Com a palavra, a Defensoria: Entrevista com Cauê Bouzon Machado Freire Ribeiro, defensor público e professor em Umuarama 25/10/2024 - 17:21

Carioca dos bairros do Rocha e da Urca e filho de defensor público que atua em São Paulo, o também defensor e professor universitário Cauê Bouzon Machado Freire Ribeiro chegou há cinco anos em Umuarama, no noroeste do Paraná, para finalmente atuar na carreira que o acompanhou por boa parte da vida. Foi ouvindo os conselhos do pai que ele optou pelo Direito, cursado na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ). O pai também o influenciou em uma segunda carreira, na docência, que ele pôde desenvolver na Faculdade Alfa Umuarama, a UniALFA, onde dá aulas desde 2021.

Unindo as duas atividades, Cauê coordena em Umuarama projetos que buscam levar estudantes para conhecer a realidade do trabalho de defensores e defensoras públicas e, com isso, aproximar a academia e a defensoria da sociedade. No mês em que celebramos o Dia do Professor, o convidamos para falar sobre esta conexão entre as duas carreiras, que acabaram por se tornar grandes paixões em sua vida.

Cauê Bouzon Machado Freire Ribeiro é o entrevistado do mês do projeto “Com a Palavra, a Defensoria”.

 

Imagem com fotos de atuação do defensor público entrevistado.
Fotos: Cauê Bouzon Machado Freire Ribeiro, defensor público e professor em Umuarama, em atuação. A foto central foi gentilmente cedida por Rafaela Ribeiro.

 

Como você escolheu a carreira do Direito? Teve influência do seu pai?

Eu nunca tinha nem pensado em fazer Direito, eu gostava da profissão do meu pai, mas achava um pouco pesado – e hoje eu tenho certeza de que é! Eu queria fazer Jornalismo. Mas por essa época o STF chegou a tomar uma decisão de que não precisava mais de diploma para exercer a profissão de jornalista, e isso me desestimulou bastante. Fiquei meio perdido, eu não tinha nenhuma opção além de Comunicação. Meu pai veio com aquela história bem clássica, de pai, que pede para o filho fazer Direito e explica que o concurso é um bom caminho. Inicialmente, eu achei aquela ideia bem careta, mas foi me pegando. Fiz o vestibular e comecei a fazer a faculdade. 

Você saiu da graduação já querendo a carreira da Defensoria?

No oitavo período da faculdade, eu já comecei a fazer FESUDEPERJ [Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro], uma pós-graduação e curso para a carreira da defensoria. Antes de terminar a graduação eu já sabia que queria ser defensor. Um pouco por influência do pai e também por não gostar muito da vaidade dos outros concursos. O Direito em si tem uma questão muito de “doutor” e “excelência” e eu odeio essas coisas. 

E você fez outros concursos? Como chegou ao Paraná?

Eu fiz muitos concursos para a defensoria: Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro três vezes, São Paulo três vezes e Paraná duas vezes. Antes do Paraná, eu só tinha passado em um concurso para procurador do município de Paraty (RJ) e foi o único posto que estive sem ser defensoria porque eu amo Paraty. Foi uma fase muito gostosa da minha vida, mas, na minha opinião, a carreira não é legal.

E como foi para você sair do Rio de Janeiro? Demorou para se acostumar aqui?

Quando eu passei na Defensoria do Paraná, eu já estava esgotado de concurso e falava “Ah, isso não é para mim não”. Eu queria parar, não tinha mais estômago para fazer concurso. E confesso que nunca nem tinha ouvido falar das cidades que eu tinha opção de entrar aqui no estado: União da Vitória, Campo Mourão, Francisco Beltrão e Umuarama. Fui no Google para ver qual cidade tinha mais gente e escolhi Umuarama. Mas a adaptação foi muito difícil, porque no meu final de semana, o meu lazer era praia e aqui eu ficava sem saber o que fazer. 

Depois de um tempo minha esposa ficou grávida. A Liz [filha do casal, que tem 3 anos] já nasceu aqui em Umuarama, eu comecei a dar aulas, a fazer amizades… Mas a adaptação foi difícil. Eu gostei muito da segurança aqui de Umuarama que eu nunca tinha vivido no Rio. Eu nunca tinha andado de carro com vidro aberto, por exemplo. 

E nessa fase de adaptação você começou a dar aulas. Como foi para você chegar na universidade como professor? Você já tinha essa ideia, gostava dessa área ou foi um acaso? 

Meu pai é meu grande exemplo nessa questão também, ele foi professor universitário lá em Taubaté (SP). Eu sempre ia com ele na faculdade e adorava aquele clima acadêmico. Sempre quis dar aula, mas, em razão dos concursos, nunca consegui me aprofundar na vida acadêmica, fazer um mestrado, um doutorado. Achava que era uma coisa meio distante em razão disso. Como aqui na cidade eu sou o único defensor da área Criminal e eu faço Tribunal do Júri, meu nome começou a ficar conhecido e fui chamado para dar aula em razão mais da Defensoria do que da minha vida acadêmica. Foi o Clodoaldo [Porto Filho], psicólogo da Defensoria, que fez esse meio de campo. Ele é um grande amigo meu e já dava aula na UniALFA, mas no caso dele por causa da vida acadêmica mesmo, ele é mestre e está fazendo doutorado. No primeiro dia de aula já foi muito legal, me senti super à vontade e os alunos também gostaram muito. Comecei dando aulas de Ciência Política, mas já dei História do Direito, Direito Internacional, Prática Jurídica e Direito das Minorias. Hoje dou aula de Ciência Política e Direito Internacional.

E o que o professor Cauê tem do defensor e o que o defensor tem do professor?

Eu acho que o defensor tem muito de professor no Tribunal do Júri, onde a gente tem que explicar para sete leigos uma situação jurídica, porque eles devem votar de um jeito e não de outro. Ali, realmente tento tirar a linguagem jurídica e colocar uma linguagem mais acessível. No último júri, por exemplo, queria tirar algumas qualificadoras do crime de homicídio e tive que mostrar para eles o que que era uma qualificadora, porque naquele caso não se aplicava, em quais casos se aplica. 

E o defensor na sala de aula, acho que é o jeito de falar, a forma meio aguerrida de lidar com a situação. Principalmente agora, quando falamos de Direitos Humanos, direito das pessoas com deficiência, direito das minorias. Eu acho que quando você é incisivo nesse tipo de matéria, você dá a importância que ela realmente merece. E a Defensoria tem muito disso. 

Você está à frente de importantes projetos na cidade, como o Sexta-Feira na Cadeia e o Defensoria em Movimento - Cidadania e Direitos na Casa da Sopa, ambos em parceria com a faculdade. Como você vê essa questão da extensão universitária? E você acredita que exista também uma “extensão defensorial”? Qual é o papel da nossa instituição junto à sociedade civil?

Eu vou começar pela extensão defensorial. Eu acho importantíssimo. A Defensoria precisa estar onde o usuário está. Apesar de serem nosso público-alvo, as pessoas em situação de rua não vão até os órgãos oficiais, seja a Defensoria, seja Ministério Público, delegacia. Eles têm medo de ser mal atendido, medo de não estarem com a roupa adequada, de estarem fedendo, medo de uma série de questões. Eu percebi isso porque uma grande porcentagem dos meus assistidos da área Criminal e de Execução Penal é de pessoas em situação de rua, e alguns deles regridem de regime porque violaram as regras de uso da tornozeleira e não foram achados para justificar e, provavelmente, se eles tivessem procurado a Defensoria, a gente teria evitado a regressão de regime.

Acredito que a Defensoria tem que se mover, tem que sair do gabinete e procurar essas pessoas. Eu achei interessante fazer uma vez no mês o atendimento exatamente como a gente faz na sede em um local que eles frequentam, que é a Casa da Sopa, onde tem alimentação gratuita todos os dias na hora do almoço. A Defensoria Pública da União (DPU) também participa. Houve um caso em que o defensor Rodrigo [Alves Zanetti, da DPU] conseguiu doze mil reais para um rapaz que estava há muito tempo sem receber um benefício. Isso muda a vida de uma pessoa que não tem nada, que está em situação de rua. 

A extensão universitária é importantíssima também. Primeiro, para que os alunos tenham interesse em serem defensoras e defensores públicos. Em um estado em que a defensoria ainda é desconhecida por boa parte da população, com um projeto em que você mostra o trabalho da defensoria para os universitários, provavelmente você está formando futuros defensores e defensoras. 

Como você tem visto os(as) estudantes de hoje? Acredita que haverá mudanças no Direito com essa geração? E na Defensoria? Como serão os(as) defensores(as) que estão se formando atualmente?

O mundo do Direito anda muito devagar. Eu acredito que os meus alunos, pelo menos os dessa primeira turma, vão lidar com Direito um pouco parecido com o que eu lidei, porque mudou há muito pouco tempo para o processo eletrônico e os juízes, advogados e promotores mais antigos ainda estão se adaptando a essa mudança, mas daqui uns 10, 15 anos, eu acredito que as audiências presenciais serão exceção total, provavelmente será só o Tribunal do Júri.

Com a pandemia a gente percebeu que dá para otimizar tempo e dinheiro fazendo bastante coisa de maneira virtual. As audiências virtuais vão ser uma realidade e aí o Direito, as faculdades e a defensoria vão ter que se adaptar a essa realidade. Inclusive agora a DPE adotou o Google Workspace e eu confesso que, para mim, que tenho 35 anos e sou relativamente jovem, já é muita novidade.

Eu acredito que os novos profissionais realmente vão ter um mundo muito mais tecnológico, muito mais ligado ao direito virtual e às demandas relacionadas a isso também. Eu ainda gosto muito de caneta, papel e audiência presencial. No virtual, a gente perde muito a parte humana da coisa. Perde-se um pouco da empatia. 

Qual(is) conselho(s) você daria hoje para um(a) estudante de Direito que deseja seguir carreira na Defensoria Pública?

Estudar Direitos Humanos. A nossa carreira é muito vocacionada e eu vi que a última prova do concurso para defensor e defensora no Paraná foi muito boa e muito profunda. Ela cobrou casos concretos da Corte Interamericana de Direitos Humanos, opiniões consultivas, um estudo muito profundo. Você não vai ter isso na graduação - eu tive na pós-graduação de Direitos Humanos que eu fiz. Eu aconselho a já sair da faculdade e fazer uma pós em Direitos Humanos ou, ainda na faculdade, junto com o estudo de concurso, fazer uma pós em Direitos Humanos, já que a pós não é uma coisa que toma tanto tempo quanto um mestrado, um doutorado. Realmente, Direitos Humanos na Defensoria é o que faz a diferença.

E também uma dica de ouro é estudar pensando na carreira defensorial. Não dá para estudar para promotor, para juiz e para defensor. Isso é furada! A defensoria realmente tem uma visão diferente do Direito, é uma visão defensorial, principalmente no processo criminal, que é perceber, antes de tudo, o ser humano. 

Qual foi a sua melhor experiência como professor? E como defensor?

Como professor foi lecionando direito das minorias. Eu tive oportunidade de escrever um livro sobre o tema e lançar esse livro lá na faculdade, que me abriu muitas portas para falar sobre direitos da população LGBTQIA+, população em situação de rua, mulheres em situação de violência, racismo, isso tudo. Foi tão gostoso lecionar quanto escrever. Com certeza, essa foi a minha melhor experiência como professor.

E a minha melhor experiência como defensor é o Tribunal do Júri. Eu sou apaixonado pelo Tribunal do Júri, é onde a gente consegue ver um processo inteiro em um dia. Com certeza é minha melhor experiência como defensor. 

O que você faz para se distrair um pouco? Quais são os seus hobbies? 

Eu sempre gostei muito de luta, fazia muay thai, era minha válvula de escape pessoal. Só que eu tive que passar por uma operação na perna e agora eu tenho uma prótese no quadril. Então, esse meu hobby foi para o espaço.

Hoje em dia o meu hobby é a minha filha. Eu adoro brincar com ela e ela me traz essa infância, essa ingenuidade que eu não vejo no dia a dia. Eu tô curtindo muito. O meu hobby hoje é ser pai. Eu também gosto muito de ler. Estou lendo agora o romance “O Ascensorista”, do André Giamberardino (defensor público-geral entre novembro de 2021 e maio de 2024). Acho que é isso, estar com a minha filha e estar cercado de livros é o que me deixa feliz fora do trabalho. 

Você indicaria a carreira acadêmica para os seus colegas defensores?

Com certeza! Quando você está dando aula, tem que estudar, e quando você estuda você vai vendo quais são as novas decisões sobre aquele assunto, suas peças processuais vão ficando melhores, você consegue decisões melhores. E para o defensor que não curte tanto a parte de dar aula, se tiver uma faculdade na cidade dá para fazer só uma extensão mesmo, ver se a Defensoria pode ajudar de alguma forma. O [projeto] Sexta-feira na Cadeia é muito legal, os alunos saem de lá com brilho nos olhos. O diretor acadêmico do curso falou que até diminuiu a taxa de evasão, já que nos primeiros anos a pessoa sai do curso porque está fazendo disciplinas como Filosofia do Direito e Psicologia Jurídica, tudo muito teórico. Mas aí você vai na cadeia e percebe como é o trabalho que você vai fazer quando acabar aquela faculdade. Então, o estudante continua, insiste mais um pouco. 

E eu acho muito importante levar a defensoria para a academia e a academia para a defensoria. Obviamente, tem pessoas que não gostam de dar aula, mas, para quem tem o mínimo interesse, eu digo: faça essa experiência. Porque é muito gostoso, eu acho maravilhoso!