Após ser barrada pelo uso de tranças, mulher negra consegue autorização judicial para visita na prisão por meio da DPE-PR 18/06/2025 - 16:27

Uma senhora precisou da assistência jurídica da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) para conseguir visitar o sobrinho preso depois que a Casa da Custódia de Curitiba impediu a entrada dela usando tranças no cabelo. Mulher negra, ela obteve a autorização após decisão da Vara da Corregedoria dos Presídios da Comarca de Curitiba. A visita não foi permitida sob a justificativa de que os “apliques” poderiam representar um problema para a segurança da unidade.

Por meio do setor de Execução Penal de Curitiba, em parceria com o Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (NUPIER), a Defensoria Pública argumentou que as tranças não podem ser equiparadas a próteses, vedadas em visitas pelas regras do Departamento de Policia Penal do Paraná. A instituição apontou ainda aspectos discriminatórios na proibição da entrada.

“A restrição imposta, longe de ser apenas uma questão de segurança, revela um juízo de valor indevido sobre a aparência da visitante, aparência essa que está intrinsecamente ligada à construção de sua identidade étnico-racial”, destaca a decisão judicial. “A estética do cabelo da mulher negra é cultural, simbólica e, acima de tudo, histórica. É parte de um processo de afirmação identitária em uma sociedade que, por muito tempo, tentou negar às pessoas negras o direito de existir em sua plenitude”, reforçou ainda o documento.

A tia é a única familiar próxima do homem custodiado, que foi criado por ela depois que sua mãe morreu. A Lei de Execução Penal define que as pessoas presas têm direito à visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados. A legislação brasileira ressalta ainda que as unidades penais devem estimular a manutenção e o melhoramento das relações entre a pessoa presa e sua família.

O defensor público Henrique Camargo Cardoso, responsável pelo caso, destaca que a atuação demonstra como a colaboração entre as áreas de atendimento e Núcleos Especializados aumenta as chances de êxito das demandas. “É um caso que representa a maturidade institucional da Defensoria Pública, com atuação técnica dos setores que atuam na atividade fim e atendendo diretamente o público junto à atuação política subsidiada pelos núcleos bem estruturados”, afirma Cardoso.

A partir da demanda trazida pela tia até a Defensoria, a instituição fez um pedido de providências à justiça para obter a autorização de entrada. Em complemento, o NUPIER também enviou uma manifestação para que a unidade prisional fosse obrigada a adotar medidas alternativas de inspeção que garantissem o uso das tranças da forma como a mulher desejasse.

A assessora jurídica e colaboradora do NUPIER Sara de Jesus Araújo, uma das responsáveis pela manifestação, destaca que solicitar a uma pessoa negra que ela retire algo que é tão importante na construção da sua humanidade caracteriza uma violência racial. As tranças indicam lugar de origem, espaço social, lugar político e, sobretudo, cultural, segundo ela.

“O sistema de justiça como um todo tem o dever legal e moral de combater as violências raciais e deve estar alinhado com os ditames constitucionais que veda toda forma de discriminação e violência racial”, afirma Araújo. “Para isso, é preciso que haja letramento racial de todas as equipes técnicas, dos operadores do direito, para que não haja violação dos direitos da população negra”. A assessora jurídica afirma que a decisão é um paradigma no estado do Paraná e deve ser diretiva e norteadora no que diz respeito a orientar as instituições prisionais acerca das tranças utilizadas por pessoas negras.

A atuação do NUPIER também contou com o trabalho da assessora jurídica Nayra Borges de Almeida.