Conheça a atuação da DPE-PR no combate à tortura dentro das unidades prisionais do estado 26/06/2022 - 09:33

O Artigo 5.° da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que “ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a tortura é crime, uma violação gravíssima aos direitos humanos. O Brasil é signatário de diversas convenções e tratados internacionais que proíbem expressamente essa prática que, no entanto, ainda está presente no cotidiano da população, principalmente daqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Casos recentes, como o de Genivaldo de Jesus Santos, que está sendo discutido como um caso de tortura após sua morte por asfixia no porta-malas de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal no estado de Sergipe, demonstram que ainda há um longo caminho para se garantir plenamente esse direito fundamental em nosso país.

E nas cadeias e penitenciárias de todo o Brasil, a história se repete. Em setembro do ano passado, o Subcomitê da Organização das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura criticou o país pelas medidas insuficientes tomadas para acabar com a superlotação e a violência no sistema penitenciário, onde a tortura, segundo o Subcomitê, é um problema "sistêmico e estrutural". 

No Paraná, o Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) tem realizado esforços para combater essa prática, ao receber e dar os encaminhamentos necessários às denúncias de tortura supostamente perpetrada por agentes estatais de segurança pública dentro e fora do cárcere, além de acompanhar o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) em inspeções realizadas em unidades penais da região metropolitana de Curitiba e no litoral do estado. 

E como funciona essa atuação?

"Colhemos o máximo que temos de informações sobre essas denúncias, como requisição de exames de corpo de delito e imagens de câmeras, e acionamos os órgãos competentes para a responsabilização desses agentes de segurança. Além da responsabilidade [administrativa e/ou criminal], quando cabível, buscamos a reparação civil dos danos decorrentes dessas violações", explica a Coordenadora do Núcleo, Defensora Pública Andreza Lima de Menezes. Ela destaca que, de acordo com a lei, a tortura não se dá apenas por agressões físicas ou ameaças que causem sofrimento físico e mental. “No caso das pessoas privadas de liberdade, a submissão a esse sofrimento pode se dar pela prática de qualquer ato não previsto legalmente ou não resultante de medida legal”.

Falta de colchões, de produtos de higiene básica, de água aquecida para o banho e de itens de vestuário e de cobertores para suportar as baixas temperaturas do inverno são exemplos destas violações. “As pessoas com quem conversamos relataram não ter banho de sol há vários meses, ficam 24 horas por dia dentro das celas já superlotadas. Houve relatos graves de tortura psicológica, de agressão e sanções coletivas [a lei permite apenas sanções individuais]”, conta a Assessora Jurídica do NUPEP Anna Ashley Delima, que em maio acompanhou o MNPCT em algumas inspeções. 

Ela reitera que o tratamento a que são submetidas essas pessoas também é tortura. “Nos termos da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, ‘tortura’ é considerada qualquer ato pelo qual uma violenta dor ou sofrimento, físico ou mental, é infligido intencionalmente a uma pessoa. A submissão de pessoas sob custódia a condições subumanas, à violência e à negligência configura tortura perpetrada e tolerada pelo Estado”, afirma. 

A inspeção realizada pelo MNPCT teve como objetivo verificar situações de tortura que vão desde denúncias de violências praticadas por agentes públicos até a negligência e omissão do Estado em fornecer condições mínimas de vivência nestes locais. A partir do relatório que o MNPCT ainda irá elaborar, o NUPEP promoverá as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis para que as violações cessem, e exigirá das autoridades ações efetivas, como explica a assessora do Núcleo:

“O NUPEP atua prezando pelo diálogo e promoção de soluções conjuntas com a administração penitenciária, através da expedição de recomendações às unidades e ao Departamento de Polícia Penal (DEPPEN). Em casos mais graves, são promovidas ações judiciais de pedido de interdição [da unidade] ou outras providências, a depender do caso. No caso de denúncias de violência contra pessoas privadas de liberdade, o NUPEP provoca a Corregedoria do DEPPEN ou das Polícias Militar ou Civil, e também o Ministério Público e o Judiciário para promover a investigação e responsabilização dos autores e prestar assistência jurídica às vítimas. O combate à tortura, mais do que pela atuação judicial, deve ser feito através da prevenção, e por isso o NUPEP atua cotidianamente na proposição de medidas que possam auxiliar nessa missão, tais como o uso de bodycams [câmeras atreladas ao uniforme] por policiais e a ampliação da formação em direitos humanos nos cursos das carreiras da segurança pública”.

Para a coordenadora do NUPEP, a atuação da Defensoria Pública no combate à tortura faz parte do dever constitucional de promoção dos direitos humanos atribuído à instituição, que tem papel fundamental para a afirmação da Democracia. “Vamos continuar trabalhando nas inspeções das unidades em que há pessoas privadas de liberdade e aprimorando nossos canais de escuta quanto às notícias de violação de direitos humanos por parte das agências de segurança pública do Estado. Contamos também com a sociedade civil organizada para nos auxiliar nesse papel”, conclui Andreza Menezes.

Unidades penais que foram inspecionadas pelo MNPCT - Complexo Médico Penal de Pinhais, Cadeia Pública de Paranaguá, Delegacia Cidadã de Paranaguá, Cadeia Pública de Curitiba, Centro de Triagem 1 da Polícia Civil, 1ª Delegacia Regional São José dos Pinhais, Penitenciária Feminina do Paraná (PFP), Casa de Custódia de Piraquara (CCP) e CENSE São Francisco em Piraquara. A DPE-PR participou das inspeções na Casa de Custódia de Piraquara (CCP) e na Penitenciária Feminina do Paraná (PFP). 

As inspeções foram acompanhadas, também, por representantes da Frente Estadual pelo Desencarceramento do Paraná, da Pastoral Carcerária de Curitiba, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Paraná (PRDC-PR) , do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), e da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (ALEP). 

Para saber mais - O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, instituído pela Lei n.º 12.847/2013 e regulamentado pelo Decreto n.º 8.154/2013, que conta, ainda, com um Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O MNPCT é composto por 11 peritos(as), que realizam inspeções em unidades de privação de liberdade e, caso constatem violações, elaboram relatórios com recomendações às autoridades competentes.

Além da lei e do decreto do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o Decreto n.º 678/1992, que promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), e a Lei 9.455/ 1997, que define os crimes de tortura, são importantes instrumentos para a defesa da população brasileira contra esse crime.

Onde denunciar - Além do próprio Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP) da Defensoria Pública, as denúncias de casos de tortura podem ser encaminhadas ao Ministério Público – a depender do caso, para o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), para o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP) ou para as Promotorias Criminais.

Também é possível realizar a denúncia através do Disque 100, serviço nacional que recebe, analisa e encaminha denúncias de violações aos direitos humanos. Basta discar 100 em telefone fixo ou móvel, sem custo algum. O serviço funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados.

 

 

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