Com a Palavra, a Defensoria: Entrevista com o defensor público Ricardo Menezes da Silva, coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor (NUDECON) 28/06/2024 - 11:45

Logo que Ricardo Menezes da Silva chega em casa, o filho de três anos pede para que ele troque a roupa usada durante o expediente na Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) e se sente no chão para brincar. O atual hobby do defensor público coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor (NUDECON) é se divertir com Gabriel e cuidar do Pedro, o caçula de apenas cinco meses, filhos do casamento com Fabiana, que conheceu quando ainda dava aulas de Geografia em um cursinho comunitário no Rio de Janeiro.

Há mais de 10 anos no Paraná, o carioca de Jacarepaguá é defensor público do primeiro concurso da DPE-PR e diz que, apesar da fama da capital paranaense, teve sorte de conhecer pessoas incríveis e fazer amizades em Curitiba. Ele preza pelo atendimento ao público e sente que, ao conhecer o(a) usuário(a), o compromisso de resolver seu problema é algo maior do que quando só tem um prontuário do caso.

Apaixonado por Geografia, o defensor tem no geógrafo Milton Santos - um dos maiores intelectuais brasileiros - uma inspiração e acredita que nada muda do dia para a noite, mas que algumas injustiças podem ser evitadas. “E o nosso trabalho também nos proporciona, de certa maneira, resolver algumas injustiças”.

Em uma conversa sobre trabalho, família e literatura, Ricardo é o entrevistado deste mês do projeto “Com a Palavra, a Defensoria”.

Imagem que mostra o defensor em 3 momentos: em uma reunião, sentando-se em uma cadeira e sorrindo. Na sua sala, gesticulando enquanto fala e com o boneco do Milton Santos ao fundo. E um detalhe de suas mãos durante a entrevista.

 

Como foi a sua infância e a sua juventude? Quais eram os seus interesses e quais foram as razões que o levaram a escolher o Direito?

Eu morava em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro, perto da Barra da Tijuca. E lá no Rio tem o Colégio Pedro II, que é muito bom, e você entrava ou por sorteio na primeira série ou por prova na quinta série – que hoje é o sexto ano. Entrar por prova era muito difícil e os pais que tinham mais recursos colocavam os filhos em cursinhos para fazer a prova. Digamos que é um processo em que as famílias com uma renda um pouco menor tem mais chance apostando na sorte. E a minha família era de classe média baixa, a minha mãe era auxiliar de enfermagem e o meu pai instalador de pisos. E eu tenho uma irmã um ano mais velha. Então, a minha mãe inscreveu nós dois na seleção do colégio e nós fomos sorteados.

Só que o Pedro II tinha cinco unidades e nós fomos estudar na zona sul, na unidade de Botafogo, e era muito longe. Eram duas horas de trajeto pegando dois ônibus, mas a escola era muito melhor do que as que tinham no meu bairro. Na minha infância e juventude, eu não tinha muito tempo para fazer nada além do colégio, porque eu entrava às 12h30, mas tinha que sair de casa dez e meia da manhã, e na volta eu saía por volta de 17h30, 18h e chegava em casa às oito da noite – e ainda tinha que fazer dever de casa, estudar. A partir da quinta série, eu tinha aulas aos sábados também.

Até me lembro que na época tinha um desenho muito famoso, “Cavaleiros do Zodíaco”, e eu chegava no colégio, todo mundo só falava desse desenho, mas ele passava às 11h30 e depois às 18h30 da tarde. Mas eu nunca vi, não fazia ideia de quem eram os personagens, porque eu não conseguia acompanhar.

Foi uma época muito boa, foi muito diferente. Por exemplo, lá eu estudei com o filho do Joaquim Barbosa [ex-ministro do Supremo Tribunal Federal] durante algum tempo, e tinha um amigo que morava no Cantagalo. Na minha época, onde eu morava, as pessoas não falavam muito de vestibular, não tinham essa perspectiva de fazer faculdade. Graças ao Pedro II, a gente teve essa possibilidade.

 

E foi lá que você começou a pensar em fazer Direito?

Eu sempre quis estudar Geografia. Já na faculdade, durante três anos eu dei aula em um cursinho Pré-Vestibular Comunitário de uma igreja [a Igreja Metodista da Taquara, no Rio de Janeiro] de Geografia Geral e do Brasil. Queria muito fazer Geografia, porque os meus professores de geografia foram muito bons. Já a minha irmã sempre quis fazer Direito. Na cabeça da minha mãe, a única coisa que um geógrafo poderia fazer era dar aula. Era uma preocupação para ela, que começou um trabalho de convencimento, já que a minha irmã queria fazer Direito, que era legal, que eu gostava de estudar, que falava bem - esse tipo de coisa que mãe fala para filho. Quando chegou no momento da inscrição do vestibular, um momento de muita insegurança, porque você tem dezesseis ou dezessete anos, e tem que escolher o que que vai fazer para o resto da vida, eu acabei fazendo Direito, mas sem muita convicção. Eu e a minha irmã passamos na mesma faculdade, na Universidade Federal Fluminense, que era em Niterói. Nós nos formamos no mesmo dia.

Eu não gostei da faculdade, não me dei bem com as pessoas. Eram pessoas muito diferentes daquelas com que eu estava acostumado a lidar. Eu não fui uma pessoa muito estudiosa naquela época. Próximo do final do curso, a minha irmã já trabalhava – ela sempre foi uma pessoa mais “solta” do que eu, eu gostava de ficar em casa lendo os meus livros e era isso – a minha mãe chegou e falou: “Olha, Ricardo, a gente está fazendo um esforço familiar grande para retardar a sua entrada no mercado de trabalho. Quando você se formar, a minha tarefa e a do seu pai estará cumprida”. Me bateu um certo desespero, porque eu não estava tão dedicado assim à faculdade. Comecei a estudar para fazer um concurso e passei no Tribunal de Justiça, como analista.

 

E como foi essa experiência?

Lá eu fui trabalhar numa vara cível. Na época, era processo físico e era muito trabalho. A relação com os advogados também era bem difícil. Era um ambiente tenso. Por exemplo, às vezes, você tinha que pegar dez processos e colocar cada um em uma gaveta, mas, às vezes, o processo ia para a gaveta errada num lugar onde tem, sei lá, 10 mil processos. Se você colocou em uma gaveta errada você não acha. Era bem complicado e eu comecei a querer sair de lá. Para encurtar a história: tinha um desembargador que estava procurando alguém para trabalhar com ele e eu fui fazer o processo seletivo por uma indicação. Cheguei e expliquei: “Olha, eu não aprendi tanto quanto deveria na faculdade, mas estou aqui querendo muito aprender”. Para mim foi ótimo trabalhar com ele, porque o desembargador era professor e uma pessoa muito gente boa. Nós somos amigos até hoje. Ele é meu padrinho de casamento. O que também nos aproximou era que eu dava aula de geografia e os filhos dele tinham uma dificuldade enorme com a matéria. Passei a estudar geografia com os filhos dele. Foi uma pessoa que me ajudou muito, conseguiu bolsas de estudo para eu começar a fazer cursos, uma presença inspiradora. Eu comecei a gostar, de fato, do Direito e de estudar para concurso.

 

Qual é o nome do desembargador?

O nome dele é Alexandre Freitas Câmara. Várias vezes ele me cedeu a biblioteca dele, eu passava o dia lá na casa dele estudando. Foi uma pessoa muito importante.

 

Na faculdade houve algo que o levou a escolher a Defensoria Pública como carreira? Quando você conheceu essa instituição?

Eu tinha sido usuário da Defensoria Pública no Rio de Janeiro no Núcleo do Consumidor, em um problema que eu e a minha namorada na época, que hoje é minha esposa, tivemos com um banco. Lá no Núcleo, resolveram o nosso problema extrajudicialmente e eu achei aquilo ótimo. Ficou na minha cabeça. Quando comecei a estudar para concurso, me veio à mente a Defensoria. Eu sempre gostei de atendimento. A Defensoria foi uma escolha bem natural.

Queria ficar no Rio de Janeiro, porque eu tinha muito medo de avião. Ainda tenho um pouco. Só que um amigo meu se inscreveu para fazer uma prova aqui no Paraná e falou: “Ricardo, vamos! A gente dá uma volta lá em Curitiba! ”. Eu falei: “Mas você vai? Eu não entro em avião sozinho! ”. Mas esse amigo estava fazendo concurso para a Advocacia-Geral da União (AGU) e uma das fases específicas da AGU era no final de semana seguinte à primeira fase da Defensoria Pública aqui do Paraná. Minha namorada acabou vindo comigo. E eu passei cinco anos depois de ter começado a estudar para concurso. Sempre estudei só para a Defensoria.

 

E como foi o início da sua atuação na Defensoria do Paraná? Você começou em Paranaguá, no litoral do estado, em janeiro de 2014. O que guarda de recordação dessa época?

Eu sou do primeiro concurso. Olha, eu diria que foi um pouco traumático, sabia? Eu acho que isso acontece com todo mundo que entra. Você entra com uma expectativa muito grande, achando que vai fazer uma diferença muito grande na vida das pessoas e eu acho que faz mesmo. Só que eu entrei, na época, sem uma orientação de alguém que já fosse mais velho na comarca, que já soubesse como as coisas funcionavam. Eu fui para lá com o Wisley [Wisley Rodrigo dos Santos, defensor público que atualmente coordena a equipe da DPE-PR no Tribunal do Júri em Curitiba] e com o Juliano [Juliano Marold, defensor público que atua na área de Execução Penal na DPE-PR, também em Curitiba], para a minha sorte, porque são dois defensores muito, muito, muito bons. Pessoas boas e bons de trabalho também.

Quando a gente chegou lá, não tinha ainda a sede da Defensoria. Nós ficamos nas primeiras semanas conhecendo a rede da infância, conversando com o juiz. Eu atuava na área de Família e de violência doméstica e quando a gente começou a atender era um volume muito grande de processos em uma estrutura muito pequena. Já existia o PROJUDI [programa utilizado pelo Tribunal de Justiça do Paraná que substituiu os processos físicos por processos digitais]. A gente digitalizava os documentos no celular. Eu lembro que a gente fez uma pequena comemoração quando recebemos um scanner de mão da Administração. Como a sede demorou a ter telefone, eu dei o meu telefone pessoal para quase a totalidade dos usuários que ligavam sexta-feira à noite, sábado, domingo. Eu trabalhava muito. Para vocês terem ideia, a minha esposa levou o colchão para a sala, porque eu ficava na sala trabalhando e conversando com ela. Por mais que eu ache que a gente tem que trabalhar muito mesmo, já que somos também muito bem remunerados para fazer isso, vejo que o trabalho naquela época era ainda mais excessivo. Mas foi legal, uma curva de aprendizado muito grande. Fiquei seis meses lá. O Saulo [Saulo Henrique Alessio Cesa, que já não é mais defensor na DPE-PR] era coordenador de planejamento e me convidou para ir para Curitiba ajudá-lo com esse trabalho. Aceitei com a condição de que alguém fosse para Paranaguá para continuar o que eu estava fazendo.

 

Em mais de dez anos de DPE-PR, você já passou por diversas áreas, inclusive coordenou o Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas (NUFURB) e atuou em grandes ocupações do estado, como a Ocupação Bubas, em Foz do Iguaçu, e o Jardim Gramado, em Cascavel. Quais foram as principais conquistas e os principais desafios que você teve nessas áreas?

No NUFURB, na época, você chegava a coordenador de núcleo por votação do Conselho Superior da Defensoria e eu fui eleito por unanimidade. Era um trabalho muito bacana, porque eu imaginava que poderia agregar a paixão que eu sempre tive pela Geografia com o Direito. É um núcleo bem intenso. Chega muita coisa em cima da hora. A gente teve nesse período também a ocupação das escolas estaduais, que foi bem difícil de lidar, porque foi um movimento muito descentralizado e a gente fez várias defesas em vários municípios contra as ações de reintegração de posse que os municípios e o Estado ingressaram. Essa eu acho que foi uma atuação bem bacana, porque foi uma articulação da Defensoria com o Ministério Público, com a Assembleia Legislativa, que também fez uma interlocução. Foi algo que eu gostei de fazer.

O Bubas também foi uma articulação muito bacana, com desfecho satisfatório, do ponto de vista do resultado dos processos. Já em Cascavel eu acho que foi a atuação mais penosa que eu tive na Defensoria. A gente ainda conseguiu suspender a desocupação forçada durante um período, mas depois a área foi reintegrada. A realocação foi difícil, algumas famílias ficaram em ginásios, escolas. Se a gente pensar no que hoje está acontecendo no Rio Grande do Sul é uma coisa um pouco impensada, no mínimo. Aquilo eu senti demais.

 

Nessa época você ia para Cascavel?

Sim, inclusive, por conta disso, eu pedi para sair do Núcleo, porque toda segunda-feira eu ia a Cascavel, religiosamente. Eu não sabia que ia acontecer isso e tinha me matriculado, no mestrado, em uma matéria às segundas-feiras. Chegou num ponto que se eu faltasse mais uma vez, seria reprovado. Imaginei que teria oportunidade de voltar ao Núcleo. Eu já trabalhava no setor Cível. Consegui concluir meu mestrado sem susto. Depois saí do Cível e fui para o [Fórum Descentralizado do] Pinheirinho, onde eu trabalhei um pouco nas áreas de Família e Infância e no Juizado Especial Criminal. E depois voltei para o Cível, que é onde eu estou até hoje.

 

Cível é a área que você mais gosta?

Com certeza! Eu acho que nos 11 anos de Defensoria, sete ou oito atuei na área Cível. Fiz algumas coisas no Criminal em Paranaguá e trabalhei muito pouco no Juizado Especial Criminal quando estava no Pinheirinho, mas de resto a minha vida toda foi na área Cível. Espero que continue assim!

 

Retomando um pouco a questão da Geografia na sua vida, você tem um boneco do geógrafo Milton Santos (1926-2001) na sua sala. Qual é o significado desse intelectual para você?

O Milton Santos foi um grande geógrafo. Em algum momento da vida dele, ele foi considerado como o maior geógrafo vivo, imagina! Ele participou de projetos importantes da ONU e era um homem negro. Isso, de certa maneira, também cria uma identificação. Na época em que eu fazia vestibular o livro “Por uma outra globalização” me marcou demais. Inclusive, o meu boneco anda com esse livro debaixo do braço.

Ainda hoje eu leio livros dele. Ele publicou muitos. Se não me engano, a EDUSP [Editora da Universidade de São Paulo] publicou quase todos. Não é difícil você ter acesso à obra dele. Ele é uma pessoa que viveu muito tempo otimista com pequenos avanços. Acho que a gente não vai mudar o mundo do dia pra noite, o mundo não vai deixar de ser injusto do dia pra noite. Eu acho que a gente tem a sensação de que algumas injustiças podem ser evitadas, e acho que ele pensava assim. O nosso trabalho também nos proporciona, de certa maneira, resolver algumas injustiças. Ele está sempre comigo. Para onde eu vou, eu levo o Milton.

 

Voltando à sua trajetória na Defensoria, como a área do consumidor e o NUDECON entraram na sua vida?

Foi uma coisa meio imprevisível. Acho que fiquei um pouco mais de dois anos na Coordenadoria Jurídica da Defensoria e, quando eu saí da Administração, o meu plano era simplesmente ficar um tempo sem voltar, porque a gente trabalha muito! É muita coisa que chega da noite pro dia, uma responsabilidade muito grande e uma pauta que você não controla. O meu trabalho na Coordenadoria Jurídica era muito livre, o que era muito bom. Mas, às vezes, você dá um parecer e as pessoas não gostam, elas reclamam. Então, chega um momento que isso começa a gerar um certo desgaste. Eu saí da Coordenadoria Jurídica para voltar para o Cível, que é um lugar que eu gosto muito. Gosto da matéria, gosto das pessoas que trabalham lá e do atendimento.

 

Você faz atendimento ao público? Gosta dessa parte?

Faço e, se não fizesse, o trabalho da Defensoria perderia muito sentido para mim. Eu acredito que, quando você vê a pessoa, seu compromisso em resolver o problema dela é maior do que quando você só pega um prontuário. Além disso, eu acredito que é um direito de todo usuário da Defensoria ver o defensor público responsável pelo seu caso ao menos uma vez. Não dá para ficar vendo todo dia, mas, ao menos uma vez, você saber quem é responsável pelo seu processo é um direito. Eu conheci o defensor público que me atendeu no Rio de Janeiro, tive a oportunidade de estar com a pessoa que resolveu o meu problema.

Como mencionei antes, saí da Administração pensando em ficar um tempo na ponta. E o coordenador do NUDECON era o Erick [defensor público Erick Lé Palazzi Ferreira, atualmente presidente da Associação das Defensoras Públicas e dos Defensores Públicos do Estado do Paraná – Adepar]. Ele fazia um bom trabalho, mas resolveu ser candidato à presidência da Adepar e falou: “Ricardo, você não tem interesse [em ser coordenador do Núcleo]?”. Ele estava saindo, gostaria de indicar uma pessoa. O Erick é bastante persuasivo e falou: “Você vai gostar, vai ser legal”. Eu conversei com o Matheus [Cavalcanti Munhoz, atual defensor público-geral do Estado] e com o André [Ribeiro Giamberardino, defensor-geral até maio deste ano]. André ainda era o DPG na época. Fui nomeado coordenador e é muito legal. Estou gostando muito. Acho que a gente ainda precisa fazer mais coisas. Mas, hoje, é uma das coisas que eu mais gostei de fazer na Defensoria Pública. Já fiz tanta coisa.

 

E como é o atendimento no Núcleo?

Hoje a gente trabalha no extrajudicial e com ações coletivas, porque a gente ainda não tem uma estrutura para fazer atendimento individual. Quando a gente fala de “consumidor”, a demanda se expande muito. Eu acho que a gente precisa avançar, já até conversei com a Administração sobre isso, para que o Núcleo se torne uma referência, assim como é no Rio de Janeiro e em São Paulo. Até para que a gente possa identificar as demandas que podem ser coletivizadas. Quanto mais você atende, mais você percebe quais são os problemas da população. Eu estou há pouco menos de seis meses, mas muito animado com esse trabalho.

 

Nesses quase 11 anos de Defensoria, teve algum caso que te marcou muito?

Tem alguns que eu comentei, o do Bubas é muito legal, o Jardim Gramado em Cascavel, a atuação nas escolas na época do NUFURB. O curioso é que um caso me marca muito mais se eu não consigo resolver. Por exemplo, eu estou com um caso no Cível de uma pessoa que está tentando a interdição do filho. É uma pessoa em situação de altíssima vulnerabilidade, o processo dela foi deslocado de Curitiba para Piraquara, porque ela se mudou. Nas ações de curatela, quando a pessoa se muda o processo se desloca também para facilitar o acesso à aquela pessoa que precisa de uma proteção judicial mais próxima. Ela é uma excluída digital e o filho também não sabe mexer com esse ambiente virtual e, por isso, houve uma dificuldade de fazer audiência. O processo está tramitando há dois anos, eu pedi uma designação extraordinária para seguir no processo. Agora a mãe da usuária da Defensoria, que é avó do rapaz que está sendo interditado, está numa situação de saúde difícil. A avó é o esteio da família porque é a aposentadoria dela que os sustenta. A mãe não consegue trabalhar, porque precisa cuidar do filho, que é uma pessoa com deficiência, um caso neurológico. Enfim, como essa pessoa não consegue fazer audiência virtual, eu vou até lá. Espero que resolva, mas eu fico sempre com essa angústia.

Na área de consumidor, a gente tem agora um processo bem delicado também que é de ligação de energia elétrica para uma comunidade de Guarapuava, onde vivem cerca de 400 pessoas, a grande maioria sem água nem luz. O local é uma área de preservação ambiental. A gente entrou com um agravo instrumento, mas perdemos.

 

Caminhando para o final, falamos muito do Ricardo Menezes da Silva defensor público, mas como é o Ricardo com a família e os amigos? Quais são os seus hobbies? O que você gosta de fazer quando não está na sua “versão defensor”?

Eu sou bastante caseiro. Não sou muito de sair, a minha esposa também não é. Ela é fisioterapeuta, trabalha no Hospital de Clínicas da UFPR. Hoje, a gente tem dois filhos, um de três anos e outro de cinco meses. Aí a nossa rotina fica toda por conta das crianças. Quando eu chego em casa do trabalho, o meu filho de três anos sempre pede para minha esposa deixar uma roupa separada. Aí ele pega, já me dá a roupa e faz eu trocar e sentar para brincar. É o meu hobby hoje em dia. Mas eu separo um horário para estudar também.

 

O seu mestrado foi em quê?

Foi em Processo Civil, a área mais importante do Direito! [risos]. Agora tenho que dizer que é consumidor, né?

 

E para qual time você torce?

Sou flamenguista, graças a Deus [risos].

 

Você não é uma pessoa de ver série, filme... jogo do Flamengo?

O jogo do Flamengo eu ainda tento assistir, mas eu nunca fui muito de TV. Quando a minha esposa escolhe alguma coisa que ela quer ver, eu assisto junto, mas não sou muito fã de TV. Pra mim, TV boa é TV desligada [risos].

 

Você gosta de ouvir música?

Eu também não sou tão musical assim. Que pessoa chata, né? [risos] Mas eu gosto muito de samba e pagode, como um bom carioca. Escuto rock, tudo antigo. A gente vai ficando velho e para de escutar rádio, não sabe mais nada de novo. Eu gosto de Iron Maiden e AC/DC, mas tenho que confessar que eu não tenho escutado muita música.

 

Você é mais do estudo... Ficou só no Direito mesmo ou ainda tem espaço para Geografia?

Hoje em dia eu leio mais literatura do que Geografia. Recentemente eu li “Tudo é rio”, da Carla Madeira. A história é de um casal cujo marido é muito ciumento e em algum momento da vida ela engravida e o marido tem ciúme do próprio filho. Existe uma tragédia em relação a esse bebê por culpa do pai. A história se desenrola num processo de, digamos, cura de feridas. A autora conta muito bem essa história e sempre tem uma figura feminina de muita sabedoria nas histórias que ela conta. O livro é espetacular. Outro livro dela é “A natureza da mordida”. A história é sobre uma moça jovem que encontra uma pessoa mais velha, já na última etapa da vida. O livro é basicamente de diálogos que elas têm a respeito da vida, da família, das relações entre pai e filho, marido e mulher, e tem um final bem interessante.

O livro “O Drible”, do Sérgio Rodrigues, também é bem legal. É a história de um pai apaixonado por futebol que tem um filho com o qual a relação é péssima. O final é bem surpreendente. Já “Os Supridores”, do José Falero, é a história de dois colegas que trabalham em um mercado e têm o sonho de melhorar a vida economicamente, ajudar a família e tal. Eles resolvem começar a vender droga e a história do livro se desenrola. São capítulos bem curtos, como se fosse uma série policial, em que eles montam como se fosse uma facção. Há desde o ápice, em que tudo dá certo, até o declínio. É um livro bem legal.

“Via Ápia”, do Geovani Martins, que também escreveu “O sol na cabeça”, é outro livro muito bom. Conta a história de cinco moradores da comunidade da Rocinha – que durante muito tempo foi a maior comunidade do Brasil e da América Latina, depois passou a ser Paraisópolis, em São Paulo – e é dividido em três momentos: antes, durante e depois da saída da UPP [Unidade de Polícia Pacificadora] da comunidade. É um livro muito bacana para entender o impacto das UPPs nessas comunidades.

 

Você veio para cá com a sua esposa, mas a sua família continua no Rio de Janeiro?

Minha irmã mora lá, meu pai e minha mãe graças a Deus ainda estão vivos e moram lá também. A minha sogra mora aqui, ajuda a gente com as crianças.

 

Como é a relação com a sua irmã? Vocês “trocam figurinhas” do Direito?

A gente se fala todo dia! Hoje a gente já se falou. Ela é da área do Direito Empresarial, então não consigo trocar muito com ela, mas sempre que eu tenho dúvida, quando aparece algo dessa área no Cível, eu peço ajuda.

 

E você volta sempre para o Rio de Janeiro?

Eu quase não vou. Eu ia mais quando não tinha filhos, mas agora com criança tudo é mais difícil. E Curitiba é bem legal, né?

 

Você gosta daqui? Se adaptou bem?

É uma cidade incrível para morar. Mesmo depois de 11 anos aqui, já acompanhei parte do crescimento da cidade, com muitos empreendimentos imobiliários, o trânsito ficou um pouco mais intenso. Ainda acho que é uma cidade que te proporciona uma qualidade de vida que, dentre as capitais – das poucas que eu conheço – não vi igual. E os curitibanos que eu conheci são pessoas incríveis. Felizmente eu não tive experiência ruim! [risos].