em conflito com a lei”, explica a defensora pública coordenadora do programa, Andreza Menezes. “No caso do CMP, em todas as situações, não foi elaborado nem executado nenhum projeto terapêutico individualizado com preparação para alta das pessoas. Assim, a busca pela responsabilização civil do Estado pela grave violação de direitos humanos é uma ferramenta tanto para ressarcir as vítimas, as pessoas em condição asilar, mas também para coibir a omissão do Estado do Paraná em promover ações da sua rede de atenção psicossocial para atender pessoas com sofrimento mental em conflito com a lei”. 

No primeiro caso em que houve a condenação, o homem, que atualmente tem 71 anos, cumpriu quatro anos de medida de segurança de internação no CMP e teve o seu alvará de soltura expedido em novembro de 2019. Sem ter para onde ir, ele permaneceu no CMP até ser acolhido por um serviço residencial terapêutico em outubro de 2021, local onde vive atualmente. No processo, a Secretaria de Estado de Saúde afirmou que não teria como oferecer o serviço residencial terapêutico e não demonstrou estar tentando articular com os familiares do homem ou com os serviços de saúde de seu município de origem, no norte do estado, o retorno dele para a família ou, ao menos, a internação em alguma instituição de acolhimento. O Estado do Paraná alegou, ainda, que os serviços residenciais terapêuticos seriam de incumbência dos municípios, não do Estado.

“Uma decisão da Justiça Federal determinou que o Estado do Paraná, em concurso com os municípios de origem das pessoas, garanta o direito à moradia das pessoas em condição asilar, o que vem sendo descumprido. Além disso, o Estado aderiu formalmente à Política Nacional de Assistência à Saúde no Sistema Prisional (PNAISP), em 2014, mas jamais executou diretamente qualquer ação em saúde em favor da população prisional de acordo com essa política”, alega a defensora pública. 

Na primeira decisão sobre o caso, a 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba destaca situações que violam a dignidade da pessoa humana ao longo do tempo de internação no CMP, às quais o homem esteve submetido, como a ausência de médicos na unidade e a presença de apenas um enfermeiro, sem escala completa, para atender 687 apenados. A situação foi relatada em um relatório de vistoria do Departamento de Fiscalização do Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná (CRM-PR). Devido ao déficit de profissionais da área de Saúde e às condições de trabalho às quais estavam submetidos, em março de 2022 o CRM-PR determinou a interdição ética do CMP. De acordo com a decisão, há nítida violação dos direitos de ordem moral do homem, diante de toda a omissão em garantir a estabilização do CMP em situação condizente com o que a legislação determina. 

O valor da indenização também foi reconsiderado na decisão: de 15 mil reais, pedidos anteriormente, foi arbitrado em 40 mil, pois a Justiça entendeu que por se tratar de uma pessoa com doença mental, o Estado deveria mais ainda ter o cuidado necessário com sua condição peculiar. 

“A saúde nas unidades prisionais jamais deveria ser apenas responsabilidade da administração prisional, o sistema de saúde brasileiro é universal e deve ser também acessível à população privada de liberdade”, defende a coordenadora do programa. “Por lei, as pessoas condenadas criminalmente e aquelas sujeitas às medidas de segurança não devem ser privadas do direito fundamental à saúde e, por isso, a assistência às pessoas em espaços de privação de liberdade deveriam ser objeto de diagnóstico e planejamento de uma política consistente, contemplando não só às urgências e emergências, mas também a prevenção dos agravos em saúde e, em especial, as demandas em saúde mental”.  

Programa Desinstitucionalização e Cuidado em Liberdade

O “Programa Desinstitucionalização e Cuidado em Liberdade" completou quatro anos em junho. Desde 2020 até o momento, já foram atendidas 98 pessoas, das quais 76 foram encaminhadas para as respectivas famílias, moradia autônoma ou para instituições, duas voltaram a cumprir medida de segurança, uma faleceu enquanto aguardava saída e 24 continuam em condição asilar. Além das 23 ações indenizatórias, outras 61 ações cíveis foram ajuizadas em busca de acolhimento e reparação de danos morais em favor das pessoas em condição asilar.

O fluxo de trabalho para desinstitucionalização desenvolvido durante os últimos anos credenciou a equipe para formular proposta de protocolo de atendimento às pessoas em medida de segurança de internação e em medida cautelar de internação, a qual foi articulada e aprovada por várias instituições e deu origem à Instrução Normativa Conjunta 67/2021, cuja execução, até o momento, não foi efetivada pelo CMP. A equipe do programa ainda participa do Comitê Estadual Interinstitucional de Monitoramento da Política Antimanicomial, instituído a partir do advento da Resolução CNJ 487/2024.