Com a palavra, a Defensoria: Entrevista com Henrique de Almeida Freire Gonçalves, corregedor da Defensoria Pública do Estado do Paraná 30/08/2024 - 13:25
Foi inspirado na história do avô que Henrique de Almeida Freire Gonçalves escolheu o Direito como profissão. “Ele teve uma infância com muitas dificuldades e no início da adolescência já trabalhava para ajudar nas contas de casa. Fez vestibular quando o meu pai já era nascido e quando fez concurso público já tinha três filhos. Foi algo que mudou completamente a vida dele e do meu pai”.
Hoje, aos 39 anos, o fluminense de Macaé (RJ) é corregedor na Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), onde construiu sua carreira ao longo dos últimos 11 anos. Em novembro de 2017, por indicação do defensor público-geral à época, Eduardo Abraão, assumiu o cargo de subcorregedor-geral tendo como corregedora a defensora pública Josiane Lupion. Desde então, os dois trabalham juntos e em fevereiro de 2022 eles mudaram de posição: atualmente, Josiane é a subcorregedora. “Foi uma amizade que surgiu com o trabalho e essa parceria vai durar ainda alguns anos. Chegaremos a mais de oito anos de Corregedoria juntos”, explica o corregedor, nomeado para o cargo até fevereiro de 2026.
Neste mês, quando o Paraná recebe a 77ª Reunião do Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais das Defensorias Públicas dos Estados, do Distrito Federal e da União (CNCG), convidamos o corregedor da DPE-PR para falar sobre sua trajetória, o trabalho da Corregedoria - com suas conquistas e desafios - e também um pouco de sua vida pessoal, porque, como ele mesmo define: “A Corregedoria trabalha muito com a questão do sigilo em quase tudo o que faz. Por isso, a gente tenta adotar esse perfil um pouco mais low profile. E não é nenhum sacrifício para mim, eu sou uma pessoa mais discreta”.
Henrique de Almeida Freire Gonçalves é o entrevistado do mês do projeto “Com a Palavra, a Defensoria”.
Você cursou Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), como foi a sua faculdade e como você escolheu a sua carreira dentro do Direito?
Durante a faculdade, achei que gostaria de ser advogado e só estagiei em escritórios de advocacia - salvo seis meses que eu estagiei voluntariamente na Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Fiz estágio em Direito Comercial e Empresarial e, posteriormente, em um escritório de Direito Criminal. E eu me encontrei na área Criminal. Na minha experiência dentro do escritório de advocacia, quanto mais próximo de ser sócio do escritório você chegava, você deixava um pouco de fazer essa parte que eu gostava – de peticionar, fazer audiência, julgamento. Você tinha que ser uma pessoa com networking e trazer clientes para o escritório, mas eu não tinha interesse nisso. Me interessava atuar nos processos. Eu fui estagiário, virei advogado no escritório e, depois de cerca de dois anos formado, eu decidi tentar concurso. Como eu gostava de atuar em processos na defesa de alguém, pensei que a Defensoria Pública seria uma boa.
E como foi o seu começo na Defensoria Pública do Paraná?
O começo foi muito duro. Havia falta de estrutura, o que já era esperado de uma instituição que estava começando, mas houve algo também que eu não esperava – e talvez tenha sido um pouco de inocência da minha parte. No Rio de Janeiro, a Defensoria Pública é a mais antiga do país e é uma instituição muito forte. Lá você cresce com uma cultura de que a escolha entre Defensoria Pública, Ministério Público e Magistratura é puramente relativa à vocação, ao que você mais gosta de fazer e qual função você pretende exercer no sistema de Justiça. As diferenças remuneratórias dependem do estágio em que você está em uma dessas carreiras, não existe uma variação muito significativa, e, mais do que isso, em relação ao tratamento, a Defensoria Pública é reconhecida como uma instituição tão relevante quanto o Ministério Público e é vista dessa forma pelo Judiciário. Mas aqui no Paraná, a realidade foi bem diferente no início da instituição. A gente teve que lutar pelo mínimo de prerrogativa da Defensoria, pelas coisas mais básicas, e realmente se impor em vários momentos.
A sua primeira atuação de fato na DPE-PR foi na Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas (VPEMA) em Curitiba. É uma área relacionada com o que você gostava, o Criminal. Você sempre quis ir para o Criminal ou já pensava em outras áreas quando chegou à Defensoria?
Durante a minha estada na Defensoria Pública, eu comecei a ter mais afeição por outras áreas do Direito, mas acho que Criminal continua sendo a minha preferida. A Execução Penal é significativamente diferente da área Criminal, até tem algumas coisas em comum, mas, de maneira geral, a Lei de Execução Penal é uma lei à parte do Código Penal e do Código de Processo Penal. Eu nunca tinha atuado efetivamente com Execução Penal, foi uma experiência nova e bem legal, porque, junto com a assessora jurídica que continua até hoje comigo, a Tirza [Amelia de Oliveira Rocha Prestes], a gente conseguiu fazer bastante coisa lá, adotar muitas práticas novas, mudar alguns entendimentos. Foi uma experiência bem gratificante. Já no Criminal a experiência é de muitas derrotas e pouquíssimas vitórias.
E como é o trabalho na Corregedoria? Quando você assumiu o cargo de subcorregedor, em 2017, você tinha alguma expectativa?
Eu sabia que era uma área bem delicada. O cargo é difícil. Você está na função de fiscalizar o trabalho de pessoas que, inclusive, convivem com você. É uma função que é antipática. Até pessoas que foram minhas amigas próximas dentro da Defensoria Pública me dizem “Olha, sempre que você me liga, me dá um frio na barriga, eu acho que tá acontecendo alguma coisa”, e às vezes não é nada relativo a trabalho. As minhas ligações passaram a ser motivo de terror e na maioria das vezes não é nada para se preocupar. Mas acho que o Conselho Nacional de Corregedores-Gerais, para mim e para a doutora Josiane, serviu como um norte, para buscarmos fazer uma gestão diferente na Corregedoria-Geral. Em todas as defensorias estaduais, praticamente, está definido que a função da Corregedoria-Geral é de orientação e fiscalização. O lado disciplinar é subsidiário ao lado da orientação. A gente deve prezar pela regularidade do serviço da Defensoria Pública, em primeiro lugar, buscando orientar quem presta o serviço, e não chegar já abrindo procedimento disciplinar por qualquer tipo de irregularidade. E isso foi funcionando muito bem, hoje é difícil o dia em que nenhum defensor público entra em contato comigo para tentar solucionar alguma dúvida do dia a dia ou pedir alguma orientação. Talvez esse tenha sido o maior sucesso da nossa gestão conjunta.
Como você avalia o impacto do trabalho da Corregedoria no dia a dia da instituição?
Tem dois vieses específicos nesse impacto. Um, é a parte estatística. A gente acompanha a produtividade: quantas iniciais são protocoladas, quantas peças processuais são feitas. A produtividade de cada defensor público e de cada área de atuação. E eu acho que isso auxilia na tomada de decisões pela Defensoria Pública-Geral. Por outro lado, a gente fiscaliza o trabalho do defensor público, inclusive no seu trato com a população. Então, se a pessoa não consegue o atendimento pela Defensoria Pública, pode buscar a Corregedoria-Geral, porque a gente está sempre buscando saber o que está acontecendo, porque essa pessoa não foi atendida e realmente tentar habituar o serviço para melhor servir a população do Paraná que precisa da Defensoria Pública.
Nesse sentido, a Corregedoria trabalha junto com a Ouvidoria?
Sim, a Ouvidoria traz muitos assuntos para a Corregedoria. A gente pede para a Ouvidoria-Geral repassar para a Corregedoria toda situação em que eles entenderem que houve uma falha no atendimento. E a Ouvidoria fica mais próxima da população, tende a ficar nos locais de atendimento ao público e vê o que acontece em primeira mão. Mas uma das providências que a Ouvidoria pode adotar, se não conseguir solucionar aquele problema juntamente com os defensores públicos, é pedir o auxílio da Corregedoria. Existe realmente uma parceria. Mas as funções não se confundem: a Ouvidoria está ali para ouvir o público, ouvir as reclamações, mas quem efetivamente pode tomar alguma medida com relação a isso é a Defensoria Pública-Geral, em alguns casos, ou a Corregedoria em outros.
No ano passado, a Corregedoria esteve à frente da aprovação da Deliberação 041/2023, que garante a paridade de gênero nas Defensorias de Segundo Grau e garante uma distribuição igualitária de lugares no setor de segundo grau para homens e mulheres. Por que é importante que as instituições invistam na Corregedoria e por que uma corregedoria combativa é importante para a população?
O investimento na Corregedoria passa pela necessidade da melhoria do serviço público que é prestado à população. A Corregedoria é um órgão que preza pela excelência do serviço público. Quanto mais a gente tem ciência e corpo técnico para entender exatamente o que está acontecendo em cada canto do Paraná, mais a gente pode propor soluções, indicar onde é necessário o fortalecimento da presença da Defensoria Pública, e isso, com certeza, resulta na prestação de um serviço melhor para a população. Essa atuação que você destacou é bem peculiar da Corregedoria como membro do Conselho Superior da Defensoria Pública. A visão que você adquire estando na Corregedoria é uma visão mais panorâmica do que está acontecendo na Defensoria. Quem está na ponta acaba tendo uma visão um pouco mais restrita ali ao dia a dia do seu trabalho. Nossa atuação no Conselho Superior acaba por trazer essas diferentes realidades, os problemas estruturais das sedes, essa visão um pouco mais abrangente do que está acontecendo em cada lugar.
Em relação ao Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais das Defensorias Públicas dos Estados, do Distrito Federal e da União (CNCG), como a atuação de nossa corregedoria tem contribuído para o debate nacional sobre essa função? Como a Corregedoria da Defensoria do Paraná leva a sua experiência para esse Conselho?
Eu acho que, na verdade, na participação do Paraná, a gente ganha mais do que contribui, por sermos uma das defensorias mais novas do país. No Conselho Nacional, a gente acaba tendo contato com práticas muito bem-sucedidas de corregedorias de outros estados que já passaram pelos seus erros e seus acertos. Conseguimos aprender com a experiência destas outras corregedorias. Mas eu acho que a minha gestão acaba contribuindo bastante porque passa muito pela visão de quem é mais recente na carreira. Existe uma questão geracional, de dificuldade de comunicação de gerações diferentes, e existe também essa coisa de que se você está há muito tempo na carreira, você acaba perdendo um pouco dessa sensibilidade com questões que são mais próprias de quem está começando. Eu acho que esse olhar um pouco mais jovem do que a média dos corregedores-gerais traz uma visão diferente para o debate.
Retomando um pouco do que você falou, de como as pessoas olham para o corregedor, já houve algum caso em que foi necessário desligar algum defensor ou servidor, ou tomar uma medida mais rígida? Como você se sentiu? Como é essa parte do seu trabalho?
Houve um caso de demissão de servidor, em uma situação que envolvia crime. Eu acho que a gente tem feito muito essa distinção, são dois grandes recortes para como a gente vai enfrentar a situação: primeiro, foi um equívoco ou foi algo feito de má-fé? Essa é a primeira análise que a gente faz. Se foi um erro, todo mundo está sujeito a erros, a gente tem que considerar o fator humano, no serviço público ninguém é máquina e as pessoas cometem equívocos tentando acertar. Por outro lado, tem a questão de a pessoa ter feito propositalmente errado. Se a pessoa fez uma coisa errada tentando ajudar quem está sendo atendido ou se agiu em benefício próprio. São essas as duas grandes análises que a gente faz para saber com que “nível de dureza” a gente vai tratar aquele caso. A gente tenta ser compreensível com as pessoas, mas temos que ter esse olhar de preservar o interesse público dentro da instituição. Se a gente for leniente com todo tipo de atitude, não tem porque existir a Corregedoria-Geral.
Como que foi para você estar neste cargo? Você trabalhou isso ao longo desses anos? Como você se sente sendo corregedor?
Nos casos em que eu apliquei sanção disciplinar, eu tenho a consciência muito tranquila de que foi uma coisa refletida, que era necessário e que eu não conseguia dormir à noite se eu não tivesse agido daquela forma. Eu achava realmente que era a atitude correta a se tomar. Dito isso, nunca é agradável você afetar a vida de outra pessoa de uma maneira negativa. Quem está ali é um ser humano, é uma pessoa que tem a sua vida, sua família, tem as suas necessidades, seus vícios e virtudes, como todos nós. Em um caso, inclusive, houve a demissão, a pessoa perdeu o cargo que conseguiu através de um concurso público. Não é uma tarefa fácil, mas faz parte da função, alguém tem que fazer.
Para encerrar, a gente gosta de perguntar: como é o Henrique fora da Defensoria, sem ser corregedor? O que você faz nas horas vagas? Tem algum hobby, acompanha séries?
Eu sinto muita falta do mar. Boa parte dos meus hobbies eram relacionados ao mar. Eu gosto bastante de ir à praia, nadar no mar. Eu mergulho, mas ultimamente não tenho conseguido muito, meu equipamento fica todo lá em Macaé. Quando volto para visitar meus pais, aproveito quando a água está suficientemente clara. Saio com meu pai para mergulhar – coisa que eu comecei a fazer com cinco anos de idade. Mas a partir do momento que eu cheguei em Curitiba, o meu hobby sempre foi ligado às artes marciais. Eu fiz muay thai por algum tempo e hoje faço jiu-jitsu. Comecei há pouco tempo, a minha esposa fazia e estava super empolgada [Henrique é casado com a biomédica Polliana Lemos desde 2016]. Ela me convenceu a fazer uma aula experimental, eu fiz e desde então não parei. E eu e minha esposa também gostamos muito de viajar para comer. Atualmente, eu estou revendo uma série com vários episódios disponíveis no YouTube do Anthony Bourdain, Parts Unknown [o título não foi traduzido para o português] e tem vários locais em que a gente já foi e gostou bastante de conhecer.
Então qual lugar dos que vocês já foram você indicaria?
Eu gosto muito do Japão e do Vietnã também. São completamente diferentes: o Japão é, provavelmente, o lugar mais ordeiro que eu já conheci e o Vietnã, provavelmente, o mais caótico. São dois extremos, com culturas muito diferentes da brasileira, mas a comida é muito boa, muito boa mesmo.