DPE-PR obtém êxito ao levar discussão sobre busca domiciliar ilegal por policiais ao STJ 05/07/2022 - 12:19

O artigo 5.º da Constituição Federal (CF) do Brasil, em seu inciso XI, garante que a residência de qualquer pessoa é inviolável, e que ninguém pode entrar no local sem consentimento do(a) morador(a), exceção feita em caso de flagrante delito, desastre, para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Em defesa dessa garantia, o órgão da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) que atua perante o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) – chamado de Defensoria Pública de Classe Especial – tem obtido êxito em casos de buscas domiciliares injustificadas feitas pela polícia no estado. E os tribunais superiores no Brasil têm, ao longo dos últimos anos, decidido pela nulidade de provas obtidas após buscas feitas em residências sem que houvesse justa causa para essas buscas.

A jurisprudência relacionada ao tema ampara o preceito, pois qualquer outra situação que não sejam as descritas na CF precisa ser claramente justificada pelas forças de segurança pública ou, então, deve ser comprovado o consentimento do(a) morador(a) para a entrada no domicílio. De acordo com o Defensor Público Evandro Rocha Satiro, que atua no órgão de Classe Especial, respeitar essa garantia constitucional não apenas evita ou diminui as chances de que um cidadão ou cidadã seja vítima de abuso de autoridade ou de injusta acusação, mas também assegura que o trabalho policial prospere na Justiça e não venha a ser alvo de uma nulidade. 

“É muito comum, infelizmente, acontecer busca domiciliar sem justa causa, ou uma pessoa ser abordada na rua e ser levada ao seu domicílio sem que haja um mandado de busca [no domicílio], e sem que esteja ocorrendo um flagrante delito [na residência] naquele momento. Esses casos são tão comuns que o STJ tem firmado decisões recentes sobre a necessidade de as atuações policiais acontecerem com bodycam [câmeras acopladas ao uniforme do agente] para que haja segurança para o cidadão e para o próprio policial”, explica o Defensor. 

Nos dois últimos meses, recursos impetrados pela Defensoria obtiveram sucesso no STJ em dois casos ocorridos no interior do estado de busca domiciliar injustificada feita por policiais, no caso, em União da Vitória e em Umuarama. 

Na decisão de maio, o Ministro Olindo Menezes reconheceu a ilicitude de provas coletadas dentro da residência de um usuário da DPE-PR, morador do bairro Rocio, em União da Vitória. Em março de 2020, os policiais entraram na residência após uma “denúncia anônima” que indicou o local como ponto de venda de drogas. Ao chegarem ao endereço, os policiais abordaram três homens que saíam da casa. Um deles levava consigo 13 gramas de maconha, e o outro, um grama de cocaína. Essa situação acabou reforçando a intenção dos policiais de entrar na residência do homem e, sem o consentimento dele, ambos realizaram uma busca na casa. 

No local, foram encontrados 6 gramas de cocaína, que o morador da residência alegou ser para seu consumo pessoal. O Ministério Público do Paraná denunciou o homem por tráfico de drogas, mas a denúncia foi rejeitada em primeiro grau. O MPPR recorreu da decisão, e o recurso foi acolhido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR). A Defensoria de Classe Especial então recorreu ao STJ.

Ao decidir, o ministro do STJ entendeu que as provas que embasaram a acusação foram coletadas por meio de uma busca ilegal. “Destaque-se, quanto ao ingresso no domicílio, que não há registro do consentimento do paciente para a realização de busca domiciliar. Ilegítima, portanto, a entrada dos policiais no domicílio indicado, porquanto não demonstrada a existência de elementos concretos que evidenciem a situação de flagrância, tampouco o consentimento do morador quanto ao ingresso”, escreveu o ministro. 

Situação semelhante viveu um usuário da DPE-PR em Umuarama. No começo de junho, o ministro Ribeiro Dantas decidiu que as provas obtidas por meio de uma busca domiciliar ilegal fossem excluídas do caso. O juízo de primeiro grau reconheceu a ilegalidade da busca domiciliar e concedeu Habeas Corpus, relaxando a prisão do homem. O MP-PR, impetrou um recurso e o TJPR, embora tenha reconhecido a ilegalidade das buscas, entendeu haver requisitos para a prisão preventiva. A DPE-PR novamente recorreu ao STJ. 

“Embora os agentes tenham apreendido uma porção de crack na busca pessoal realizada, segundo o entendimento do STJ, a apreensão de pequena quantidade de droga com o indivíduo em via pública não configura, por si só, fundadas razões para o ingresso no domicílio”, argumentou o ministro. No caso específico, o homem teria assinado, de acordo com as alegações dos policiais, uma autorização para ingresso na casa, mas, segundo o ministro, não ficou esclarecido se a autorização ocorreu livremente e “sem vício de consentimento”. Foram localizados 10 gramas de crack em uma bananeira no quintal da casa e 4,3 gramas de maconha em uma estante dentro da residência. O homem negou ser traficante e afirmou ser usuário. 

Para Satiro, a posição dos tribunais superiores de respeito a essa garantia tem sido fundamental, e deve ser instrumentalizada para reforçar a necessidade da atuação policial em conformidade com a legislação. “O ingresso forçado no local só pode ocorrer com mandado de busca e apreensão, ou quando houver “fundadas razões” de que está ocorrendo um delito em flagrante. É como dizem: ‘os fins não justificam os meios’. Ou seja, se a apreensão de drogas ilícitas foi realizada por meio de outra ilegalidade, não podemos simplesmente desconsiderar tal meio para fins de condenar algum agente com o uso de provas ilícitas”, ressalta o defensor. 

A Sexta Turma do STJ decidiu, no ano passado, que os agentes policiais, caso precisem entrar em uma residência para investigar a ocorrência de um crime, mas não possuam mandado judicial para a ação, devem registrar a autorização do morador em vídeo e áudio, como forma de não deixar dúvidas sobre o seu consentimento. 

STF 

Em maio de 2016, o Supremo Tribunal Federal definiu, por meio de repercussão geral, que o ingresso forçado no domicílio sem mandado judicial em qualquer hora do dia, é legítimo apenas quando amparado “em fundadas razões”, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso, que indiquem claramente estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito.

 

 

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