Protocolo do CNJ fortaleceu atuação da DPE-PR no combate à desigualdade de gênero; conheça casos atendidos 20/03/2024 - 15:15

A resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determinou a obrigatoriedade da adoção do protocolo de julgamento com perspectiva de gênero pelos tribunais brasileiros completou um ano na última semana. De lá para cá, a Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) utilizou o instrumento em diferentes áreas de atuação para buscar reduzir as desigualdades entre homens e mulheres diante do sistema de Justiça. O documento, elaborado pelo CNJ em 2021, prevê que o Poder Judiciário considere a dimensão de gênero em decisões e na aplicação das leis. 

Para a defensora pública e coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM), Mariana Nunes, o protocolo fortaleceu práticas já aplicadas pelas equipes da DPE-PR. “Ele reconhece reivindicações realizadas há muito tempo pela Defensoria Pública no sentido de que uma decisão só será justa, e o direito, emancipatório, se levar em conta as desigualdades estruturais e os marcadores de opressão que incidem no caso concreto”, destaca ela. 

De acordo com a defensora, a resolução do CNJ torna vinculante as diretrizes trazidas pelo protocolo. “A partir dela, existe uma expectativa de que a perspectiva de gênero seja aplicada de forma transversal a todos os processos, reconhecendo-se as relações assimétricas de poder e especial vulnerabilidade a que mulheres estão submetidas”, afirma a coordenadora do NUDEM.

Desigualdade de gênero nas relações familiares

Maior demanda de atendimentos da Defensoria Pública, a área de Família registra casos com aplicações do protocolo em diferentes contextos. Exemplo disso foi uma manifestação da DPE-PR em União da Vitória, em dezembro. A instituição conseguiu a interrupção das audiências de mediação entre a mãe e o pai de uma criança para a regularização de guarda e fixação de pensão alimentícia. Segundo a defensora pública Leticia Maciel, responsável pelo atendimento, a mulher sofreu desqualificações durante as audiências. Responsável em tempo integral pela criança, ela pedia que a presença do pai na vida do menino aumentasse gradualmente, pois eles nunca tinham convivido. No entanto, a defesa do homem indicou que o pedido dela tinha base em um suposto ressentimento pelo fim do relacionamento.

“Como sabemos, as relações familiares ainda são marcadas por profunda desigualdade de gênero e pela naturalização do trabalho de cuidado não remunerado exercido pelas mulheres, além dos estereótipos de gêneros que, não raro, são utilizados para desqualificar ou prejudicar a mulher em processos de Família, tratando ela como vingativa, por exemplo, por supostamente ter sido abandonada pelo homem”, explica Maciel. A Defensoria Pública destacou que a usuária não queria impedir a relação entre pai e filho, mas que a aproximação entre eles permitisse a criação de um vínculo familiar saudável. Desde dezembro, a regularização da guarda e a fixação de alimentos se manteve restrita ao processo, sem tentativas de resolução por meio de acordo.

A defensora pública destaca que, nos casos de Família, o protocolo permite chamar a atenção do Poder Judiciário para possíveis acusações fundamentadas em papeis historicamente atribuídos a mulheres dentro do núcleo familiar. “Nós precisamos ter um olhar atento durante todo o trâmite processual para evitar que seja praticado qualquer tipo de violência institucional de gênero. O protocolo é uma ferramenta criada pelo próprio Poder Judiciário, e por isso é tão importante utilizá-lo para garantir que o processo seja conduzido com equidade”, conclui ela.

Defesa de mulheres em situação de violência doméstica

O documento elaborado pelo CNJ aborda também o impacto da conduta do Poder Judiciário em casos de mulheres em situação de violência doméstica e familiar. A necessidade de que a vítima tenha acesso aos serviços especializados de proteção foi lembrada pela defensora pública Caroline de Menezes, de Maringá, em um julgamento de outubro. A usuária pediu assistência jurídica gratuita para conseguir se divorciar, pois o marido possui histórico de agressões e ameaças praticadas contra ela e os filhos. Mesmo com a vigência de uma medida protetiva em favor da mulher, para evitar contato com o agressor, foram designadas audiências de conciliação entre as partes.

A Defensoria Pública conseguiu o cancelamento dos atos. Ainda que as audiências sejam obrigatórias em processos da área de Família, Menezes ressalta que os casos permeados pela violência doméstica demandam uma visão diferenciada da Justiça. “Em processos em que a relação entre as partes é marcada por violência e subordinação, não se pode falar em isonomia, ou seja, igualdade perante a lei. Nós precisamos garantir que as usuárias da nossa instituição não sejam obrigadas a estarem diante de seus agressores, sob pena de serem revitimizadas e terem sua situação de vulnerabilidade agravada. Nesse sentido, fazer valer a obrigatoriedade de uso do protocolo com perspectiva de gênero reforça esse entendimento”, afirma a defensora pública. 

Conforme a Deliberação 017/2021 da DPE-PR, as equipes de atendimento não podem propor audiência de mediação quando a demanda na área de Família envolver violência doméstica e familiar, e se houver uma ação tramitando na Vara da Família, deve solicitar que a questão seja resolvida via Poder Judiciário, sem audiência de conciliação, de modo a evitar o contato entre as partes.

Contexto de gênero no processo criminal

O trabalho da Defensoria Pública orientado sob o viés de gênero permitiu o reconhecimento de direitos até mesmo de mulheres representadas por defesa particular. Isso porque as equipes de assessores(as) jurídicos(as) da DPE-PR também fazem o acompanhamento de mulheres privadas de liberdade nas unidades penitenciárias do estado mesmo quando a Defensoria não atua diretamente na defesa judicial delas. 

Foi por meio de uma instrução de rotina que a assessora jurídica Maria Emilia Glustak conseguiu introduzir a perspectiva de gênero no caso de uma mulher presa provisoriamente no Complexo Médico Penal do Paraná (CMP), em Pinhais. Em um processo que tramitava em Paranaguá, no litoral, ela era acusada de homicídio contra o namorado. O CMP, para onde foi transferida, identificou que a mulher estava em situação de vulnerabilidade e sem informações sobre o andamento do processo. A psicóloga da unidade, que faria um exame de sanidade mental na mulher, pediu que Glustak fizesse também um atendimento jurídico. 

“Ela me contou sobre a relação conturbada que tinha com o homem, inclusive com os dois fazendo uso abusivo de drogas. Quando eu perguntei se ele era a vítima, para me situar do caso, ela disse ‘não, eu sou a vítima’. Verificamos que existia um histórico de agressões cometidas pelo namorado, e que, no contexto em que ocorreu o delito, a situação poderia configurar legítima defesa, em que ela só tentou se proteger da violência do namorado”, relata a assessora jurídica. 

A servidora da DPE-PR instruiu a mulher a relatar as agressões, sob uma perspectiva de gênero, durante a produção do laudo psicológico. Em março de 2023, a justiça determinou que a acusada deveria responder o processo criminal em liberdade. A decisão de soltura destacou que o protocolo do CNJ ajudava a compreender a situação de fragilidade física e psicológica em que ela se encontrava, por estar em uma relação de submissão e controle. Logo, não seria o caso de manter a prisão preventiva, sob o risco de agravar a vulnerabilidade dela. “A aplicação do protocolo permitiu jogar luz sobre o contexto de marcada desigualdade de gênero em que muitos casos da área Criminal estão inseridos. Não fosse a Defensoria, essa dimensão poderia não ter sido considerada. Isso demonstra não apenas o impacto do protocolo nesse enfrentamento, mas também a importância de que a nossa instituição esteja pautando essas questões”, concluiu Glustak.

Mês da mulher

Ao longo de todo o mês de março, a Defensoria Pública tem participado de atividades relacionadas à promoção e à defesa dos direitos das mulheres. Acompanhe os canais de comunicação da DPE-PR para conferir as atividades do NUDEM e das equipes da instituição espalhadas pelo Paraná.