NUDEM ajuíza ações indenizatórias na Justiça por mulheres que sofreram aborto no CMP 13/03/2024 - 10:34

O Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) pede na Justiça R$ 80 e R$ 150 mil como reparação para duas mulheres que sofreram aborto em junho de 2020 e novembro de 2021 no Complexo Médico Penal (CMP) de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. Os pedidos foram realizados separadamente em duas ações indenizatórias diferentes por danos morais causados às usuárias da Defensoria pela falta de estrutura, negligência e omissão ocorridas enquanto estavam privadas de liberdade. As ações contaram com o apoio do Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal da DPE-PR e também pedem à Justiça medidas de “não repetição”, ou seja, providências para que mais ninguém tenha os direitos violados como as duas usuárias da Defensoria (conheça as medidas sugeridas pelo NUDEM no final do texto).    

“É importante pontuar que as violações de direitos cometidas pelo CMP não se limitam às suas instalações precárias e insalubres. Há uma escassez de recursos humanos que impede a possibilidade de assistência mínima obrigatória às pessoas que estão custodiadas. Os casos das duas mulheres mostram tudo isso e também revelam violências de gênero específicas, como a violência obstétrica”, afirmou a coordenadora do NUDEM, defensora pública Mariana Martins Nunes.

A defensora pública explicou que os valores de indenização pedidos são diferentes porque os casos tiveram circunstâncias um pouco distintas. Segundo ela, no primeiro caso, a mulher ficou relativamente pouco tempo privada de liberdade. “Logo após o abortamento foi transferida de volta para Guarapuava e já conseguiu na Justiça a prisão domiciliar. A segunda sofreu o abortamento logo que chegou ao CMP e ainda ficou muito tempo presa, sofrendo outras formas de violação ao seu direito à saúde”, explicou. Nunes comentou ainda que os exames posteriores mostraram que ela pode não conseguir mais gestar.

Guarapuava

No primeiro caso protocolado pelo NUDEM, uma mulher de 25 anos, privada de liberdade na Cadeia Pública de Guarapuava, com câncer de útero e gravidez de alto risco, teve os pedidos de prisão domiciliar e pedidos para internamento em hospital da região negados porque havia previsão de transferência para o Complexo Médico Penal (CMP), em Pinhais. O caso ocorreu em junho de 2020. 

“Foi relatado mais de uma vez a necessidade de internamento dela em razão do risco de abortamento, mas os pedidos foram negados e protelados porque havia transferência para o CMP prevista”, explicou Nunes. 

Após ser transferida para o CMP, de acordo com a defensora pública, a mulher alertou a unidade que estava com câncer de útero e havia também necessidade do uso do medicamento Ultragestan para não sofrer abortamento. “Além de ela ter sido transferida em condições desumanas, quando ela chegou na unidade, não houve qualquer encaminhamento para atendimento de saúde ou acompanhamento pré-natal. Fizeram exames apenas para confirmar uma gravidez que já havia sido relatada. O CMP também não forneceu o medicamento necessário para segurar a gestação dela”, contou a defensora. Segundo a coordenadora do NUDEM, a mulher foi levada para o Hospital Angelina Caron seis dias depois de chegar ao CMP e abortar o bebê dentro da cela. Ela estava com seis semanas e três dias de gestação. 

Campina Grande do Sul

Com oito semanas e cinco dias de gestação, uma outra mulher, de 30 anos, sofreu abortamento enquanto estava privada de liberdade no CMP em novembro de 2021. O aborto aconteceu dias depois de ela chegar na unidade transferida da carceragem da Delegacia de Campina Grande do Sul, também na região metropolitana de Curitiba. De acordo com a defensora pública, ela apresentou corrimento vaginal e diarreia. “Ela chegou a ser atendida por uma enfermeira que a  mandou de volta para a cela. A responsável pela enfermagem teria dito que “não era nada” à mulher. Pouco tempo depois, começou a passar mal novamente”, explicou a defensora.  

Segundo Nunes, durante o novo atendimento, a equipe do CMP prescreveu um calmante contraindicado para mulheres grávidas. No entanto, ela ressaltou que apenas a perícia médica poderá afirmar que o aborto ocorreu em razão do remédio prescrito, mas os maus-tratos e a negligência no atendimento por si só configuram violência obstétrica.

“A usuária da Defensoria relatou que ficou deitada na cela por cerca de dois ou três dias dopada e sangrando. Foi encontrada desacordada pela detenta faxineira do local”, contou a defensora. A mulher voltou a ser atendida pela enfermeira-chefe que teria dito: “imagina ter um filho no sistema penitenciário”, “imagina grávida em um lugar desse”, “melhor coisa é um aborto”. Em seguida, exames laboratoriais comprovaram a perda da gestação, mas os resultados não foram informados à paciente, que voltou à cela de gestantes e sequer sabia se ainda estava grávida ou não. 

“Depois de passar por tudo isso, ela ainda sofreu mais um descaso após uma prótese de mama se romper e ficar inflamada meses sem poder sair para ter um atendimento especializado causando danos à saúde já comprometida”, afirmou a defensora. Hoje ela também cumpre prisão domiciliar. 

Diálogo com o estado

A DPE-PR, por meio dos núcleos especializados e por meio da própria Administração Superior da instituição, tem diálogo aberto e constante com o estado sobre as condições estruturais e as consequências da falta de recursos humanos especializados no CMP. Por meio de inspeções frequentes do NUPEP e trabalho in loco dos assessores de Execução Penal, a instituição tem apresentado ao Governo do Estado a necessidade de mudanças e melhorias em todas as áreas do CMP e em vários estabelecimentos penais. O próprio Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) já determinou e renovou a interdição ética do CMP.

Além da saúde física dos (as) privados (as) de liberdade, a instituição tem trabalhado também sob a perspectiva de respeito à saúde mental deles e delas. Em 2023, a Defensoria, instituições e órgãos do estado assinaram um Protocolo de Intenções para a implementação da Política Antimanicomial instituída pela Resolução 487/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Paraná. 

Em 2022, o NUDEM e o NUPEP também propuseram ao estado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) após inspeção realizada no Complexo Médico Penal. Os núcleos recomendaram a elaboração de um protocolo de atendimento de saúde às gestantes da unidade. Na época, Nunes já relatava preocupação em relação à precariedade da assistência à saúde e da estrutura física do CMP.

Medidas de “não repetição” pedidas à Justiça

  • Elaboração de um protocolo de atendimento à saúde que garanta no mínimo as sete consultas de pré-natal, conforme determina a Linha Guia do Programa Mãe Paranaense;
  • Busca por informações da paciente junto à unidade de origem e à própria gestante sobre consultas realizadas antes da entrada no CMP; 
  • A realização dos três exames de ultrassom (um por trimestre da gestação), conforme determina a Linha Guia do Programa Mãe Paranaense; 
  • Acesso às medicações, suplementos vitamínicos e nutrição adequados, conforme cada gestação, de forma individualizada. 
  • Filtro e estratificação das privadas de liberdade grávidas por risco no momento de entrada no CMP. Em razão da vulnerabilidade das mulheres privadas de liberdade, o grau deveria ser fixado em intermediário ou alto, conforme diretrizes previstas na Linha de
  • Cuidado Materno Infantil da Secretaria de Estado da Saúde. 
  • Contratação emergencial de profissionais da saúde para trabalhar no Complexo Médico Penal, com preferência para a especialidade de ginecologia e obstetrícia, e também para enfermaria obstétrica, já que há insuficiência de recursos humanos especializados para realizar o atendimento necessário às gestantes.