Conheça a atuação da DPE-PR na assistência qualificada à mulher em situação de violência doméstica 14/12/2023 - 09:42

O Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) regulamentou, no último dia 27/11, a atuação da instituição na assistência qualificada à mulher em situação de violência, mecanismo legal previsto nos artigos 27 e 28 da Lei Maria da Penha (11.340/2006). Por meio da Deliberação 37 de 2023, a DPE-PR dá cumprimento ao que estabelece a lei quando determina que a mulher em situação de violência deve ser assistida por advogado(a) ou defensor(a) público(a) em todos os atos do processo criminal e/ou cível que digam respeito à violência praticada. Essa assistência também está prevista na Lei Orgânica da DPE-PR, a qual estabelece, conforme a própria Lei Complementar n.º 80 de 1994, que cabe à Defensoria Pública exercer a defesa dos direitos individuais e coletivos da mulher em situação de violência doméstica e familiar. 

A demanda por essa assistência da DPE-PR tem crescido, e a instituição tem investido cada vez mais no atendimento multidisciplinar, integral e humanizado a essas mulheres. De acordo com dados da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CEVID) do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR), foi registrado no estado, no primeiro semestre de 2023, em média, um novo caso de violência doméstica a cada dez minutos. Ao todo, foram 26.522 registros entre janeiro e junho - um aumento de 15% em relação ao mesmo período de 2022. Embora a assistência qualificada não seja um instituto jurídico novo - a Lei Maria da Penha completou 17 anos em 2023 -, ele ainda é pouco conhecido e aplicado, principalmente no que se refere ao papel da Defensoria Pública em garantir que as mulheres acessem o direito. 

“A assistência qualificada é um direito da mulher em situação de violência de ser acompanhada por um defensor público ou uma defensora pública durante todos os atos do processo, seja na esfera criminal ou cível. A defensora ou defensor é quem vai fazer valer os interesses da vítima e garantir que ela manifeste o desejo dela ao longo do processo”, afirma Mariana Nunes, defensora pública e coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM). A assistência qualificada se diferencia da assistência de acusação, função complementar à atuação do Ministério Público durante o processo. Enquanto a assistência de acusação tem como foco a responsabilização do agressor, a assistência qualificada trabalha para atender às necessidades da mulher, que podem ou não envolver a punição do autor da violência. Ainda que possam coincidir, são atribuições com objetivos diferentes.

A coordenadora do NUDEM diz que a mulher nem sempre deseja a condenação do homem. No entanto, isso não significa que ela seja omissa ou conivente com a violência sofrida. Nesses casos, o cumprimento de uma pena privativa de liberdade que impeça o agressor de trabalhar pode, por exemplo, prejudicar o sustento da família e o pagamento de pensão aos(às) filhos(as). Segundo a defensora pública, há também casos em que o casal reatou o relacionamento. “Muitas mulheres não denunciam o homem e, portanto, não conseguem apoio para sair do ciclo da violência justamente porque têm receio de que esse apoio seja condicionado à colaboração com o processo criminal no sentido de uma condenação. Nesses casos, a resposta penal é insuficiente para satisfazer essas mulheres, que desejam apenas o encerramento da situação de violência”, destaca a coordenadora do NUDEM.

Para além da punição, a mulher muitas vezes deseja que o divórcio e a regulamentação da guarda, pensão e visita dos filhos sejam mais ágeis. Pode também solicitar tratamento na área de saúde para si e para os filhos. Em algumas situações, ela busca a assistência qualificada para garantir que sua versão seja ouvida durante o processo e para que sua honra não seja atacada, ou para entender melhor quais são os seus direitos, compreender as fases do processo e obter demais informações que lhes garanta a saída do ciclo de violência e a autonomia financeira por meio do acesso a políticas públicas, entre outros interesses.

Direito ao silêncio

Uma das garantias que a Defensoria Pública busca assegurar às mulheres durante a assistência qualificada é o direito ao silêncio, como já estabelecido pelo Enunciado 50 do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (FONAVID). Esse instituto prevê que a vítima não é obrigada a depor contra o agressor, independentemente do motivo. Foi o caso de uma assistida da instituição em Francisco Beltrão, ocorrido no último mês de agosto. A DPE-PR conseguiu, por meio de uma decisão do TJ-PR, o trancamento de uma ação penal contra uma vítima de violência doméstica que não quis prestar depoimento contra o marido. Ela era acusada pelo Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR) de denunciação caluniosa. No entanto, a decisão do TJ-PR destacou que não havia nenhum indício de que o crime de lesão corporal não tivesse sido cometido.

A defensora pública responsável pela defesa da assistida, Thais Pereira, explica que a mulher inicialmente chamou a Polícia Militar após ser agredida, e relatou aos policiais que o marido era o autor da violência. Posteriormente, na delegacia, preferiu ficar em silêncio quando questionada sobre os fatos. “Diante disso, começou um processo de revitimização, em que foi dito à assistida que ou ela confirmava a agressão, ou ela poderia responder por crime. Foi identificado que nesse caso o Estado praticou uma violência institucional contra ela, colocando-a como ré em uma situação em que claramente ela era vítima”, aponta a defensora pública. Ao ser chamada para depor, a esposa disse que não se lembrava o que havia ocorrido, mas Pereira ressalta que a assistida tem filhos com o marido, e sofre de dependência física, financeira e emocional. 

Em Morretes, no mês de novembro, a DPE-PR também obteve o trancamento de um inquérito policial contra uma mulher em situação de violência doméstica por falso testemunho. A mulher, assistida pela Defensoria, não quis prestar depoimento após ter denunciado o marido à polícia, em fevereiro. O MP-PR requisitou à Delegacia de Polícia que a vítima fosse investigada pelo fato de ela ter ficado em silêncio durante o depoimento em audiência, mas a assistência da DPE-PR garantiu na Justiça o trancamento da investigação.  

Além do silêncio durante o depoimento, a Defensoria pode buscar garantir que o agressor não esteja presente durante o depoimento da vítima ou que o homem seja condenado a pagar uma indenização à vítima, entre outros direitos. 

Olhar multidisciplinar 

“Normalmente, as agressões contra a vítima dentro dos relacionamentos abusivos não começa com uma violência física. Quando a agressão acontece, é comum que a violência psicológica já esteja acontecendo por meio de ameaças, chantagens e diminuição da autoestima da vítima. Durante um relacionamento em que há violência, costumam ser estabelecidas dinâmicas de poder em que o agressor exerce controle sobre a mulher. Esse controle costuma ser realizado de muitas formas, e nem tudo o que acontece é percebido como negativo para a vítima, e às vezes até por observadores externos”, explica Marcela Ortolan, psicóloga da DPE-PR.

Na assistência qualificada, as equipes técnicas da Defensoria podem atuar em paralelo junto com a equipe jurídica, formada por defensores(as) e assessores(as) jurídicos(as). Enquanto os interesses da mulher são levados e manifestados no âmbito do processo cível e/ou criminal, as equipes técnicas da DPE-PR, formadas por profissionais da Psicologia e Serviço Social, oferecem atendimento psicossocial para que ela possa sair do ciclo da violência e obter autonomia psicológica, emocional e social. “A defesa da vítima precisa olhar todos esses fatores para compreender a violência doméstica e familiar na sua complexidade, e, com isso, não fazer uso de pressupostos machistas na sua atuação, ao mesmo tempo em que deve garantir que esses pressupostos também não sejam usados por outros agentes do processo”, conclui Ortolan. 

Atendimento

Atualmente, Curitiba e União da Vitória possuem atendimento especializado da DPE-PR na área de violência doméstica e familiar contra a mulher, que envolve prestar assistência qualificada à vítima perante as Varas Criminais e no Tribunal do Júri, e os serviços devem ser ampliados em 2024. 

Em Curitiba, é possível buscar atendimento no posto avançado da DPE-PR na Casa da Mulher Brasileira, na Avenida Paraná, n.º 870 , no bairro Cabral, próximo ao Terminal do Cabral, de segunda a sexta-feira, das 12h às 16h. 

Em União da Vitória, é possível buscar atendimento no posto da DPE-PR no Fórum da cidade, localizado na Rua Marechal Floriano Peixoto, 314, Centro, de segunda a sexta-feira, das 13h às 18h.