Confira entrevista com o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin 08/04/2024 - 16:41

Em visita à Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) nesta segunda-feira (08/04), o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, falou sobre temas relacionados à atuação das Defensorias Públicas e ao fortalecimento da democracia. O ministro, formado no Paraná, destacou o papel que a instituição vem desempenhando no acesso à Justiça em todo o estado, além das contribuições dadas ao funcionamento do sistema de Justiça como um todo. Durante reunião com representantes da DPE-PR, ele também abordou os ataques sofridos pelas instituições e os desafios para a regulação das plataformas digitais no Brasil, entre outros debates que circulam nos tribunais superiores.

“Há alertas soando em todos os lugares do mundo, do ponto de vista da democracia como condição de possibilidade do exercício dos demais direitos. A democracia representativa tem inúmeros problemas, mas eles têm que ser resolvidos dentro da democracia. Portanto, nenhum CEO, seja da empresa mais importante do mundo, pode dizer que não vai cumprir decisão judicial. O que ele tem o direito de dizer, da forma mais ácida que ele entender, é que ele não concorda e vai recorrer”, afirmou o ministro. “Fomentar o descumprimento de ordens judiciais significa fomentar a diminuição das instituições”, ressaltou ainda.

Fachin ainda comentou sobre a atuação da Justiça Eleitoral no controle da disseminação de desinformação e discurso de ódio nas redes sociais. “[As eleições municipais deste ano] serão um bom laboratório para saber se houver algum excesso de regulamentação que precisa também ser coibido, porque não é possível admitir qualquer forma de censura. Todavia, também é preciso ter a ideia segundo a qual a plena liberdade de expressão não pode ser a expressão do fim da liberdade”, disse ele.

Confira a entrevista:

Imagem com três fotos do ministro do STF Edson Fachin durante entrevista à ASCOM-DPE-PR.
Ministro Edson Fachin, em visita à Sede Administrativa da DPE-PR.

 


Ministro, o senhor já destacou que a Defensoria cumpre um papel fundamental para o bom funcionamento do sistema constitucional democrático. Na sua opinião, quão necessário é fortalecer a democracia para avançarmos com acesso público à Justiça? 

A democracia é uma condição de possibilidade para o exercício de todos os demais direitos. Por isso, pelo menos desde 1988, a Constituição Federal Brasileira, explicitamente, assume a forma do Estado Democrático de Direito, uma forma na qual os consensos e os dissensos são explicitados e formados. Nesse sentido, dentro do espaço do Estado Democrático de Direito há o caminho natural para a formação e explicitação desses consensos, que é o espaço da vida pública. É o espaço da política, das políticas públicas. Quando, todavia, há uma falha das políticas públicas, quando há direitos não atendidos, o acesso à justiça se mostra imprescindível. Portanto, propiciar o acesso à justiça, em um país como o nosso, que ainda é injusto, discriminatório e desigual, é fundamental. Aí emerge o papel das Defensorias, precisamente, como um veículo que transporta a possibilidade desses direitos serem examinados e, se possível, acolhidos. Logo, há uma ligação muito estreita entre democracia, acesso à justiça e o importantíssimo papel que as Defensorias desempenham.

Ministro, as Defensorias têm estado cada vez mais presentes nos tribunais superiores, STJ e STF, defendendo demandas de pessoas atendidas pela instituição e contribuindo com julgamentos e discussões pautadas nessas Cortes. Qual é a importância da presença das Defensorias nesses espaços? Qual a relevância dessa experiência da ponta chegar nas mais altas Cortes do país?

É imensa a relevância de ter um mecanismo institucional que seja o veículo dessas demandas. A Constituição, em boa hora, veio a acolher as Defensorias com uma função essencial à Justiça. Por isso, reconhecem nas Defensorias esse veículo especial de transportar essas demandas em todas as instâncias de jurisdição. Desde os juízes de primeiro grau até os tribunais superiores e o Supremo Tribunal Federal. Eu mesmo posso testemunhar que, nesses nove anos em que estou no Supremo Tribunal Federal, tenho visto um incremento, um crescimento importante da atuação das diversas Defensorias dos estados, da Defensoria Pública da União e dos diversos modos pelos quais as Defensorias se articulam. Vejo, portanto, com bons olhos e, mais do que isso, como imprescindível essa atuação das Defensorias, nomeadamente em defesa daqueles que, a rigor, sem a Defensoria não chegariam a bater na porta do Poder Judiciário. Daí porque a ideia de ter defensores dos interesses da população, nomeadamente da população que já é excluída do acesso a um bem-estar mínimo da sociedade, de ter quem, institucionalmente, leve essas demandas, e leve com uma missão institucional.

Temos visto o STF cada vez mais presente no noticiário em decorrência dos acontecimentos dos últimos anos no Brasil. Neste fim de semana, o STF ganhou grande atenção com o inquérito das milícias digitais, e hoje com a decisão relacionada às Forças Armadas não serem o Poder Moderador das instituições. Dentro desse contexto nacional que a gente vive hoje, como o senhor enxerga os principais desafios da Justiça brasileira para o futuro?

Em primeiro lugar, é preciso dizer que o Supremo Tribunal Federal, em regra, não age de ofício, ou seja, não age por iniciativa sua, ele é provocado. Ou é provocado pelos fatos, ou é provocado por quem tem legitimidade de bater à porta do Supremo demandando algum tipo de pronunciamento. Portanto, esta é a primeira observação a ser feita. A segunda observação, na linha da sua pergunta, é de que, efetivamente, o Poder Judiciário deve ser, sim, caracterizado pela discrição, pela contenção. Todavia, quando se coloca em questão a própria existência do Poder Judiciário e, mais do que isso, quando se coloca em questão a própria existência das instituições democráticas, e sendo o Supremo designado pela Constituição como guardião da Constituição, se o Supremo não atuar, ele estará se omitindo de um dever constitucional. Portanto, o que nós temos feito é, na verdade, responder essas demandas que provocam o próprio Tribunal. Como esta [do poder moderador], que foi uma demanda de um partido político que foi ao Supremo para pedir uma interpretação do artigo 142 da Constituição, que trata do papel e das funções das Forças Armadas, que, aliás, exercem um papel relevante no país, mas evidentemente que não como Poder Moderador. Não há Poder acima do Poder Civil legitimado pela soberania popular. Quando isso se coloca em questão, o Supremo Tribunal Federal age, e não é que age por iniciativa sua. Age por um dever Constitucional. E é por isso que acaba, de algum modo, sendo, quiçá, até mais proeminente do que normalmente deveria ser, mas não deixa de ter sentido essa atuação. Especialmente no que diz respeito a esse fenômeno contemporâneo, dessa colmeia digital que hoje nós vivemos em que, por óbvio, também é preciso ter possibilidades e limites de atuação nas mídias sociais. A liberdade de expressão e a liberdade de manifestação são imprescindíveis, fazem parte do próprio DNA do Estado Democrático de Direito, mas a liberdade de expressão não pode ser a expressão do fim da liberdade. Portanto, quem utiliza da liberdade de expressão para aniquilar as instituições democráticas e a própria liberdade, evidentemente, essa atuação não pode ser compreendida como uma atuação conforme o Estado Democrático de Direito. É por isso que o Supremo tem atuado e isso tem dado um destaque, digamos assim, acima daquilo que ordinariamente se passa.

Ministro, o senhor se formou academicamente e profissionalmente no Paraná, e atuou em um período pré-Defensoria, a instituição ainda não existia no Paraná. Gostaria de saber como o senhor vê a Justiça paranaense, com uma Defensoria em expansão e se interiorizando, chegando em diferentes regiões do estado.

Eu sou um paranaense nascido no Rio Grande do Sul, portanto, me fiz paranaense. Recebi de Curitiba uma certidão de nascimento com a cidadania honorária, me criei no oeste do Paraná, especialmente no interior da cidade de Toledo, e tenho muito orgulho disso. Orgulho da nossa gente que enfrentou nos anos de 1950 percalços imensos para se estabelecer, empreender, criar e se desenvolver. Portanto, faço parte dessa geração que veio estudar na Universidade Federal do Paraná em meados dos anos de 1970. Portanto, num contexto do estado pré-Constituição Federal, antes de 1988, e também integrei essa geração que lutou pela redemocratização do país, pelas Diretas Já, pelas eleições diretas para escolha de governantes, pelo movimento pela anistia. E chegamos, portanto, em 1988, com um conjunto de conquistas que foram escritas na Constituição e, progressivamente, colocadas em prática. A efetividade constitucional ainda é um livro aberto, mas alguns passos adiante foram dados. E esses passos de institucionalização contaram progressivamente com a presença da Defensoria Pública no estado do Paraná. Do que eu tenho acompanhado, a Defensoria tem se espraiado não apenas em regiões de concentração urbana mais elevada, mas em todos os rincões do estado do Paraná, e julgo isso extremamente importante. Onde há defensoria, há direitos passíveis de serem assegurados. Sou um enaltecedor do papel da Defensoria, e por isso o convite especial para que o atual defensor público-geral do Paraná integre nossos afazeres, para que também no ambiente interno do Supremo Tribunal Federal nós contemos com alguém que tem voz e uma experiência muito grande nessa área, e para que todo o sistema de Justiça também fale pela voz e pela escuta da Defensoria.