Ser visto e ouvido: a principal demanda dos homens privados de liberdade na Casa de Custódia de Piraquara atendidos pela DPE-PR via Assessoria de Execução Penal 28/11/2022 - 20:25

“É uma oportunidade de ser ouvido. Desde que estou preso, ninguém parou para me ouvir”, diz um homem condenado a nove anos em regime fechado por roubo ao Assessor de Execução Penal (AEP) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) Caio Marcellos Bezerra, na Casa de Custódia de Piraquara (CCP), na manhã do dia 22 de novembro.

A unidade é a porta de entrada do sistema penitenciário na região metropolitana de Curitiba. Entram lá cerca de 25 pessoas por dia, e todos os casos são analisados por Bezerra. Entre março e 17 de novembro, o servidor já realizou 2.071 atendimentos na unidade penal. 

O rapaz, de 25 anos, é o primeiro de oito homens a serem atendidos no dia em que a Assessoria de Comunicação da DPE-PR acompanhou o AEP em seu trabalho. O encontro com ele foi marcado depois de outra Assessora de Execução Penal atender um preso na Colônia Penal Agrícola (CPAI), unidade de regime semiaberto também localizada em Piraquara. “Um rapaz foi atendido na CPAI e pediu para verificarmos a situação do irmão dele na CCP”, comenta Bezerra. 

Frases como a do rapaz são ouvidas todos os dias por Bezerra e outros 14 Assessores(as) de Execução Penal da DPE-PR que atuam em  34 unidades prisionais  e de socioeducação (voltada a adolescentes em conflito com a lei) espalhadas pelo estado. Desde março deste ano, eles atuam dentro do sistema, atendendo e reduzindo a sensação de abandono vivida pela população carcerária.

Pelo menos três vezes por semana, esta é a rotina de Bezerra. Os dias começam com uma pesquisa processual dos casos em uma sala de cerca de 20 metros quadrados localizada na ala administrativa da CCP. 

Após a pesquisa, com uma prancheta a tiracolo, o assessor passa por dois portões que dão acesso a um recinto onde permanece a chefia de segurança da CCP. É ao lado desse recinto, numa sala central com mesa e bancos feitos de concreto, entre o local onde está o café e um pequeno depósito, que Bezerra permanecerá nas próximas horas.

O cinza da pintura do presídio contrasta com o alaranjado das roupas dos presos e o preto das vestes dos policiais penais. Alguns dos homens privados de liberdade estão sendo movimentados para a aula da manhã. “Eles sabem que, quanto mais precária a condição dos presos, pior é para todos”, comenta o assessor. 

Um dos primeiros a serem atendidos é um rapaz de 37 anos, condenado a 146 anos de prisão por seis homicídios e roubo. Quando ele chega, Bezerra saca a caneta e começa a folhear a prancheta procurando o relatório do preso. 

Já acostumado com o atendimento, o rapaz pergunta: “Tem notícia boa, doutor?”. E tem. A revisão criminal conseguiu a diminuição da pena em pouco mais de 20 anos. “Diminuiu um pouco minha pena. Estava tentando transferência daqui para ficar perto da família, mas consegui um trabalho. Estou fazendo um curso. Não quero mais ser transferido”, diz o rapaz. 

Para conseguir o atendimento da DPE-PR, ele ressalta que “é só enviar o nome, que eles vêm nos atender”. Nem sempre é tão rápido devido à alta carga de trabalho dos(as) AEP, mas, em alguns dias, o preso é recebido por eles(as).

“No momento do atendimento, fazemos uma escuta ativa das demandas da pessoa encarcerada. Assim, é possível não só descobrir erros processuais, mas também passar a mensagem de que há setores da sociedade e do Estado trabalhando para proporcionar o mínimo de dignidade para elas. Isso contraria a visão de muitos apenados de que o Estado só se faz presente para dificultar a reinserção deles na sociedade”, explica Bezerra. 

No começo de cada atendimento, o assessor conduz uma entrevista com perguntas básicas, que passam pelo motivo da solicitação por atendimento, quais são os contatos de familiares e até se eles gostariam de indicar um amigo preso para ser ouvido pela Defensoria. A solidariedade é uma característica comum entre eles. Todos indicam alguém, o que mostra também o tamanho da demanda.

O assessor informa aos detentos o que é possível fazer. “Muitos buscam atendimento por conta de um erro judicial que eles apontam e que nem sempre existe. Todos querem revisão criminal. Temos o papel, também, de administrar o desespero”, diz Bezerra. De acordo com ele, há muitos pedidos de atendimento na área da saúde, banho de sol, visitas, procura por familiares e transferências. 

“Eu estava preso quando alegaram que eu cometi um assalto”, diz outro usuário atendido naquele dia. “Há imagens que mostram que eu estava na rua da minha casa quando me acusaram de roubo”, alega outro. E assim caminha a rotina de Bezerra. 

Entre o foco técnico na defesa de direitos, é preciso ter paciência para realmente ouvir aqueles que mais precisam. “São homens jovens, pobres, predominantemente negros ou pardos e com baixa ou nenhuma escolaridade. É alto o nível de exclusão social das pessoas que acabam aprisionadas”, observa. 

Ao deixar a sala de atendimentos, Bezerra é abordado por presos que souberam da presença dele na unidade penal. “Doutor, doutor! Posso falar com o doutor, senhor?”, pergunta um deles a um policial penal, antes de se aproximar do assessor da Defensoria. Autorizado, ele chega até Bezerra. 

“Consegui verificar que a fração de 3/5 dele estava errada”, diz Bezerra, após falar com o preso. O assessor faz referência à fração de cumprimento da pena para progredir de regime em casos de reincidência em crimes hediondos. Neste caso, entretanto, o condenado tinha uma condenação por um crime hediondo e uma segunda condenação por tráfico de drogas, um crime equiparado aos crimes hediondos, mas não para fins de progressão de regime. 

Caminhando de volta à sede administrativa da unidade, Bezerra recebe um agradecimento efusivo. “Obrigado, doutor! Tamo junto (sic)”, grita um dos detentos.

Assessores também estão no sistema penitenciário no interior do Paraná

A servidora Taynara Rocha Martins deixa sua casa pelo menos quatro vezes por semana, em Cianorte, no noroeste do Paraná, em direção a Cruzeiro do Oeste, um trajeto de 120 km entre ida e volta. É na cidade vizinha, onde trabalha na Penitenciária Estadual de Cruzeiro do Oeste (PECO), que cumpre sua função de assessora de Execução Penal da DPE-PR. Ela faz parte da equipe de AEPs lotados(as) em Curitiba e interior do estado encarregados de atuar no sistema penitenciário atendendo diariamente as pessoas privadas de liberdade. Além de Cruzeiro do Oeste e Curitiba, há AEP em Londrina, Cascavel, Foz do Iguaçu, Maringá, Ponta Grossa, Guarapuava e Francisco Beltrão.

“A unidade em que trabalho é masculina de regime fechado. Vou geralmente quatro vezes na semana. A unidade é muito grande e pedem muito meu atendimento”, comenta. Ao fazer os atendimentos, Martins vai programando os próximos. Ela recebe as chamadas “pipas”, recados escritos em papel pelos presos, onde pedem ou indicam quem precisa de atendimento. “Eu recebo muitas. Então, eu vou guardando todos em uma pasta. Na sexta-feira, eu leio e organizo os atendimentos da próxima semana”, explica. 

Na unidade, há uma sala específica para o atendimento. Como a assessora passa o dia todo no estabelecimento penal, foi designada a ela uma sala junto ao setor de Recursos Humanos da penitenciária. “Lá, eu posso ir para peticionar ou fazer alguma outra coisa quando termino os atendimentos”, comenta.

Acolhimento
As principais demandas solicitadas pelos presos durante os atendimentos são transferência, juntada de comprovante de remição da pena (por estudo ou trabalho) e análise geral do processo. Há também muitos pedidos por atendimento na área de saúde.

Os pedidos de revisão criminal são considerados delicados pela assessora. Ela explica detalhadamente a cada preso que solicita a revisão quando o caso não se encaixa nos critérios legais que permitem ajuizar ação de revisão criminal. Apesar das negativas, os presos se sentem agradecidos. Afinal, assim como em Piraquara, eles querem ser ouvidos.

“Eles são muito gratos e muito respeitosos. Sempre durante e após o atendimento, agradecem muito. Alguns falam que estavam na unidade há mais de um ano e nunca tinham saído para receber atendimento. Sinto que, muitas vezes, eles só precisam de alguém que possa ouvi-los sem julgar”, relata a assessora. 

Além da Execução Penal

O trabalho da Assessoria de Execução Penal tem objetivos específicos como fiscalizar o tratamento penal concedido aos homens e mulheres privadas de liberdade, mas, quando começou a atuar em Cruzeiro do Oeste, Martins passou a receber pedidos de assistência jurídica fora de sua atribuição principal. 

“Há muitos casos em que nosso trabalho vai muito além da Execução Penal. Atendi um preso há uns dois meses e ele informou que queria registrar o filho que nasceu e mora no Paraguai, com sua esposa”, contou. A assessora colheu uma declaração do homem reconhecendo a paternidade do filho e passou a tratar com o consulado do Paraguai para obter o registro. “Ainda não tivemos êxito, mas estamos no caminho”, diz.