DPE-PR encerra Curso de Formação sobre os 200 anos do Tribunal do Júri com "júri simulado" em Curitiba 29/08/2022 - 09:18

Dois homens foram absolvidos e um homem foi condenado por lesão corporal seguida de morte após quase 12 horas de julgamento pelo Tribunal do Júri de Curitiba. Os três eram acusados de matar quatro pessoas em um incêndio proposital na região da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), em 2012. Entre os absolvidos está um usuário da Defensoria Pública do  Estado do Paraná (DPE-PR). Os(as) jurados(as) entenderam que não havia provas suficientes para condenar o réu defendido pela Defensoria.

O trecho acima poderia ser o resultado de um julgamento real feito pelo Tribunal do Júri de Curitiba, mas foi o encerramento do Curso de Formação "Democratizando a Defesa nos 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil", que terminou com um júri simulado aberto ao público. A sessão foi presidida pela juíza-presidenta da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Curitiba, Mychelle Pacheco Cintra Stadler, e contou com a presença de alunos e alunas do curso no papel de acusação, defesa pela advocacia privada e pela Defensoria Pública do Paraná (DPE-PR). O curso é uma parceria entre a DPE-PR e o Curso Prático Tribunal do Júri Samuel Rangel. A sessão aconteceu no Prédio Histórico do Tribunal do Júri de Curitiba, no Centro Cívico.

Alunos e alunas também puderam participar como testemunhas arroladas no processo. “Os alunos puderam vir ao ‘Maracanã’ do Juri do Paraná e fazer o júri com um caso real, o que materializa toda a teoria que foi vista no curso. Os debate foram acirrados. Houve questões de ordem e uma discussão acalorada. Foi um clima de júri real”, afirma um dos organizadores do curso, o defensor público Wisley Rodrigo dos Santos, que atua na 2ª Vara do Tribunal do Júri de Curitiba.

Toda a simulação seguiu os trâmites exatos de um julgamento real, com sorteio dos jurados, abertura da sessão, depoimento de testemunhas de acusação e de defesa, alegações finais e deliberação dos jurados e juradas.

“Foi uma oportunidade de manter um diálogo constante dentro da instituição entre estagiários(as), servidores(as) e defensores(as) sobre a atuação institucional da Defensoria no júri. A atuação no júri pela Defensoria, seja em Curitiba ou no interior, tem que ser a mesma, porque não é uma defesa pessoal, é uma defesa institucional. E a nossa defesa é regida pela Lei Orgânica da DPE-PR como parâmetro de qualidade para a defesa dos direitos dos assistidos e assistidas”, explica Santos. 

Na avaliação dele, o contato com a advocacia criminal no júri simulado também ajudará no trabalho da Defensoria. “Nesse contato mais estreito, pudemos verificar mais uma vez como eles pensam, como atuam e isso é importante para ver o que das técnicas defensivas da advocacia pode ser aplicada nas nossas defesas”, lembra. 

Pela advocacia, o júri simulado contou também com a orientação do advogado Samuel Rangel, coordenador do CPT Júri. A capacitação proporcionou de forma gratuita aulas práticas e teóricas sobre a atuação no júri para estagiários(as) e servidores(as) da DPE-PR e também para estudantes de Direito e advogados(as) hipossuficientes, ou seja, pessoas que não possuem condições de pagar por tais cursos. 

“Temos uma instituição maravilhosa e consagrada, que é o Tribunal do Júri, que tem o princípio importante da oralidade [o processo se desenvolve por meio de debate orais]. Tudo isso gera dificuldades para quem acaba de sair da faculdade e não exerceu suficientemente a oralidade, o discurso. Vemos pessoas com grande capacidade técnica que chegam nao juri e se sentem acanhadas, com dificuldade de falar em público, e acabam sendo prejudicadas. Os alunos e alunas do curso, então, são submetidas aos rigores do Tribunal do Júri, e nós aditantamos problemas reais para que saibam administrar a dificuldade que o juri propõe”, comenta Rangel. Segundo ele, o papel da Defensoria tem sido fundamental na garantia de direitos dos réus que são julgados pelo Tribunal do Júri.

O defensor público Vitor Eduardo Tavares de Oliveira, que também atua no júri em Curitiba, explica que a educação em direitos é um papel relevante da instituição, e que o curso faz parte desta missão. “É um curso importante e gratuito que atende advogados e advogadas de baixa renda e também os servidores e servidoras da Defensoria que atuam no tribunal do júri. É uma forma de troca de conhecimento. Mostra o trabalho da Defensoria Pública, que é diferente da advocacia privada”, diz. 

Na avaliação da magistrada Mychelle Stadler, o trabalho desempenhado no júri simulado e o curso de capacitação fazem com que profissionais da área possam atuar com ainda mais qualidade nos processos e na tribuna. Segundo ela, o júri tem características particulares e exige uma atuação específica. 

“O curso tem uma importância muito grande, considerando-se que a maioria dos processos precisa de advogados dativos ou da Defensoria Pública. E o plenário, o julgamento perante o Tribunal do Júri, é diferente. O cidadão e a cidadão serão o juiz e a juíza. O Tribunal do Júri tem um rito específico, solene, e o cidadão chega ao plenário, precisa ser acolhido e precisa entender o que vai julgar. Por isso, precisamos do Ministério Público de um lado, como órgão acusador, e do outro lado, o defensor ou defensora preparada, também, para realizar seu papel de forma plena”, afirma a magistrada. De acordo com ela, comemorar os 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil é simbólico. “Trata-se de uma instituiçao com papel fundamental, que tem uma base histórica importante. Para nós, é uma alegria [participar deste momento], e ainda com muito mais compromisso e dedicação para cumprir a nossa missão de forma eficiente”, disse. 

Para o assessor jurídico da Defensoria em Francisco Beltrão, Dieikson Braian Ribeiro, a participação no curso e no júri simulado causará um impacto importante no desenvolvimento de seu trabalho. “Um dos pontos mais importantes foi o convívio que eu tive [com as pessoas que fizeram parte do curso] e a aprendizagem coletiva com outros servidores e servidoras da DPE-PR. Eu sou assessor do defensor público Pedro Martins, o único com atribuição criminal na cidade. Não temos outros colegas lá para dialogar sobre a atuação da Defensoria nos processos criminais”, comenta. 

Na avaliação dele, embora a instituição seja jovem, que recém completou 11 anos, já possui uma grande experiência no Tribunal do Júri em Curitiba. Então, vir aqui conversar, ver como é o trabalho da Defensoria no júri, receber dicas, é muito bom. Consegui ver na prática como a atuação de uma defesa institucionalizada é estruturada. Foi importante para eu ter uma noção maior da atuação da Defensoria”, afirma Ribeiro.

 

O que disseram os(as) participantes do curso:

 

“O que me trouxe ao curso foi o fato de que já fiz alguns júris e, por mais que tenhamos conhecimento, falta um pouco de técnica. Esse curso me trouxe muita técnica, sobre como conduzir, sustentação, os passos que devemos seguir. Isso foi de grande valia para mim.  Não tinha essa visão da Defensoria e, através do Defensor Público Wisley Santos, e dos defensores que ali estavam, mudou a forma de eu enxergar a instituição.Há um forte trabalho social que a Defensoria faz. Ela está em busca da promoção da justiça daquela pessoa mais vulnerável” - Antônio Carlos Brustolin, 49 anos, advogado, que atuou no júri simulado como advogado de um dos réus.

 

“Eu advogo faz pouco tempo. Fui à procura do curso para aperfeiçoamento da minha carreira. É uma dinâmica totalmente diferente no júri, que tem especificidades. A Defensoria tem um papel mais institucionalizado, atende as pessoas hipossuficientes. Então, ela tem uma abordagem diferente, mas é muito bom entender também [o funcionamento da Defensoria no júri] porque, muitas vezes, a advocacia privada divide o plenário com a Defensoria, e isso é muito importante para fazer um bom juri, o plenário, a instrução, visando ao melhor para o assistido e para o cliente” - Tharyne Zaltron Ribeiro de Paula, advogada, que também atuou no júri simulado na defesa de um dos réus.
 

“Eu trabalho na Defensoria na Cidade Industrial de Curitiba, na área da Família e Infância, e estou há cerca de dois anos lá. A minha intenção foi ter uma experiencia prática no Tribunal do Júri porque minha atuação foge dessa área e, quando recebi o e-mail institucional divulgando o curso, achei muito importante. Vim para aprender mais sobre como funciona o júri e sobre a visão da instituição Defensoria no júri, até porque quero um dia ser defensora” - Ana Beatriz Leal, assessora jurídica da Defensoria no Fórum Descentralizado da CIC, também autou na defesa de um dos réus no júri simulado.
 

“Nunca pensei em fazer outra coisa que não fosse advogar ou ser defensora. Eu tenho essa paixão pela defesa, e sei que é muito difícil [exercer a defesa]. A Defensoria tem um lugar de fala muito grande, está como órgão público na defesa daqueles e daquelas que não têm como se defender. É um trabalho importante na medida em que você oferece a uma pessoa a oportunidade de ser muito bem defendida. Desde que eu me formei, trabalho na advocacia criminal". Como mulher, a gente não gosta de olhar um crime desse (a suposta motivação para o crime foi uma vingança contra um homem que teria violentado a irmã de um dos réus) porque toca diretamente em tudo que precisamos mudar na sociedade” - Jéssica Vescovini, advogada, atuou no júri simulado como assistente de acusação.
 

“O jurado vem participar, em tese, como um juiz, mas vem com o senso comum, não tem o conhecimento técnico para realizar o julgamento. Ele vem com a importância de expressar o que a sociedade gostaria que acontecesse com aquele pessoa que, em tese, cometeu o crime. Estou muito orgulhosa, é uma turma de bolsistas, muitos advogados e advogadas não teriam como fazer o curso [sem a bolsa]. Eu vim para participar e para prestigiar” - Fabiane Pilaty, advogada, foi jurada no júri simulado

 

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