Com a palavra, a Defensoria: Entrevista com a Assistente Social Taísa da Motta Oliveira 30/06/2023 - 10:16

A diversidade de realidades atravessadas pelo trabalho da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) pode ser exemplificada na rotina de Taísa da Motta Oliveira, 35 anos. Seja como servidora da instituição ou professora em salas de aula, a assistente social carrega consigo experiências de atendimentos a populações em situação de rua, comunidades tradicionais e adolescentes em conflito com a lei, por exemplo. 

Ela e outras(os) profissionais compõem as equipes técnicas do Centro Estadual de Atendimento Multidisciplinar (CEAM) da DPE-PR - um serviço que fortalece a atuação jurídica de defensores(as) públicos(as) e amplia a assistência a usuários e usuárias da Defensoria Pública.

De sua mesa na Sede Central, em Curitiba, com vista para a Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, Taísa acompanha a evolução da atuação da DPE-PR. Desde 2016, quando ela entrou na instituição, o atendimento se expandiu pelo interior, novos serviços foram implementados e os núcleos especializados começaram a trabalhar em favor de interesses coletivos. Para psicólogas(os) e às assistentes sociais, os desafios mudaram - Taísa é uma das responsáveis por atender demandas de saúde mental, uma das pautas mais debatidas atualmente pelas equipes técnicas.

Mas ao citar o Patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire, a servidora reconhece a necessidade de reaprender constantemente a desempenhar o próprio trabalho: a prática muda a teoria, e não o contrário. Graduada em Serviço Social, mestra e doutora em Ciência Política, Taísa busca levar a seus alunos e alunas a bagagem que a DPE-PR deu a ela, e contribuir com as próximas gerações de assistentes sociais. E, porque não, com futuros servidores e servidoras da Defensoria Pública.

Taísa é a entrevistada deste mês da série “Com a Palavra, a Defensoria”.

Imagem que mostra a entrevistada, Taísa da Motta Oliveira, em três momentos: em sua mesa de trabalho, olhando para a câmera, em sua mesa de trabalho conversando com outra pessoa e durante a entrevista.

 

A gente queria que você começasse falando um pouco sobre você: onde nasceu, cresceu e como foram a sua infância e juventude.

Eu sou de uma família migrante do Rio de Janeiro. A minha mãe, Vilma da Motta Oliveira, é de Niterói e o meu pai, Carlos Alberto de Oliveira, é mineiro, de Além Paraíba, na divisa com o Rio de Janeiro. E eu nasci em São Gonçalo, subúrbio do Rio, e vim para Curitiba com quatro anos. Eu tenho uma irmã, a gente veio pequena para cá e sempre foi muito importante a questão educacional na minha casa. O meu pai é formado em Economia e a minha mãe era trabalhadora doméstica. Eu e a minha irmã, Carlla da Motta Oliveira, sempre estudamos em colégio público. Primeiro, eu estudei no Colégio Amâncio Moro, um colégio que, para mim, foi muito importante, porque, por estar localizado no Jardim Social [bairro nobre de Curitiba], recebia muitos livros de doação dos moradores das casas em volta, então, nossa biblioteca era muito boa. Foi lá que eu tomei gosto pela leitura. E era um colégio muito legal, a gente pintou o colégio e reformou o laboratório de biologia, então, eu me lembro desse sentimento de pertencimento ao ambiente escolar. Depois, eu fui estudar no Colégio Estadual do Paraná (CEP), outro lugar que me auxiliou muito nas questões de Humanas. Eu digo que o CEP é um colégio muito importante para quem gosta de se aventurar na História, na Filosofia e nas Artes. 

Meu pai trabalhou em banco a vida inteira, veio transferido do Rio de Janeiro pelo Bamerindus. A minha mãe esperou a gente crescer e se tornou trabalhadora doméstica, trabalhou para duas médicas e se aposentou no ano passado. A minha irmã é física médica, trabalha no Hospital Erasto Gaertner. Então, eu digo que minha família é de pessoas humildes, mas que os meus pais, principalmente a minha mãe, sempre incentivaram a gente a estudar. Eles falavam: 'A gente não vai ter condição financeira para dar a melhor estrutura pra vocês, mas vocês vão estudar’. 

 

E como e quando você escolheu o Serviço Social e como foi a sua trajetória acadêmica? 

Eu escolhi o Serviço Social quando estudava no CEP, lendo aqueles manuais de profissões. Eu também tenho uma prima que é assistente social e eu conversava com ela sobre a profissão, mas fiquei dividida entre Serviço Social e Ciências Sociais. Decidi fazer o vestibular para Ciências Sociais e não passei, mas no mesmo ano, em agosto, abriu o vestibular da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Litoral, e eu passei em primeiro lugar no curso de Serviço Social. Eu sou da primeira turma de Serviço Social da Universidade Federal do Paraná. O campus de Matinhos abriu com o Reuni [Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais], portanto, as assistentes sociais da Federal do Paraná são frutos do Reuni.

Eu comecei a estudar em 2006. O Serviço Social é uma profissão que transforma por ser uma profissão muito crítica da realidade; a gente acaba se aprofundando na teoria marxista, nessa relação com a sociedade capitalista, de uma forma que a gente precisa auxiliar - porque a gente não vai fazer sozinha - a revolução social. E na minha formação eu estive muito envolvida com a extensão. A extensão era muito importante em Matinhos, onde eu estudei. Eu passei pelo menos dois anos fazendo extensão em educação infantil no acampamento José Lutzenberger, do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] em Antonina. 

Eu acabei ‘fugindo’ do Serviço Social na graduação, vamos dizer assim, porque lá a gente podia escolher ICHs, que são as Interações Culturais e Humanísticas. É uma forma de pensar, de conduzir o ensino e a aprendizagem. E pra mim isso foi muito importante. Uma das interações culturais e humanísticas que eu escolhi na época era a que pautava a discussão da ciência política. O meu TCC, [Trabalho de Conclusão de Curso] já foi voltado para discutir modelos e formas de democracia e essa relação com o currículo de Serviço Social: o quê da ciência política e o quê da democracia os assistentes sociais estavam discutindo e de que forma. Isso muito por conta da ICH da qual eu participava. E aí eu mudei o meu caminho acadêmico e fui fazer mestrado e doutorado - que eu concluí em 2019 - na Ciência Política. Eu tenho um caminho interdisciplinar, multidisciplinar.

 

Que era um pouco o que você queria, você tentou Ciências Sociais e conseguiu aliar ao Serviço Social... Mas você gostou do curso? Depois que você entrou no Serviço Social, você se identificou com o curso?

Eu tenho certeza de que o Serviço Social é uma profissão muito importante, porque a gente consegue, para além do acadêmico, intervir na realidade. Coisa que, talvez, se eu ficasse nas Ciências Sociais, eu não desenvolveria tanto como eu consigo fazer no Serviço Social.

Eu lembro de ter uma conversa com o meu orientador - que é cientista político e sempre foi meu orientador, no TCC, mestrado e doutorado, o professor Rodrigo Horochovski, da UFPR - em que eu cheguei chorando e disse: ‘Professor, você acha que eu tenho que mudar de área?’, porque na UFPR a gente podia trocar o curso se a gente quisesse. E ele falou: ‘Taísa, eu, se fosse você, não trocaria o Serviço Social pelas Ciências Sociais, porque no Serviço Social você vai conseguir fazer muito mais coisa. Você vai ter muito mais inserção profissional’. Aí eu me mantive no curso e sou apaixonada pela minha profissão e pela intervenção profissional.

 

E como foi a sua trajetória profissional antes de chegar à Defensoria?

Eu me formei em 2010 e em 2011 eu trabalhei na Casa dos Pobres aqui em Curitiba. Foi a primeira instituição em que eu trabalhei como assistente social. Eu trabalhava com a população em situação de rua e com pacientes que vinham de outros municípios para fazer tratamento médico em Curitiba. Mas eu fiquei pouquíssimo tempo nesse local, dois meses, porque eu passei no mestrado. Eu entrei no mestrado em Ciência Política para estudar o Conselho Diretivo da UFPR Litoral, esse foi o meu objeto de pesquisa, que resultou na dissertação “A Democracia Deliberativa na Prática: Estudo de Caso Sobre o Conselho Diretivo da UFPR Litoral do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná”. Eu fugi do Serviço Social e fui me aprofundar na Ciência Política. Fui estudar a democracia deliberativa tendo como objeto de trabalho o Conselho Diretivo da UFPR Litoral. 

Depois do mestrado, eu trabalhei na APAE de Matinhos, mas também trabalhei lá pouco tempo, uns quatro meses, porque passei em um concurso para ser professora substituta no curso de Serviço Social da UFPR em Matinhos. Eu dei aula de Estágio em Serviço Social durante quase dois anos, depois eu saí porque consegui a bolsa de doutorado na Ciência Política, que eu concluí em 2019 com a tese “Conselhos de Políticas Públicas: um balanço da produção bibliográfica na Ciência Política Brasileira (1996-2019) do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná”. Em 2016 eu entrei na Defensoria.

 

Como você escolheu a Defensoria e o que você esperava ao fazer essa escolha?

Eu acho que foi a Defensoria Pública que me escolheu. Eu não conhecia a Defensoria, o que ela fazia e a importância dela para a sociedade. Quando eu entrei aqui e fui estudar a potência que era essa instituição e o quanto ela é importante dentro do sistema sociojurídico, eu acabei concluindo que foi ela que me escolheu pra trabalhar aqui. Acredito que eu não trabalharia em outra instituição do sistema de Justiça. 

Eu fiz poucos concursos, porque quando eu passei aqui na Defensoria eu já estava fazendo mestrado. Eu estudava bastante para esse concurso, seis horas por dia durante três meses, e ainda tinha que cumprir os prazos do mestrado. Foi o primeiro concurso que eu fiz, e já passei, então, não pensei em fazer outros porque eu estava terminando o mestrado.

Mas a sua ideia na época era seguir carreira acadêmica, ser professora e pesquisadora?

Era. O que eu queria nessa época era continuar na carreira acadêmica, essa sempre foi a minha vontade. Mas surgiu o concurso da Defensoria e era um concurso que tinha muita vaga para assistente social e todo mundo estava fazendo. Pensei: ‘vou tentar pra ver o que é’, mas ao mesmo tempo eu me dediquei a ele, estudei bastante para passar na prova e passei. 

 

E como é a atuação do Serviço Social na Defensoria Pública? 

O Serviço Social faz parte das equipes multidisciplinares aqui da Defensoria e atua nas mais diversas áreas. Em todas as áreas onde a equipe do jurídico pode atuar, o Serviço Social também pode contribuir, inclusive, nas demandas coletivas e de direitos difusos. A gente tem assistentes sociais, inclusive eu, trabalhando junto aos núcleos especializados, o que aumenta o nosso rol de atuação, porque somos poucas e tem muita demanda. Então, se a gente estiver auxiliando os defensores e defensoras nas demandas coletivas, isso pode ser um algo a mais no atendimento que o Serviço Social pode prestar para a instituição. Eu sou entusiasta do trabalho multidisciplinar dentro dos núcleos da Defensoria.

 

Você poderia dar exemplos bem concretos de como é a atuação de vocês aqui na Defensoria?

Vou pegar as demandas da área de Infância e Juventude, porque eu acho que nessa área isso fica muito latente. Você pega um caso da Infância Cível, de perda do poder familiar, por exemplo. O jurídico vai fazer uma leitura processual daquele caso, e o Serviço Social, enquanto defesa daquela família que está perdendo o poder familiar da criança, do adolescente, traz à luz a problemática social daquela família. 

Por exemplo, o Serviço Social vai mostrar que a mãe está desempregada, vivendo de aluguel e que não consegue pagar. E, nos nossos estudos e relatórios sociais, a gente consegue mostrar essas questões sociais para o juiz ou juíza, a vulnerabilidade social em que essa família se encontra. E também auxiliar no encaminhamento para a Rede [Socioassistencial], pois nosso trabalho não é só mostrar a situação para o Judiciário, mas também falar ‘Olha, talvez haja um problema lá na política de assistência, que precisa dar um maior apoio de atendimento social para essa família’.

Eu acho que o Serviço Social materializa a vulnerabilidade social dentro dos processos, e isso em qualquer área. Eu dei o exemplo da Infância Cível, mas isso ocorre também na área Cível, por exemplo, quando um defensor ou defensora entra com pedido de aluguel social, e a assistente social consegue fazer um estudo e um relatório social demonstrando a vulnerabilidade socioeconômica do usuário ou usuária para o juiz, que vai decidir a partir da defesa desse cidadão ou cidadã Isso é muito melhor para o jurídico, porque a gente acaba trazendo a realidade social para dentro do documento, da peça jurídica do defensor ou defensora. 

 

Nesse sentido, você acha que a sua formação como cientista política também tem um peso? Porque você consegue, então, evidenciar em um processo jurídico a situação que a gente vive no Brasil, e colocar essa bagagem para defender os interesses daquela família, daquela criança…

O Serviço Social faz isso [evidencia a realidade social] muito bem, essa questão da defesa dos direitos das famílias, de trazer à luz a problemática social. Eu acho que a Ciência Política me ajuda muito a pensar em questões mais macrossociais. Por exemplo, eu atuo no Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) e acabo trabalhando com os conselhos e comitês de políticas públicas, que, inclusive, são o meu objeto de trabalho da tese [de doutorado].

 

Em relação aos conselhos de direitos e de políticas públicas, qual é a importância dessas organizações e, principalmente, qual a importância de a Defensoria fazer parte delas?

Muito legal essa discussão. Eu sou apaixonada pelos conselhos - não é nem pelos conselhos em si, é pelas instituições participativas. Esse é o meu foco de análise no mestrado e no doutorado. E eu participo de um comitê - ele não é um conselho, porque não é deliberativo, não consegue transpor essa questão de criar políticas públicas - que é o CIAMP [Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política da População em Situação de Rua]. Ele trabalha fiscalizando a política pública na área da população em situação de rua, é voltado para esse segmento social. No CIAMP estadual eu trabalho muito, e de uma maneira orgânica, desde 2020. Na pandemia inteira eu acompanhei o trabalho do CIAMP e, para mim, é fundamental a participação da Defensoria Pública nessas instituições participativas. Seja nos conselhos, que deliberam, têm fundo e podem financiar as políticas públicas; seja nos comitês, onde se fiscaliza. Porque eu acho que a gente precisa acompanhar e fazer o controle social dessas instituições que são geridas pelo Estado. Você tem a participação da sociedade civil em todos os conselhos, mas eu acho que é importante esse controle jurídico - e também aquele realizado pela equipe multidisciplinar da Defensoria - porque a gente acaba dando voz aos movimentos sociais, que às vezes não conseguem pautar as questões por serem conselhos cuja gerência muitas vezes está sendo feita pelos técnicos do Estado. Então, a gente acaba mediando a participação da sociedade civil nessas demandas. E eu vejo muito isso no CIAMP, onde a gente vem construindo o plano estadual para a política da pessoa em situação de rua. É um trabalho árduo, que a gente vai discutindo com todas as pastas - da Assistência, da Saúde, da Habitação - quais são as ações que devem constar nesse plano para agora e para daqui a dez anos. É um trabalho de formiguinha, não só no CIAMP, mas eu acredito que em toda instituição participativa. É fundamental que a Defensoria esteja nesses espaços, fiscalizando, principalmente junto com a sociedade civil, o que o Estado tem feito.

Eu participo do CIAMP pelo Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos [NUCIDH]. O representante é o defensor Antônio Vitor Barbosa de Almeida, mas eu o assessoro no CIAMP, e no CEAS também, que é o Conselho Estadual de Assistência Social. E no CIAMP municipal de Curitiba também. Gostaria de trabalhar com tantos outros conselhos, mas eu não consigo, porque além de trabalhar no NUCIDH, eu trabalho na Infância Infracional de Curitiba, no plantão da sede central, com demandas de saúde mental, álcool e drogas, principalmente a questão de internamento compulsório. A gente não atende as pessoas com questões de saúde mental, mas sim familiares que buscam o internamento compulsório. E também atendo população em situação de rua no plantão.

 

Se a Defensoria pode contribuir com as discussões feitas nos conselhos, o contrário também ocorre? Como os conselhos podem melhorar o trabalho da DPE-PR? 

Eu acho que sim, é fundamental. Por exemplo, eu trago a questão da população em situação de rua, porque é um público com quem eu venho trabalhando no comitê. O que eles discutem lá no CIAMP a gente consegue trazer para a Defensoria, às vezes, até entrar com ação civil pública contra as questões de não cumprimento da legislação de atendimento, principalmente da política de assistência para a população em situação de rua.

Então, ouvir, estar presente nesse espaço, é uma forma de levantar demandas, principalmente demandas coletivas, para a Defensoria. E lógico, o NUCIDH criou - e eu achei fantástico - um fórum de discussão da pauta da população em situação de rua fora do CIAMP. Isso é para que a Defensoria possa servir de filtro da sociedade civil para levar essas demandas mais organizadas para espaços como o CIAMP, tanto no município de Curitiba quanto no Estado.

 

Você também atua na Assessoria Técnica do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) da Defensoria. Para você, qual é a pauta do dia quando falamos em Direitos Humanos?

Eu acho que a pauta do dia pra gente da Defensoria é a questão da violação dos direitos humanos das pessoas que a gente atende. De direitos humanos e serviços públicos. O serviço público hoje está muito precarizado. A pessoa vai a um posto de saúde, não consegue atendimento, falta médico(a), falta enfermeiro(a). Não é uma questão do atendimento daquela pessoa ser ruim, é porque está faltando política pública. Eu acho que a gente precisa trabalhar com isso, com a questão da violação dos direitos. Você pega a população em situação de rua, que é uma pauta bem importante para o meu trabalho, e eles são violados nos seus direitos, nos equipamentos em que eles frequentam, nas ruas, estão em condições degradantes de sobrevivência porque não têm acesso a uma moradia digna. E nisso as assistentes sociais são ótimas, porque eu acho que a gente consegue auxiliar muito o Direito nessa leitura da vulnerabilidade e da desigualdade sociais. Isso, pra mim, é a pauta da vez quando a gente faz essa discussão entre a Defensoria Pública e a importância dela pra sociedade.

 

Você trabalha com tipos de demanda muito diferentes, que estão inseridas em realidades igualmente distintas. Qual tipo de atendimento tem se mostrado mais desafiador para você? 

Eu sou uma profissional que até agora não escolheu uma área de atuação, a Defensoria foi me mostrando várias áreas e eu gosto de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Tem colegas que escolhem a área da infância ou de violência doméstica, e isso é muito válido, mas eu gosto de fazer de tudo um pouco. Eu acho que o que é mais desafiador pra mim, hoje, é trabalhar com os casos de demandas de saúde mental. Estou aprendendo, estou gostando de estudar, mas eu tenho que saber lidar com essas demandas de uma forma melhor, e eu acho que pra isso a gente vai precisar muito de capacitação.

Por exemplo, eu falei que eu atuo na Infância Infracional. A gente pega casos em que estamos fazendo um atendimento para um adolescente e ele fala de questões de suicídio. Eu não sou uma profissional capacitada em contenção de crise, então, isso pra mim é uma coisa que que me desafia. Não tem uma área em que eu não goste de trabalhar aqui. Mas, enfim, eu acho que para mim essa questão da saúde mental me pega, porque eu nunca quis trabalhar na área da saúde.

 

Fale sobre o caso que mais te marcou em todos esses anos no Serviço Social da Defensoria.

Vou falar de uma demanda coletiva em que eu auxiliei o defensor público Wisley [Rodrigo dos Santos], na época em que ele estava na coordenação do NUCIDH, quando a gente foi fazer um trabalho em uma comunidade quilombola. Eu fiz estudos sociais de mais de 20 famílias em uma noite. Fiz entrevistas com mais de 20 famílias numa noite para auxiliar o NUCIDH a mediar extrajudicialmente uma questão de pagamento à Copel. Os quilombolas tinham dívidas de um valor muito alto, e o Wisley me convidou para fazer um relatório social sobre essas famílias quilombolas, e eu acho que isso me marcou. É uma forma de o Serviço Social trabalhar com os direitos difusos e coletivos. Claro que eu entrevistei várias famílias naquele dia, mas eu construí um documento único, com a visão de todas elas. Isso, para mim, chama muito a atenção, quando a gente faz parte dos núcleos e acaba atuando dessa forma coletiva, uma atuação que é fundamental porque somos poucos defensores e defensoras e somos pouca equipe técnica. 

 

Pelo que você conta, é possível perceber que o trabalho do Serviço Social na Defensoria é, muitas vezes, transmitir as vivências de uma determinada pessoa ou um grupo em vulnerabilidade para o universo jurídico. Como você lida com essa responsabilidade de buscar intermediar esses dois lugares, às vezes, tão distantes? 

Eu acho que isso perpassa muito a questão da ética profissional. O Serviço Social é uma profissão que privilegia a mudança social, mas uma mudança social com ética. Quando eu estou falando em nome de uma comunidade, por exemplo, eu preciso fazer uma escuta muito atenta do que a comunidade traz, saber que eu não posso falar por ela. Eu sou uma agente que serve para, talvez, manifestar o que ela está sentindo, o que ela está expressando ali da sua vivência, mas eu nunca vou ser a profissional que determina alguma coisa. Eu acho que a gente consegue, através dos fundamentos teórico-metodológicos do Serviço Social, transmitir as necessidades de uma comunidade ou do usuário ou usuária que a gente está atendendo, como é a relação daquela pessoa com a sua comunidade, com a questão financeira da família. Eu acho que o Serviço Social auxilia, através da ética profissional e dos nossos processos de trabalho, nessa interpretação do mundo sócio-econômico, e isso é bem interessante na minha profissão.

 

Em paralelo ao trabalho na DPE-PR, você também é professora universitária de Serviço Social. Estudantes que hoje frequentam suas aulas, futuramente, podem exercer a mesma função que você: lidar com usuários e usuárias da Defensoria. O quanto o seu trabalho junto a populações vulneráveis reflete no trabalho em sala de aula? A experiência na DPE-PR te ajudou a ser uma professora melhor?

Com certeza. Os melhores professores e professoras que eu tive no Serviço Social vinham de muitos anos de prática profissional, eram professores(as) que, para além do trabalho acadêmico, exerceram anos e anos de prática profissional dentro da política de assistência, por exemplo. E eu acho que o(a) docente que traz o seu cotidiano de trabalho para as aulas consegue atingir melhor os(as) estudantes, porque além da discussão teórica - que pode ser uma discussão às vezes difícil, uma discussão que às vezes está até muito longe daquele(a) estudante -, a gente consegue materializar a prática profissional. O que eu vivencio aqui na Defensoria amplia a visão deles e delas também. E eu acho que isso faz com que eles e elas queiram ir para a prática profissional, também. Pelo menos é isso que os meus alunos e alunas falam: ‘Professora, quando você traz a sua prática, a aula fica muito melhor, porque a gente consegue visualizar o que podemos fazer quando a gente for assistente social’.

 

Você fala de trabalho de ‘formiguinha’ dentro do Serviço Social. Os professores e as professoras também exercem um papel semelhante, na busca por construir e disseminar mais consciência para as gerações futuras?

Sim, é basicamente isso. Eu acredito muito nas bases da educação do Paulo Freire, de que a prática muda a teoria, e não o contrário. Então, quando a gente consegue trabalhar num campo sócio-ocupacional e trazer a realidade desse campo para o âmbito acadêmico, isso é muito legal e muito valioso. 

 

Recentemente, foi realizado o Terceiro Encontro das equipes técnicas da instituição. Qual é a importância de uma instituição como a Defensoria também contar com profissionais de outras áreas e como isso contribui para a democratização da justiça? E quais foram as discussões deste Terceiro Encontro de Equipes Técnicas?

Equipe multidisciplinar, pra mim, não são apenas o Serviço Social e a Psicologia. Quando a gente fala em equipe multidisciplinar, na realidade, a gente tem que envolver a equipe jurídica nesse debate, também. É a discussão de caso, de como resolver, de como dar um encaminhamento para uma demanda, seja individual ou coletiva, da melhor maneira possível. Para mim, o trabalho multidisciplinar é isso, a gente tentar trazer de uma maneira igual, de uma maneira coerente, essas três áreas do conhecimento, que são as que a gente tem hoje. Eu espero que um dia a gente possa discutir o trabalho multidisciplinar da Defensoria com outros atores: sociólogos(as), arquitetos(as), médicos(as)… Mas a nossa parceria entre Serviço Social e Psicologia é muito interessante, porque eu acredito que o Serviço Social traz uma visão mais ampla do aspecto social; a Psicologia - e se eu estiver falando uma besteira, as colegas vão me corrigir depois - traz também, dessa maneira ampla, aspectos que são de comportamento, que são questões psicológicas daquele indivíduo ou daquela realidade que a gente está analisando. Então, é uma complementação muito bacana quando a gente tem essas duas áreas, esses dois atores institucionais trabalhando juntos. 

O Terceiro Encontro veio nessa perspectiva de nós discutirmos as nossas áreas de atuação. Foram divididos grupos de trabalho na plenária final para a gente tentar encaminhar discussões sobre os processos de trabalho de ambas as profissões nas áreas que são pertinentes ao atendimento da Defensoria. O encontro inteiro foi para a gente poder pautar essas discussões, que são tão necessárias para o trabalho das equipes técnicas, os assuntos que a gente mais atende e problematiza, em cada uma das áreas em que a gente atua. A gente terminou o encontro nesse pé, para gente poder - isso na minha visão - passar para um ponto seguinte, que é de organizar fluxos de trabalho. Esse encontro foi muito importante para a gente discutir o nosso trabalho técnico nas mais diversas áreas de atuação da Defensoria Pública.