Defensoria Pública oferece atendimento específico para pessoas com dificuldades de leitura e escrita que buscam assistência jurídica da instituição 04/05/2023 - 16:03
A Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), no seu trabalho cotidiano de ofertar acesso gratuito à justiça, oferece um atendimento ainda mais atencioso a pessoas não alfabetizadas ou com dificuldades de leitura e interpretação. Para fazer com que cada usuário(a) entenda seu processo e como resolver sua demanda, a instituição estabeleceu diretrizes que determinam uma assistência específica e humanizada a esse público, que envolvem, por exemplo, apenas comunicação por voz, técnicas específicas de entrevista e recursos multimídia que levam em conta as especificidades e histórias de vida de cada pessoa.
O primeiro atendimento - ou seja, o primeiro contato com os serviços e equipes da instituião - para pessoas que possuem algum tipo de dificuldade com a comunicação escrita é pensado para não constranger e não provocar qualquer tipo de afastamento da população, o que cabaria por impedir um real acesso à justiça. A Sede Central da Defensoria, em Curitiba, que recebe o maior contingente de usuários(as) em todo o estado, busca organizar internamente o seu atendimento para logo identificar a presença de uma pessoa não alfabetizada e assim atendê-la de acordo com sua especificidade. Caso o cidadão ou a cidadã sinalize que possui dificuldades com leitura já na portaria, profissionais terceirizados(as) que trabalham na recepção adicionam uma observação no documento de liberação do atendimento para que os(as) responsáveis por atender ao público saibam previamente da condição. Então, no momento de receber o atendimento em um dos guichês, a pessoa é chamada também por voz, e não apenas por meio do painel eletrônico.
Quando a televisão que exibe as senhas dos atendimentos anuncia um(a) novo(a) usuário(a) e ninguém se manifesta, explica a assessora jurídica Mariana Moyme Larla De Almeida Boza, os(as) servidores(as) chamam a pessoa por voz, já que pode se tratar de alguém sem letramento que não informou sua condição à recepção por vergonha ou algum outro motivo. "Muitos documentos que pedimos [para fazer a triagem socioeconômica] trazem a informação sobre o letramento, caso a pessoa não seja alfabetizada. Se constatarmos essa condição em algum momento, começamos a dar mais atenção ainda para as explicações sobre o que a pessoa está assinando, a função de determinado documento, perguntamos se ela deseja que a gente leia para ela, se ela prefere levar a documentação para alguma pessoa de confiança conferir", comenta a assessora jurídica, que atua no Centro Estadual de Atendimento Multidisciplinar (CEAM), responsável pelo 1.° atendimento. O(a) usuário(a) também pode utilizar somente o dedo, ao invés da escrita, para fornecer as assinaturas necessárias.
Já na Sede de Ponta Grossa, nos Campos Gerais, a equipe tenta verificar logo no primeiro contato com o(a) usuário(a) se é necessário acionar o atendimento multidisciplinar para ajudar a pessoa durante o andamento da demanda. "O primeiro atendimento é realizado pela área jurídica, sempre com muita paciência e respeito, pois sabemos a dificuldade de compreensão quando não se sabe ler e nem escrever, ainda mais quando se trata de termos que até mesmo pessoas letradas não conseguem compreender", explica Ana Paula Costa Gamero Salem, defensora pública da cidade.
Os documentos exigidos pela Defensoria Pública para poder realizar o serviço, como declaração de hipossuficiência, rendimento de profissional autônomo ou ausência de renda, podem ser preenchidos pelo(a) atendente com a autorização e o acompanhamento do(a) usuário(a). A equipe da DPE-PR sempre fornece todas as explicações necessárias para que a pessoa compreenda como os documentos serão utilizados para a resolução do problema, seja pela via judicial ou extrajudicial.
A assessora jurídica Mariana Boza explica que há um posicionamento dentro das equipes que atuam na instituição sobre a necessidade de que os(as) profissionais tenham um olhar sensível e humanizado para a história de vida e a situação de hipervulnerabilidade do público-alvo da Defensoria. Segundo ela, "essa questão é trazida já durante o processo seletivo para a contratação de novos colaboradores e colaboradoras. Quando estagiários, por exemplo, que são muitas vezes responsáveis pelo primeiro atendimento, trazem dúvidas sobre como orientar pessoas não alfabetizadas ou com dificuldades de leitura, nós abordamos como isso deve ser feito e por quê, justamente para tentar manter a qualidade de uma equipe alinhada com esse tipo de procedimento".
"Temos muitos usuários que são alfabetizados, mas que têm severas dificuldades de compreensão das orientações. Então, tanto nesses casos quanto no caso de pessoas não alfabetizadas, é necessário haver um cuidado maior no atendimento", comenta Patrícia Rodrigues Mendes, defensora pública e coordenadora do CEAM. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019 mostram que a população paranaense sem nenhum letramento com 15 anos ou mais de idade corresponde a 4,1% da população total. Proporcionalmente, o Paraná atinge quase a soma da porcentagem de pessoas não alfabetizadas dos estados de Santa Catarina (2,1%) e Rio Grande do Sul (2,4%).
O que acontece quando o atendimento é negado?
Caso a pessoa não alfabetizada tenha o atendimento negado, um(a) assistente social da equipe entra em contato e orienta diretamente a pessoa a respeito dos documentos e informações que devem constar do recurso, que é previsto em normativa da instituição, e que dá à pessoa a oportunidade de contestar a negativa de atendimento. "Via de regra, a orientação dos(as) usuários(as) sobre a apresentação de recursos é feita remotamente, por telefone ou e-mail. No caso da pessoa não alfabetizada, a orientação é feita presencialmente, logo após o atendimento", explica a defensora pública.
Essa especificação é assegurada pelo artigo 12 da Deliberação 42 do Conselho Superior da Defensoria Pública do Paraná, de 15 de dezembro de 2017. A normativa instituiu uma diretriz específica para oferecer um melhor atendimento a pessoas com dificuldades de leitura e interpretação. "Nos casos em que o interessado não for alfabetizado, ou manifestar qualquer outro tipo de dificuldade para redigir o recurso, deverão ser tomadas por termo as razões recursais", estabelece o artigo. Isso quer dizer que um(a) servidor(a) da Defensoria é quem fica responsável por produzir o recurso. Segundo Mendes, a equipe da DPE-PR conversa com a pessoa atendida para buscar transmitir, da melhor forma possível, a sua reivindicação, bem como para adicionar documentos que possam justificar o recebimento da assistência jurídica gratuita.
A assistente social Maria Isabel Pierin Pacheco, que atua na Sede Central da Defensoria, explica que a situação da(o) usuária(o) deve ser considerada no momento do atendimento para se oferecer um resultado satisfatório. No caso de pessoas sem letramento, por exemplo, muitas vezes são gravados áudios no celular da pessoa para que ela também possa consultar essas informações depois.
De acordo com Pacheco, durante a produção do recurso são aplicadas entrevistas semi-estruturadas com a pessoa que teve seu atendimento negado. É uma técnica específica que busca melhorar a comunicação entre usuário(a) e assistente social. "A vulnerabilidade social se constitui por meio de muitos fatores, e precisamos considerar cada uma delas. As pessoas sem letramento são sempre muito solícitas e ficam agradecidas pelas instruções detalhadas que enviamos", comenta ela.
Explicação do "juridiquês"
Aumentar o acesso à Justiça está diretamente relacionado a tornar mais simples a comunicação com os(as) usuários(as), principalmente quando ela envolve termos jurídicos desconhecidos da população em geral - o chamado "juridiquês". Uma das atribuições da DPE-PR é promover a educação em direitos, função que ganha ainda mais importância quando se trata de pessoas em vulnerabilidade. No caso de cidadãos(ãs) não alfabetizados(as), o CEAM lhes dedica especial atenção na hora de simplificar as palavras usadas no sistema de Justiça.
Como explica a defensora pública que coordena o CEAM, uma série de termos utilizados durante as orientações pode dificultar o entendimento pleno de quem recebe a assistência. "Audiência pode ser traduzida como o momento em que as partes do processo vão ter a oportunidade de falar com o Poder Judiciário. Quando falamos de intimação, explicamos que é uma cartinha que chega na casa da pessoa. Sentença, por sua vez, é explicada como uma decisão a respeito do que foi pedido no processo", exemplifica ela.
A defensora afirma também que oferecer assistência humanizada é um jeito de superar as barreiras que impedem uma grande parcela da população de reivindicar seus direitos. "O atendimento diferenciado para esse público é fundamental para que o acesso à Justiça se dê de forma integral, a partir da compreensão a respeito das orientações e das fases dos procedimentos judiciais e extrajudiciais, compreensão que é viabilizada por esse atendimento mais cuidadoso e específico", conclui.
A DPE-PR recomenda que pessoas não alfabetizadas, quando possível, busquem os serviços jurídicos acompanhadas de alguém de confiança que possa ajudar com a entrega e o preenchimento da documentação necessária. De toda forma, mesmo que sozinha, ela será bem atendida e terá toda a assistência a que tem direito.