Após aumento de mortes causadas por intervenção policial, instituições pedem ao Governo do Estado que agentes usem câmeras nos uniformes 27/04/2022 - 14:35

As instituições do sistema de Justiça, entre elas a Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), entregaram, nesta quarta-feira (27/04), uma carta ao Governador do Estado, Carlos Massa Ratinho Junior, com um pedido para que seja implementado um sistema de gravação de áudio e vídeo nas fardas e nas viaturas dos agentes de segurança pública do Paraná. A recomendação é acompanhada de outra sugestão: que os agentes de segurança e todo o sistema de Justiça passem por um curso obrigatório sobre Direitos Humanos. Além da Defensoria, assinam a carta o Ministério Público do Paraná (MP-PR), o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), a seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) e também a Universidade Federal do Paraná (UFPR). 

A carta é fruto de um trabalho em conjunto de análise de casos de mortes causadas por intervenção policial. Há meses, as instituições têm debatido e demonstrado preocupação com o aumento de mortes de pessoas em supostos confrontos com policiais militares. A PM fez uma apresentação sobre o tema na reunião com o governador e, na ocasião, informou que, em 2021, foram 406 mortes causadas por policiais militares durante o trabalho. Se for comparado com 2015, ano em que o MP também passou a divulgar os dados, quando 240 pessoas foram mortas nesses contextos, há um aumento de 69%. Neste ano, no primeiro trimestre, já foram 123 registros, o que representa, em média, uma morte por dia por intervenção policial. 

Segundo o Defensor Público-Geral André Giamberardino, a Defensoria tem pesquisado e debatido o tema há vários anos. Ele lembra que, no ano passado, o Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP) da Defensoria emitiu uma Nota Técnica solicitando que que o fluxo inicial das investigações de casos de mortes causadas por policiais militares fosse mudado. 

Está convencionado pelos órgãos da Segurança Pública do Paraná que os casos tramitam inicialmente na Polícia Militar e na Vara da Auditoria da Justiça Militar Estadual (VAJME). Caso haja indícios de crime doloso contra a vida, a VAJME encaminha o caso para o Tribunal do Júri. Porém, o que a Defensoria propôs no ano passado é que a investigação preliminar seja realizada pela Polícia Civil e pelo MP-PR e, se houver indícios de crime militar, que o caso seja, então, encaminhado à VAJME. 

“Temos grande respeito e reconhecimento pelo trabalho da PM-PR, mas a letalidade policial não é um indicador positivo, e sim um desafio a ser enfrentado com responsabilidade. Sua redução interessa a toda a sociedade e à polícia”, afirma Giamberardino. 

A pesquisa realizada pelo NUPEP que embasou a Nota Técnica Publicada no ano passado identificou. Foi analisado, ainda, o andamento processual de todos os casos que tramitavam entre setembro de 2020 e janeiro de 2021. De acordo com o levantamento, 100 vítimas (38%) não tinham nem condenação definitiva, nem ação penal em curso contra si no momento da intervenção policial; 39 (15%) não tinham condenação definitiva, mas respondiam a ação penal; 121 (47%) tinham condenação definitiva.

Segundo a coordenadora do NUPEP, a defensora Pública Andreza Menezes, as instituições estão muito preocupadas com o expressivo aumento do número de mortes causadas por intervenção policial. “A Defensoria, ao lado dos demais atores do sistema de justiça do Estado do Paraná, está requerendo ao Governador a adesão, pela PM paranaense, ao uso de câmeras de corpo”.

O estudo também apontou o estágio das investigações de cada um dos casos analisados. O NUPEP verificou que, em 152 casos (58% do total) houve o arquivamento da investigação, após reconhecimento da legítima defesa como uma causa excludente da ilicitude; em 101 casos, 39% do total, o procedimento investigatório ainda estava em andamento; em três casos, 1,2% do total, foi oferecida denúncia e promovidas duas ações penais contra os policiais que efetuaram os disparos que resultaram no óbito de civis; e, por fim, em quatro casos, não foi encontrado o procedimento investigatório.

Todos estes dados colaboram para embasar a decisão das instituições de levar, até o Governador, a carta que requer a instalação de câmeras nas viaturas e nas fardas dos policiais. A experiência de São Paulo no trabalho para a preservação das vidas durante a atividade policial também tem sido fundamental para a conclusão de que as recomendações só irão trazer benefícios para os policiais e para a população em geral. 

Segundo o jornal Folha de São Paulo, em reportagem publicada em janeiro deste ano, as câmeras nos uniformes dos agentes paulistas derrubaram o número de mortes por intervenção policial no estado em 36%. Se a análise for feita em 18 unidades que compõem o programa Olho Vivo, as quais possuem câmeras que gravam tudo, a queda chega a 85%. Nas últimas semanas, o mesmo jornal mostrou que houve também uma queda acentuada no número de mortes de policiais, coincidindo com o período de implantação das câmeras.  

“Os estados de São Paulo e Santa Catarina já aderiram formalmente a esse uso, e outros seis estão em fase de estudos. É importante frisar que já há estudos a respeito do uso de câmeras de corpo. Em São Paulo, o efeito foi muito positivo tanto nos números de civis mortos quanto no de policiais vitimados em confrontos. Em Santa Catarina, houve redução de 61% da necessidade do uso de força física letal e não letal [nas intervenções]. Ainda que tenhamos uma população cansada e amedrontada pela violência, o justiçamento não é a via legítima para enfrentar a criminalidade, e é para isso [evitar o justiçamento] que nosso sistema de justiça penal funciona”, explica Menezes. 

De acordo com ela, a Defensoria defende o aprimoramento da atividade policial, e isso também inclui o uso das câmeras de corpo e de todas as medidas necessárias para a redução do número de mortes, inclusive o programa de capacitação permanente.

Curso de capacitação 

A segunda recomendação feita ao governador foi para montar e estruturar, com a UFPR, um curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos para todo o Sistema de Justiça e autoridades policiais. O objetivo é que o tema seja, definitivamente, absorvido pelas respectivas escolas das instituições, incluindo-se temas relacionados ao combate a preconceitos, explícitos e implícitos, e outras questões que contribuam para o fortalecimento da luta contra a discriminação e a violência.

A DPE-PR já tem realizado, ao longo dos últimos anos, cursos também voltados para policiais militares. Normalmente, são organizados pela Escola da Defensoria Pública do Estado do Paraná (Edepar) com o objetivo de colaborar para a formação dos agentes de segurança, e possibilitar também que eles participem do debate de forma ativa sobre sua própria realidade de atuação.

 

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