Artigo | Violência sexual contra crianças e adolescentes: escutar, acolher e orientar para evitar e erradicar 18/05/2022 - 10:15

 

Fernando Redede Rodrigues, Defensor Público Coordenador do Núcleo da Infância e Juventude (NUDIJ) da Defensoria Pública do Estado do Paraná

 

Anualmente, em 18 de maio é relembrado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data simbólica foi escolhida em memória à menina Araceli Cabrera Sanches, a qual foi violentamente sequestrada, estuprada e morta em 1973, com apenas 8 anos. Mais do que um dia voltado à conscientização da população sobre esse problema recorrente, a data é um chamado sobre a importância da mobilização de familiares, da sociedade e do Estado para implementarem métodos efetivos de amparo e proteção às crianças vitimadas.

Nesse contexto, o Panorama da Violência Letal e Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Brasil, elaborado pela Unicef, exemplifica a gravidade e dimensão da matéria: entre 2017 e 2020 foram registrados 179.277 casos de estupro com vítimas de até 19 anos, das quais crianças de até 10 anos representaram 62 mil das vítimas[1]. Diante desse panorama, ao qual deve-se acrescer outras formas de violência, como agressões físicas e verbais, a legislação vem buscando ampliar a proteção legal da criança e do adolescente.

 Dentre as inovações legais dos últimos anos, há a Lei nº 13.431/2017, especialmente voltada à proteção de jovens vítimas de violência. A lei traz, em seu artigo 4º, a definição de diversas formas de violência, como a definição de violência institucional. Tal conceito demandou especial atenção da própria rede pública de proteção e de todos os órgãos que atuam no sistema de justiça, incluindo magistrados(as), promotores(as), defensores(as) e equipe técnica, pois evidencia a possibilidade de o próprio agente designado para atuar pela proteção da criança também agir com violência contra ela. Diante desta definição, são indispensáveis a todas as pessoas que realizam atendimento à criança e adolescente vítima de violência a adequada profissionalização e especialização, bem como é imprescindível estabelecer protocolos das ações a serem implementadas por cada órgão, com o objetivo de garantir efetiva e imediata proteção da vítima.

De outro lado, sob o viés eminentemente administrativo, é necessário destacar a obrigação de todos os agentes públicos de atuarem com a máxima eficiência possível, em todos os serviços, devendo ser uma prioridade a atenção à criança e ao adolescente vítima de violência. Assim, a estruturação de protocolos de atuação, com cada ente e órgão conhecendo a função dos demais, e pactuando compromissos para construir a proteção ao caso concreto, cria condições para a adoção de procedimentos administrativos céleres e eficientes, contribuindo inclusive para o suscesso de eventual responsabilização do agressor.

Especial destaque merece a questão de que todos e todas – aqui incluídos família e profissionais da rede de proteção – devem saber ouvir e acolher o relato de violência. Não é difícil imaginar que uma criança ou adolescente não irá falar sobre uma situação que lhe traz sofrimento caso não esteja em um ambiente seguro e de confiança, em que sua fala possa ser acolhida e validada. Consequentemente, ambientes (tanto na família quanto em outros espaços) em que a voz da criança é desacreditada podem provocar inibição do ato de fala da criança vítima, situação que infelizmente poderá mantê-la na situação de violência por mais tempo.

Neste sentido, com o objetivo de reforçar efetivamente o Sistema de Garantia de Direitos da criança e do adolescente, é importante reconhecer que a rede de apoio governamental, bem como os métodos aplicados na sua atuação, assumem uma função central na prevenção e tratamento nos casos de abuso sexual. Por consequência, o próprio Estado deve contemplar sua responsabilidade ativa na abordagem de casos de abuso, sob o risco de causar maiores danos aos prejudicados.

Aliado a isso, analisando-se uma perspectiva mais voltada à percepção da criança e redução de danos à vítima, tem-se que as políticas públicas e a compreensível comoção popular em tais casos, muitas vezes, acarretam em maior preocupação com a reprovação penal da conduta criminosa do que em amparar e tratar as crianças afetadas. Pela Lei nº 13.431/2017 e normas correlatas, há frontal proibição do Estado de buscar a responsabilização do agressor de modo descompassado com a proteção da vítima. Entretanto, ainda assim, os órgãos de administração da Justiça submetem costumeiramente as ações da rede de proteção a um julgamento jurídico puramente normativista. De tal maneira, são criados obstáculos ao desenvolvimento de uma autocrítica necessária para a adequação dos próprios procedimentos e práticas, e para que estes sejam acolhedores com a vítima, e articuladas com alguma prestação de proteção.

            Desta forma, o dia 18 de Maio, sobretudo, é um indicador do caminho que ainda deve ser percorrido, no âmbito das políticas públicas, para tratar da questão da violência contra a criança e adolescente. Para tanto, deve-se reforçar a integração dos diferentes eixos envolvidos na rede de proteção (psicológico, hospitalar, pedagógico), alinhados por meio de protocolos humanizados, cuja preocupação central seja a proteção integral da criança e do adolescente como sujeitos de direitos em especial situação de desenvolvimento. Aliado a isso, sobretudo, deve-se criar espaços sociais seguros em que a criança possa falar com a confiança de que estará protegida.

 

[1] In < https://www.unicef.org/brazil/relatorios/panorama-da-violencia-letal-e-sexual-contra-criancas-e-adolescentes-no-brasil > Acesso em 13/05/2022.

 

 

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