Com a palavra, a Defensoria: Entrevista com a psicóloga Alysha Carolyna Rocha de Oliveira 26/09/2025 - 13:57
Desde o nascimento, a vida de Alysha Carolyna Rocha de Oliveira, 34, é marcada pela superação. Uma complicação durante o parto ocasionou uma hemiparesia que comprometeu os movimentos do seu lado esquerdo. “Convivi a vida inteira com a deficiência”, conta ela. Essa jornada moldou a profissional que, há dez anos, se tornaria a primeira psicóloga nomeada para o quadro da Defensoria Pública do Paraná (DPE-PR).
Sua experiência de vida a levou à Psicologia e, dentro da DPE-PR, a se tornar uma referência na sensível área do Direito de Família. Na conversa a seguir, Alysha detalha sua atuação em diversas frentes, explica como se tornou a única mediadora judicial da sede e compartilha sua grande paixão por viajar.
A psicóloga também fala sobre sua trajetória, os desafios de construir um serviço do zero e sua experiência como pessoa com deficiência. E, ainda, ensina porque seu nome não se pronuncia “Alíxa”. Confira!
Você fez o concurso para a região de Londrina? Você é daqui?
Eu sou de Bandeirantes, perto de Cornélio Procópio. Vim para Londrina para fazer faculdade, acabei me casando e ficando por aqui, por isso fiz o concurso para esta região. Quando entrei, a sede ainda era na Rua Brasil, e a atuação era focada em execução penal e infância infracional, se não me engano. Comecei atuando nessas duas áreas. Como fui a primeira psicóloga a ser nomeada, foi todo um trabalho de construção do zero. Quando cheguei, pensei: "Meu Deus, o que eu vou fazer?". Os próprios defensores começaram a olhar o edital do concurso para entender a função, porque não havia nada definido. Aquele primeiro ano foi de muita construção e aprendizado. Fui até o CRP [Conselho Regional de Psicologia] para verificar qual seria minha atribuição, pois eu sabia que era diferente da dos psicólogos do Judiciário, que atuam como peritos. Nós somos assistentes técnicas.
E como é, na prática, o seu trabalho?
Hoje, sou a única psicóloga da área da Família em Londrina, trabalhando em equipe com o Fábio [Sato] (Infância) e a Kemeli [Pivetta] (Criminal). Minha atuação é ampla: sou assistente técnica, fazendo relatórios e visitas; sou referência na acolhida a mulheres vítimas de violência; e uma das minhas frentes mais importantes é a mediação. Como sou a única na sede com o título, as defensoras do acompanhamento processual pedem para eu adiantar a mediação que aconteceria no Cejusc [Centro Judiciário de Solução de Conflitos]. A agenda deles pode demorar dois ou três meses, e o processo fica parado. Comigo, a espera é de 15 a 20 dias. Eu chamo as duas partes e realizo a mediação dentro do processo. Se sai acordo, ele é juntado aos autos e pedimos o cancelamento da audiência no fórum. Se não sai acordo, eu pergunto às partes se querem tentar uma nova conciliação ou se preferem que o juiz decida. Quase 98% das pessoas não querem passar por outra audiência. Nesse caso, eu junto um termo informando que a tentativa foi infrutífera e, com base nisso, a audiência de conciliação que estava agendada é cancelada, e o processo segue para a fase judicial.
Eu também coordeno o projeto “Defensoria da Comunidade”. Antes da pandemia, nós visitávamos os CRAS de Londrina para realizar o atendimento de forma descentralizada. Com a pandemia, tivemos que pausar, mas eu continuei adaptando o projeto. Agora, eu tenho um telefone institucional e o pessoal da rede entra em contato comigo. Eles me passam a demanda, eu vejo se é da Defensoria e faço o agendamento para o atendimento jurídico. Muitas pessoas não sabem qual atendimento precisam, então eu faço essa organização. Lembro que estava agendado para irmos aos CRAS rurais quando a pandemia chegou. O que fazíamos era exatamente o que os dois últimos mutirões “Defensoria Na Rua” fizeram agora. Retomamos o trabalho presencial de onde paramos.
E você percebe que tentar o acordo e fazer a mediação antes de judicializar um caso é realmente um investimento? Você vê isso acontecer aqui na sede?
Com certeza. Às vezes, o conflito é por algo pequeno. Muitas pessoas chegam aqui discutindo para ver quem vai ficar com a garrafa de café, mas a gente consegue ver que a briga, na verdade, não é pela garrafa, é por algo que está por trás. Eu consigo trabalhar isso na mediação.
A taxa de acordo aqui em Londrina é muito alta, mais de 80% dos casos que chegam para mim terminam em acordo. E mesmo quando não sai um acordo, eu, como psicóloga, vejo um lado positivo. Diferente do Direito, que foca no acordo para ter menos um processo, para mim, o valor está em conseguir trabalhar para que as partes restabeleçam um diálogo mínimo, o que é essencial para criarem os filhos que têm em comum. Desde que começamos, em 2016, já tivemos até casos de pessoas que, durante a mediação, resolveram reatar o casamento. Elas se conciliaram de verdade.
Qualquer pessoa com formação superior pode fazer o curso de mediação, certo? Mas você diria que ter a formação em psicologia é um diferencial?
Exatamente. Qualquer pessoa com formação superior pode fazer o curso, mas vejo que, com a psicologia, consigo utilizar algumas técnicas que aprendi na faculdade. Porém, sempre faço questão de enfatizar para as pessoas: "Neste atendimento, eu não sou psicóloga, sou mediadora". É fundamental deixar claro qual papel estou exercendo.
É um trabalho diferente de quando atuo como psicóloga, o que exige outra preparação. Meus relatórios subsidiam os defensores e, embora nosso laudo seja uma das partes da ação, por uma questão ética, eu apenas descrevo o que avalio. Esse trabalho como psicóloga é uma das minhas frentes, mas hoje a maior demanda vem das mediações, do acolhimento a mulheres vítimas de violência e dos agendamentos que chegam dos CRAS.
E para os casos de mulheres em situação de violência não tem mediação, certo? Como é feito o atendimento?
Não, não tem mediação. Para esses casos, eu faço um atendimento psicológico no formato de acolhida. É um momento em que eu acolho essa mulher, acolho o sofrimento dela. Às vezes, ela está muito nervosa ou só quer conversar. Eu escuto, acolho a demanda e vejo a necessidade de encaminhá-la para o CAM, que é o Centro de Referência e Atendimento à Mulher do município, ou para o CRAS, para verificar se ela tem direito a algum benefício social. É uma forma de acolhimento, porque elas chegam aqui muito vulneráveis. A mediação com mulheres vítimas de violência não acontece. A exceção é muito rara: só ocorre se a própria mulher quiser muito, se não houver medida protetiva e, geralmente, em casos de divórcio sem filhos, quando elas buscam uma resolução rápida. Mas, via de regra, o atendimento é psicológico, não a mediação.
Qual você diria que é a parte mais desafiadora do seu trabalho?
É trabalhar com as situações de mulheres vítimas de violência. Elas chegam muito vulneráveis e, às vezes, estão em um ciclo de ambivalência, querendo sair da situação, mas ao mesmo tempo achando que aquilo é normal. É um atendimento delicado, mas, apesar de ser difícil, é um trabalho que eu gosto muito de fazer. Gosto do meu trabalho na Defensoria, hoje posso dizer que sou realizada aqui. Faço o que gosto, seja no atendimento psicológico, na acolhida a essas mulheres, no contato com a rede ou nas mediações. Gosto especialmente das mediações e conciliações; até brinco que se um dia criassem um núcleo só para isso, eu iria na hora!
Voltando um pouco à sua história, o que te levou a escolher a Psicologia?
No ensino médio, eu fiquei em dúvida entre Direito e Psicologia. Como sou de humanas, gostava das duas áreas, mas a esposa do meu tio, que é psicóloga, me influenciou muito e acabei escolhendo a Psicologia. Logo no primeiro ano, me encantei. Comecei a faculdade na Unip de Assis (SP), mas pedi transferência para a Pitágoras, em Londrina, porque a Unip era muito voltada para a área clínica, e eu sabia que não era o que eu queria. A certeza que eu tinha era a de que não queria ser psicóloga clínica. Meu interesse era a área social ou jurídica. Logo no primeiro semestre, uma matéria sobre as profissões na psicologia me apresentou a área jurídica e eu pensei: "É isso!".
E como você descobriu a Defensoria? Era algo muito novo no Paraná, então mesmo com seu interesse na área jurídica, como ficou sabendo do concurso?
Foi na faculdade, através da minha professora de Psicologia Jurídica. Meu plano inicial era ser psicóloga do Tribunal, então o foco já era estudar para concurso. Eu sempre fui muito focada nisso, na verdade, fui praticamente treinada pela minha mãe. Ela era concursada e sempre me dizia para estudar para ter estabilidade, principalmente por eu ser uma pessoa com deficiência (PCD). Ela se preocupava que eu tivesse essa segurança. Então, desde pequena, antes mesmo de escolher a profissão, eu já fui criada com esse objetivo. Foi nesse contexto que descobri a Defensoria.
Mas você sabia o que era o trabalho da Defensoria na época?
Não, eu não sabia nem o que era. Mas, quando decidi fazer o concurso e fiz a inscrição, comecei a pesquisar para entender. De qualquer forma, a gente aprende mesmo é na prática. A faculdade, em todas as áreas, é muito teórica; você aprende o que vai fazer no dia a dia. Foi assim quando atuei com recrutamento e seleção, e aqui também. E é interessante porque, mesmo hoje, muita gente não sabe o que é a Defensoria. A gente que está aqui dentro acha que todos sabem, mas a verdade é que muitas pessoas ainda não conhecem o nosso trabalho.
E como foi para você conhecer a Defensoria na prática?
Foi encantador. Tão encantador que hoje, quando abre concurso para o Tribunal de Justiça, eu falo: "Não quero". Não quero ser perita. Gosto da área jurídica, mas prefiro prestar concurso para a Defensoria. Eu até brinco que se abrisse um concurso para mediador e conciliador, eu faria. Mas para ser perita, não. Gosto de ser assistente técnica e do trabalho que faço aqui, de levar assistência jurídica e social para as pessoas mais vulneráveis. A gratidão que elas demonstram é imensa. Você vê que está fazendo a diferença na vida de alguém. Lembro de um caso em que atuei, o de uma senhora que não tinha documentos e, por isso, não conseguia tomar a vacina da Covid. Ver essa senhora, depois, com o documento na mão... é muito gratificante. Todo trabalho tem seu ônus e seu bônus, mas esses momentos fazem cada angústia e cada desafio valerem a pena.
E tem essa vantagem de que quem chegou nos primeiros anos pôde construir a própria forma de trabalhar, não é?
Exato, é diferente de quem está entrando agora. Eu construí o trabalho do meu jeito. Então, sinto que tem um "dedinho" meu em tudo; os próximos que vierem vão pegar um pouco do meu jeitinho, lógico que cada um vai aperfeiçoando do seu modo. Mas eu consegui construir, e construir do zero é difícil.
Lembro que quando a Kemeli assumiu, ela foi para Maringá, onde não havia psicólogo. Ela ficou um tempo lá antes de conseguir a remoção para cá. Naquela época, ela me procurou aqui na Defensoria para perguntar: "O que eu faço?". Para mim, foi uma delícia poder ajudar, porque quando eu comecei, não tive para quem perguntar. É gratificante ver que, de alguma maneira, você se torna uma referência.
Estamos no Setembro Verde, o Mês de Luta da Pessoa com Deficiência, e a Defensoria lançou recentemente um núcleo especializado nessa área. Você comentou que sua mãe te incentivou a prestar concursos por causa da sua deficiência. Como foi para você conviver com essa condição ao longo da vida? Embora não tenha afetado sua vida profissional, não deixa de ser um desafio, certo?
Sim, não deixa de ser um desafio. Minha deficiência é de nascença, então convivo com ela a vida inteira. Faço fisioterapia desde os 3 meses de idade. Hoje faço de forma contínua, mas parei um pouco na minha adolescência, naquela fase rebelde. Minha mãe sempre foi muito clara comigo, ela me mostrava os dois caminhos e as consequências de não fazer fisioterapia, mas dizia: "A escolha é sua, não vou te obrigar". Então, tive épocas em que fazia por três meses e parava por seis. Mas desde 2011, não parei mais; faço duas vezes por semana.
As pessoas às vezes se surpreendem com a forma natural como eu falo sobre a minha deficiência, mas para mim é normal. Eu me adapto e faço tudo o que consigo. Lógico que tenho algumas limitações e há coisas que realmente não posso fazer, mas no que é possível, a gente se adapta. A faculdade me ajudou bastante a lidar com isso, porque na infância a gente sente mais.
Você sofria bullying?
Olha, eu sofria bullying, sim. Mas, ao mesmo tempo, eu via que algumas crianças não me deixavam participar das brincadeiras não por maldade, mas por medo que eu me machucasse.
E existe esse capacitismo, essa ideia de que, por ter uma deficiência, você não seria capaz de fazer certas coisas, não é?
Exatamente, principalmente na década de 1990. Hoje a gente vê mais pessoas com deficiência, mais inclusão. Mas, na minha época, não tinha. Não lembro de outra criança com deficiência ao meu lado na escola; eu era a única. Sempre estudei em escola regular, nunca precisei de escola especial, porque minha parte cognitiva não foi afetada, apenas a motora. Então, muitas vezes, a exclusão vinha por falta de conhecimento das pessoas, às vezes até numa tentativa de me proteger, embora também houvesse quem fosse maldoso. Mas a faculdade de psicologia me ajudou muito com isso. Principalmente a terapia. Todo estudante de psicologia precisa fazer terapia, e ali eu me encontrei, consegui trabalhar todos os traumas e resistências que eu tinha em relação a isso. Hoje sou super aberta para tudo. Eu vou no meu limite, faço o que dá para fazer.
E a sua família te ajudou nessa questão de você não se limitar?
Sim, nunca me limitou em nada. Lógico que havia o cuidado necessário, mas sempre me incentivaram a ser independente. Vim estudar em outra cidade, uma cidade maior. No primeiro ano de faculdade, em Assis, eu ia e voltava todos os dias com o ônibus da prefeitura. No ano seguinte, já fui morar lá com duas amigas. Quando me transferi para Londrina, vim sem conhecer ninguém. Minha mãe ainda dava aula e não pôde vir comigo. Morei sozinha em uma quitinete e fazia de tudo.
Pensando na sua trajetória, como foi a sua experiência na Defensoria como uma servidora com deficiência? E como você vê o atendimento que a instituição oferece aos usuários com deficiência?
Quando entrei, minha maior dificuldade foi com os carros da Defensoria, que eram manuais. Como eu precisava fazer visitas domiciliares, dependia de favores de colegas para me levar. Depois de alguns pedidos, a situação foi resolvida quando os novos veículos da frota vieram automáticos. Fora isso, sempre fui muito bem acolhida aqui.
Para os usuários, a acessibilidade sempre foi um desafio, mas está melhorando, principalmente depois da criação do comitê de pessoas com deficiência. Tivemos uma situação marcante com uma cadeirante que não pôde ser atendida por não termos uma cadeira de rodas na sede. Esse caso ajudou a impulsionar a mudança, e agora foram disponibilizadas 45 cadeiras para o estado todo.
O comitê também trouxe melhorias para os servidores, como o auxílio-saúde, com um acréscimo de 50% para pessoas com deficiência, que no meu caso ajuda na fisioterapia. Vejo que a Defensoria hoje é muito mais inclusiva, reconhecendo as diversas formas de deficiência, não apenas as visíveis.
Você tem percebido que as pessoas, de modo geral, respeitam mais os direitos como filas e estacionamentos preferenciais?
Sim, e vejo isso por um lado positivo e curioso. Como a minha deficiência não é tão aparente, às vezes sou eu mesma a pessoa que é cobrada. Por exemplo, se paro em uma vaga preferencial ou uso uma fila no mercado, já aconteceu de virem me questionar: "Essa vaga é para deficiente. O que você está fazendo aí?". E eu respondo: "Mas eu também sou deficiente". Eu vejo um lado bom nisso, porque mostra que as pessoas estão mais atentas e cobrando o uso correto desses espaços. A questão é que muitos ainda têm aquela visão de que pessoa com deficiência é apenas o cadeirante. Se eu saio do carro andando, a pessoa já assume que não tenho direito à vaga. Mas, no geral, percebo que as pessoas como um todo estão mais conscientes e vigilantes, e isso é muito positivo.
Para encerrar, como é a Alysha fora do trabalho? Quais são seus hobbies, suas paixões?
Meu trabalho é desgastante, porque lidamos com os problemas das pessoas. Por isso, preciso de uma válvula de escape, que para mim são as atividades físicas e, principalmente, as viagens. Eu falo que a minha saúde mental é viajar; uma semaninha fora e volto renovada.
Essa paixão por viajar agora tem um motivo fundamental. Eu tenho consciência da minha condição e sei que a tendência é piorar, não melhorar. Por isso, eu falo para as pessoas: "Gente, o meu relógio funciona ao contrário do de vocês". Todo mundo diz que "viajar é coisa para mais para frente, primeiro você tem que ter casa". Eu penso que posso comprar uma casa aos 50 anos, mas talvez, com essa idade, eu não consiga mais andar de barco, de buggy ou de quadriciclo, coisas que exigem mobilidade. A minha mobilidade vai diminuir. Então, eu viajo agora.
Agora, a pergunta que não quer calar, que eu ia fazer no início: como se pronuncia o seu nome?
Se pronuncia "Álissa". Para lembrar, é só pensar no feminino de Alison. A grafia "Alysha" é de origem síria. Eu não sou descendente; a história é que minha mãe é professora e, quando estava grávida de mim, ela teve uma aluna de intercâmbio da Síria com esse nome. Minha mãe, que gosta muito de significados, perguntou o que queria dizer, gostou e me deu o nome.
E qual é o significado?
Pura, delicada, enviada por Deus, cheia de beleza.