Conheça o trabalho da DPE-PR no fortalecimento das audiências de custódia 13/10/2022 - 15:18

O Paraná é o segundo estado do país que mais realizou audiências de custódia desde fevereiro de 2015, ano em que o instrumento foi implementado. Do total de 1,02 milhão de audiências ocorridas no Brasil entre 2015 e 26 de setembro de 2022, 9,4% foram no estado. O dado é do Sistema de Audiência de Custódia (Sistac) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Paraná fica atrás apenas de São Paulo, que responde por 18,8% das audiências ocorridas no Brasil neste período.
A Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) tem também grande participação na efetivação desse direito. A instituição já participou de mais de 17 mil audiências de custódia em todo estado desde aquele ano. As audiências de custódia devem acontecer até 24 horas após uma prisão em flagrante delito, e realizadas na presença de um(a) juiz(a), de um(a) representante do Ministério Público e de um(a) advogado(a) ou defensor(a) público(a).
“As audiências desestimulam a violação de direitos dos presos no processo da prisão, como a violência policial gratuita, já que [a possível ocorrência dessa violência] será apurada durante a realização de um ato presencial [na audiência]. Além disso, elas evitam também a privação da liberdade de forma injustificada”, explica o defensor público designado para atuar nas audiências de custódia de Curitiba, Tiago Bertão.
De acordo com os dados do CNJ, durante as audiências de custódia do Paraná realizadas neste período de mais de sete anos, relatos de tortura ou maus tratos correspondem a 4,5% do total. A prisão preventiva foi decretada em 63% das audiências, e a liberdade provisória foi concedida nos 37% de casos restantes. No cenário nacional, 60% de audiências resultam em prisão preventiva, e 40% em liberdade provisória.
Para o defensor público Cauê Freire Ribeiro, que atua em Umuarama nas áreas Criminal e Execução Penal, uma das explicações para o Paraná ser o segundo estado onde foram realizadas mais audiências é que, por esta ser uma bandeira do CNJ e do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), houve um comprometimento grande do sistema de justiça em alavancar o projeto, e isso gerou um efeito cascata, fazendo com que todos(as) os(as) envolvidos(as) acabem encampando a bandeira das audiências de custódia.
“Na minha avaliação, o projeto de audiências de custódia tem hoje uma relevância fundamental na defesa dos direitos humanos por parte do sistema de Justiça, inclusive, com participação efetiva da Defensoria Pública. Uma das hipóteses que posso citar para essa consolidação das audiências no estado é que o projeto é uma bandeira do CNJ e do TJ-PR, o que fez com que muitos(as) magistrados(as) se comprometessem com o projeto. Porém, ainda é necessário que a cultura da audiência de custódia seja ainda mais fortalecida”, afirma.
Segundo ele, a audiência de custódia é uma medida essencial. “Ela é o primeiro contato entre quem acabou de ser preso (em flagrante ou em razão de cumprimento de um mandado de prisão) e um(a) juiz(a) um(a) promotor(a) e um(a) defensor(a) público(a). Nesse primeiro momento, que deve ser realizado em até 24 horas após a prisão, o principal foco é saber se houve alguma forma de violência policial na detenção da pessoa custodiada”, comenta. O defensor ainda lembra que esse momento está profundamente ligado à defesa dos direitos humanos. Por isso, é necessário que a audiência seja presencial. “Relatos de tortura, maus tratos e humilhações, infelizmente, são comuns, e por meio dessa informação o Estado pode separar os policiais que servem ao povo e os torturadores fardados, dispensáveis em um Estado Democrático de Direito”, ressalta.
Ele ressaltou ainda que a audiência de custódia também colabora para o desencarceramento, já que a Justiça avalia se a prisão daquela pessoa durante o curso do processo se faz necessária ou não. “Por isso, a audiência de custódia que, repita-se, deve ser sempre presencial, porque tortura não se vê pela TV, é um instrumento essencial para o combate à violência policial e à superlotação carcerária”, conclui.
Justiça
Para a juíza titular do Centro de Audiências de Custódia de Curitiba, Ana Carolina Bartolomei Ramos, um dos motivos de o Paraná ser o estado com mais audiências realizadas é o esforço do sistema de justiça em estruturar e consolidar o instrumento como uma política pública.
“O Paraná tem feito um esforço junto com a Central de Medidas Socialmente Úteis (CENSU) [para consolidar essa política criminal]. Há equipe técnica que realiza a pré-custódia e [elabora] o relatório psicossocial dos custodiados que eu recebo antes de realizar as audiências de custódia. É um projeto da 2ª vice-presidência, quando o atual presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, desembargador José Laurindo de Souza Netto, era o 2.º Vice-Presidente, e que agora continua. Então, nós temos feito um esforço muito grande para implementar e capacitar os juízes”, explica a magistrada.
De acordo com ela, o suporte do CNJ para a implementação das audiências também sempre foi muito importante. “O CNJ fez um trabalho dedicado às audiências de custódia via Departamento de Monitoração e Fiscalização Carcerária (DMF), junto com o Grupo de Monitoramento e Fiscalização Carcerária do TJ-PR (GMF-PR), que sempre atuou junto com uma consultora de custódia que é cedida pelo programa 'Fazendo Justiça'. Eles trabalham junto conosco pra fazer com que as custódias sejam realizadas. Isso ajuda bastante”, conta.
O alto número de audiências é muito positivo não só para o custodiado, mas também para o Estado. Antes da implementação das audiências, a taxa nacional de prisões provisórias era uma das mais altas do mundo, o que gera um custo mensal de cerca de R$3 mil por preso no Brasil, em média. Segundo a magistrada, desde 2015, o Tribunal de Justiça do Paraná regulamentou e implantou a Central de Custódias de Curitiba, contribuindo para o seu fortalecimento. “O TJPR também determinou que o interior passasse a fazer audiências de custódia. Com a Central, logo também começaram os plantões”, comenta ela.
Em razão da pandemia, as audiências de forma presencial foram suspensas, porém, em abril de 2021, retornaram de forma virtual. Após quase dois anos sem o contato presencial com as pessoas privadas de liberdade, as audiências presenciais foram retomadas em fevereiro de 2022. "É muito melhor [que haja audiência presencial], por conta da possibilidade de conversar com os custodiados”, aponta Bertão sobre a volta da realização das audiências de forma presencial neste ano.
Projeto quer limitar audiências de custódia
Apesar da importância das audiências para impedir violações de Direitos Humanos, um projeto de lei em tramitação no Senado Federal tem causado polêmica sobre o tema. De autoria do senador Angelo Coronel (PSD-BA), o projeto de Lei n.° 1286/2022 tem como objetivo proibir que presos reincidentes ou com histórico de mau comportamento possam ter direito a uma audiência de custódia.
De acordo com o defensor público Tiago Bertão, em uma primeira análise, o projeto é inconstitucional. Segundo ele, a realização de audiências de custódia é fundamental e independe da situação do acusado. “Mesmo a pessoa reincidente ou que possua diversas anotações criminais anteriores deve ser levada à presença de um(a) juiz(a) para verificar se a prisão ocorreu de forma regular, observando-se os direitos fundamentais do(a) preso(a)”, reforça.
Outros instrumentos utilizados para a garantia dos direitos individuais das pessoas privadas de liberdade não podem substituir as audiências. Câmeras instaladas nos equipamentos dos policiais, por exemplo, devem auxiliar nas análises do caso feitas na própria audiência de custódia. Essa é uma orientação do Superior Tribunal de Justiça para casos em que possa haver discordâncias entre a versão dada pelo custodiado e pelos policiais no momento da prisão.
A medida já foi recomendada em abril deste ano ao Governo do Estado pela Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), em uma carta que também foi assinada pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR), Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Além do uso de câmeras e gravadores, foi pedido que os policiais passassem por um curso de instrução sobre direitos humanos.