Com a palavra, a Defensoria: Entrevista com Gabriel Antonio Schmitt Roque, defensor público em Paranavaí 28/02/2025 - 16:14

Nascido em Paraíso do Norte, criado em São Carlos do Ivaí, graduado em Maringá e defensor público em Paranavaí, Gabriel Antonio Schmitt Roque é, sem dúvida, um dos defensores públicos mais “filho da terra” desse nosso Paraná. 

Foi com essa forte conexão com a região que, em março de 2023, junto com o defensor Guilherme de Sousa Rebelo – um paranavaiense – enfrentou o desafio de iniciar os trabalhos da DPE-PR em Paranavaí, em um espaço cedido pela prefeitura. Quase dois anos depois, a sede está em um novo espaço, amplo e acessível, e com muita propaganda “boca a boca” já soma milhares de atendimentos.  

Pai da Lisbela e da Clarice, esposo da Mariana, ele agora divide seu tempo entre a Defensoria e os momentos em família, que são sua grande fonte de inspiração. Em uma conversa franca e acolhedora, Gabriel nos conta sobre sua paixão pela até então desconhecida Defensoria Pública, os desafios de atuar no noroeste do Paraná e como sua história de vida o impulsiona a construir um futuro mais justo para todos. 

Gabriel é o entrevistado deste mês do projeto “Com a Palavra, a Defensoria”.

A imagem mostra um homem de pele clara, cabelo cacheado e curto, barba rala e óculos redondos de armação preta, sorrindo levemente para a câmera. Ele veste um terno azul escuro, camisa social azul e gravata preta. Suas mãos estão cruzadas à frente do corpo. O cenário ao fundo é um ambiente de escritório moderno, com várias estações de trabalho equipadas com computadores, cadeiras giratórias pretas e divisórias brancas.

 Foto: Daniel Caron/DPE-PR

 

A gente costuma começar perguntando um pouco da sua trajetória: como você foi parar no Direito e como escolheu a Defensoria?

Eu nasci em 1997 em Paraíso do Norte, mas me considero são-carlense. Me mudei para Paranavaí para cursar o ensino médio entre 2012 e 2014 e depois me mudei para Maringá para cursar graduação em Direito. Inicialmente, no terceiro ano do ensino médio, eu estava meio perdido, não sabia muito bem que curso queria. Prestei vestibular para as mais distintas áreas possíveis: Engenharia Eletrônica, Agronomia, Direito, Ciências Sociais... Prestei vários vestibulares e acabei sendo aprovado em todos que fiz na época, mas me matriculei em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá (UEM). 

Mas por causa de uma greve na UEM, eu fui fazer Direito em outra faculdade enquanto as aulas não voltavam. Só que a greve acabou se estendendo por alguns meses e eu acabei gostando muito do Direito. Vi que era bem próximo do que eu gostava, me apaixonei pelo curso e acabei ficando. Comecei o curso de Direito por acaso, estudei durante dois anos em Maringá e o terceiro ano da minha graduação eu fiz na Universidade do Porto, em Portugal. Depois retornei e concluí o curso. Eu sempre morei no Paraná, sou daqui da terra mesmo, nunca prestei concurso para outros estados. 

Depois da graduação, fiz duas especializações, uma em Ciências Criminais e outra em Advocacia Civil. E depois de dois anos que eu havia me formado, prestei o concurso para Defensoria Pública e tive a felicidade de ser aprovado. Fui nomeado e nunca mais quis saber de concurso! É o que eu queria e hoje, na profissão, me sinto realizado. E também estou perto da minha família, aqui no estado do Paraná, e isso para mim conta muito.

 

Mas como você conheceu a Defensoria? Porque você já entrou no Direito sem conhecer muito do curso e a Defensoria é bem nova no Paraná, não havia sede em Paranavaí ainda...

Eu saí da graduação não sabendo o que era Defensoria Pública. Eu nunca tinha nem ouvido falar, apesar de já existir a Defensoria na comarca de Maringá, onde eu me graduei. Já tinha estagiado no Ministério Público, no Gaeco, no Poder Judiciário, em escritório de advocacia privado, mas a Defensoria eu não conhecia. 

Saindo da graduação, advoguei por um tempo, mas devido a dificuldades financeiras eu pensei na área do concurso. Nessa época eu já tinha uma família, minha esposa estava grávida e estudava em período integral, então ela não conseguiria trabalhar. Durante a graduação, eu não tinha pensado em concurso público, mas por conta da estabilidade – já que eu tinha uma família que dependia financeiramente de mim – eu fui para esse caminho. 

Logo que eu terminei a graduação, entrou aquele período de pandemia, então não tinham muitos editais de concursos públicos. E eu totalmente sem rumo, só sabia que eu queria uma estabilidade de concurso, prestei a prova para delegado de polícia. Fui aprovado, só que em uma posição baixa, então eu não ia ser nomeado tão logo. E depois que eu vi que eu não tinha sido aprovado numa colocação tão boa, durante aquele período de frustração por não ter passado, um amigo que trabalhava na Defensoria Pública em Curitiba [Luís Gustavo Anabuki, que foi assessor jurídico na DPE-PR] me mandou uma mensagem de que tinha um edital aberto. E até então, eu nunca tinha nem ouvido falar em Defensoria! Prestei a primeira fase objetiva e fui me apaixonando pela carreira durante esse percurso de prova mesmo. No final eu tive a felicidade de ser aprovado em primeiro lugar no quarto concurso. Então, também foi por acaso que eu fui parar na Defensoria Pública, assim como no próprio curso de Direito. 

E eu acredito muito nisso de que, às vezes, a vida vai te encaminhando para o seu lugar. A minha filha gosta muito de um desenho, “Moana”, e lá tem uma musiquinha de que você encontra o seu lugar e aqui é o meu lugar. Muitas vezes não é a gente que escolhe, é o lugar que acaba escolhendo a gente. E eu acho que a Defensoria Pública me escolheu, eu me apaixonei por ela e, consequentemente, a escolhi para ser a minha missão de vida. Hoje eu sou novo, tenho 27 anos, mas eu sempre imagino que a minha aposentadoria compulsória com 75 anos vai ser na Defensoria Pública. Então, no mínimo, eu vou ter passado 50 anos da minha vida dentro da instituição.

 

A imagem é uma composição de três fotos. Na primeira, um homem de terno azul escuro, barba rala e óculos redondos sorri sentado em um escritório, com um computador e dois monitores à sua frente. Na segunda, ele aparece discursando em um evento formal, ao lado de outras pessoas, com uma bandeira do Brasil ao fundo. Na terceira, ele está ao ar livre com uma mulher de óculos e vestido preto, segurando um bebê de vermelho nos braços, enquanto uma criança de azul segura sua mão.

Fotos: Daniel Caron/DPE-PR

Você nasceu em Paraíso do Norte, cresceu em São Carlos do Ivaí, estudou em Maringá, agora é defensor aqui em Paranavaí... Você acha que a sua relação com a região ajuda no seu trabalho como defensor?

Sim, com certeza. Meus pais são aqui da região e trabalham com coisas da região. Meu pai trabalha numa indústria de cana de açúcar, no setor de descarregar caminhão e é uma cultura que faz parte daqui, é uma região muito agrícola. A minha mãe também é daqui do interior, reside em São Carlos do Ivaí até hoje, trabalha como cuidadora de idosos. Então, desde criança eu cresci nessa realidade de cidade pequena, brincando na rua, sem acesso a muitas coisas, porque era uma família bem humilde. Cresci nessa realidade e enfrentei muitas dificuldades quando resolvi estudar. 

Eu vim sozinho para Paranavaí quando fui fazer o ensino médio. Eu tinha por volta de 14, 15 anos. Vim para cá para morar em pensão, com toda aquela dificuldade financeira, mas buscando uma educação melhor, buscando me aperfeiçoar. Na época eu estudava o ensino médio pela manhã, na parte da tarde eu fazia teatro – sempre fui muito envolvido com questões culturais também – e à noite eu cursava o técnico em Eletrotécnica. E até aí minha vida estava se planejando para, depois do ensino médio, voltar para São Carlos do Ivaí e conseguir um emprego na usina de cana de açúcar em que meu pai trabalha. Mas depois as coisas mudaram. Fomos para Maringá para estudar, eu e minha esposa, e enfrentamos muitas dificuldades financeiras lá também para conseguir se estabelecer. A gente vivia com recursos bem escassos, porque tanto a minha família quanto a dela não podiam ajudar. Então, sempre foi uma vida de muita luta e acompanhando muito de perto o sofrimento de pessoas que estavam à nossa volta. 

Quando eu voltei para cá como defensor eu andava pela cidade e não acreditava naquilo que eu estava vivendo... Era um sonho: de volta à minha cidade, no meu lugar, perto da minha família, exercendo um trabalho de que eu gosto e podendo, com ele, ajudar pessoas daqui da cidade, da região. 

 

E quais são as particularidades da região? Você falou que é uma região com forte atividade agrária. Você percebe isso no público que vem procurar a Defensoria?

Sim, com certeza. A gente tem muitos assistidos que trabalham na agricultura, na colheita de laranja, por exemplo, que é outra cultura muito forte aqui na cidade de Paranavaí. Também temos muitas pessoas da construção civil, porque é uma cidade em franco crescimento já tem algum tempo. Então, nos nossos assistidos a gente observa muito dessa realidade local. São pessoas que trabalham na roça, em uma região onde faz muito calor, com temperaturas que beiram os 35, 40 graus. 

Paranavaí é uma cidade com quase 100 mil habitantes e acaba servindo de pólo para vários outros municípios pequenos, inclusive em questões de saúde. Vem muita gente para cá das zonas rurais, de cidades muito pequenas, e são pessoas que muitas vezes não tiveram acesso à justiça, nunca tiveram contato com esse meio, mas acabam tendo esse contato através da Defensoria Pública. E isso é muito gratificante, poder levar a justiça até essas pessoas.

 

Falando um pouco da estrutura da Defensoria em Paranavaí: como foi para vocês inaugurarem a nova sede?

Quando a gente começou aqui, no início de 2023, a gente ocupou duas salas cedidas pela Prefeitura Municipal, que de forma muito gentil acolheu a Defensoria Pública e nos deu um espaço para trabalhar. Mas era um espaço bastante limitado em termos de estrutura, era provisório, até a gente se instalar e encontrar um lugar. Havia muitas dificuldades no atendimento e um movimento grande de assistidos, então, com a mudança para a nova sede, essa questão estrutural melhorou demais. A gente tem hoje um espaço amplo e isso é muito bom. 

Mas quando a gente iniciou, o desafio maior era fazer as pessoas entenderem o que é a Defensoria Pública. A primeira coisa é ser visto e ser conhecido, as pessoas entenderem o que a gente faz, entender que a gente não cobra pelos nossos serviços, entender que o trabalho que a gente faz é um trabalho público, um trabalho em que a gente é remunerado para isso. 

Lá no começo, muitas pessoas achavam que estávamos fazendo algum tipo de favor para elas e aí queriam nos presentear. A gente nunca chegou a recusar – inclusive a equipe recebe muitos pães caseiros e uma assistida uma vez falou no telefone que ia levar uma galinha pra gente – mas a gente sempre explicava: "Não, não é assim. Se a gente é atendido por um médico no serviço público, a gente não vai presentear ele, porque ele está cumprindo o dever dele. E assim como é seu direito ir no posto de saúde e ser atendido por um profissional de saúde, é seu direito também, se você não tiver condições de pagar um advogado, ir até a Defensoria Pública e ser atendido por um defensor público de forma técnica e zelosa no seu processo”. 

Esse desafio inicial foi bem relevante pra gente, além dos desafios estruturais. Com o tempo isso foi acontecendo de forma muito natural e o atendimento foi crescendo mês a mês. A gente percebe que “a palavra da Defensoria Pública” é repassada de boca a boca: atendemos uma pessoa e ela avisa uma vizinha, avisa um parente, avisa um tio... A gente fica muito grato por estar chegando cada vez mais na ponta, nas pessoas mais vulnerabilizadas. No começo a gente ia em eventos, palestras, reuniões para divulgar a Defensoria, mas o nosso público não está nesses lugares. Então, conseguir chegar com o tempo nessas pessoas que mais precisam dos nossos serviços é uma parte bem gratificante do nosso trabalho. 

Eu acho que o desafio agora é só prosseguir nessa linha que a gente vem seguindo, ampliar os nossos atendimentos em outras cidades aqui da região com mutirões, realizar atividades que agora, numa estrutura melhor, a gente vai ter melhores condições de fazer. Então, o desafio é sempre esse: alcançar mais pessoas, realizar atendimentos em outros lugares e fazer com que o nosso trabalho chegue cada vez mais longe.

 

Para terminar, fale um pouco de quem é o Gabriel sem ser defensor. Você falou que você tem esposa, filhas... Quais são seus hobbies?

O Gabriel que não é defensor público é o Gabriel pai, sem dúvida nenhuma. Tenho duas menininhas: a Lisbela, de três aninhos, e a Clarice, que fez dois meses agora. Elas são a razão da minha vida. Tudo o que eu faço é por elas, tudo que eu vivo e tudo que eu tento representar como pessoa, eu acho que é para elas, é pensando nelas. A mais velha vem muito aqui na Defensoria comigo e ela gosta muito do que eu faço. Ela pergunta muito sobre o meu trabalho, eu explico para ela e ela acha tudo muito interessante. Às vezes, em eventos que eu vou, acabo levando-a também. E agora tem a filhinha mais nova, em breve vou levar as duas. 

Então, eu definiria dessa forma, o Gabriel que não é defensor público é o Gabriel pai, o Gabriel da família, de estar em casa. E é por isso que eu valorizo tanto essa proximidade, de estar junto com a minha família, poder fazer com que minhas filhas estejam perto dos avós, dos tios. Isso para mim é muito importante.