Mais diversidade entre “iguais”: DPE-PR defende que Tribunais do Júri reflitam mais e melhor a população brasileira 23/06/2022 - 14:39

200 anos do Tribunal do Júri no Brasil

Em junho de 1822, poucos meses antes do grito da Independência do Brasil, começava no país, decretado pelo príncipe regente D. Pedro de Alcântara, um formato de julgamento que, mesmo sofrendo adaptações ao longo do tempo, atravessaria 200 anos e se manteria como instituição-símbolo da Justiça Criminal: o Tribunal do Júri. Em seus primórdios, o Tribunal do Júri julgava os chamados “crimes de imprensa”; depois, todo tipo de crime, mas, com o tempo, passou a julgar apenas crimes dolosos contra a vida (tentados ou consumados), considerados os tipos de crime mais graves a serem cometidos. São eles, no caso, homicídio, aborto, infanticídio e induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.

De lá para cá, muita coisa mudou no país, inclusive na esfera da Justiça e, principalmente, a cultura, os hábitos, o comportamento social e o perfil socioeconômico da população, que não são mais os mesmos daquela época. Por isso, a Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), neste mês em que a instituição do Tribunal do Júri completa 200 anos no Brasil, faz um apelo para que paranaenses de todas as camadas sociais e que morem em todas as regiões do estado se voluntariem e se inscrevam para atuar como jurados(as). O motivo é a necessidade de se ampliar a diversidade entre as pessoas que hoje se inscrevem nas listas dos tribunais do júri de suas comarcas para ajudar a julgar seus e suas “iguais”. A instituição usará as redes sociais e o site para conscientizar e incentivar o cidadão ou cidadã a participar mais ativamente do tribunal do júri. 

Isso porque o conselho de sentença, o grupo de pessoas que de fato decide por absolver ou condenar quem está sendo julgado(a) por um crime contra a vida, é formado por cidadãs(os) voluntárias(os) ou convocados a partir de listas requisitadas pelo juiz presidente às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários. Quando mais pessoas se voluntariam, e quanto mais pessoas de diferentes perfis se inscrevem, mais diverso tende a ser o conselho de sentença. O objetivo é que uma pessoa acusada de crime deve sempre ser julgada por pessoas comuns da sociedade, e não por juízes togados.

“Hoje, entendo que não tenha uma grande diversidade. Por mais que a 2ª Vara do Tribunal do Júri, onde atuo, conte com uma diversidade, ela ainda não reflete a sociedade brasileira. Um exemplo é que não encontramos muitos negros no conselho de sentença. Há poucas pessoas que habitam bairros mais pobres na cidade de Curitiba. A gente tem muito estudante de Direito, advogado, servidor, mas a população mais pobre, que é a destinatária do Direito Penal, quase não é jurada”, afirma o Defensor Público Wisley Rodrigo dos Santos, que atua na 2ª Vara do Júri. 

Para o Defensor Público Vitor Eduardo Tavares de Oliveira, que atua na fase de instrução dos processos nas duas varas do júri em Curitiba, é fundamental que se busque um júri o mais diverso possível. “A gente vê que o jurado [de Curitiba] é um jurado de classe média, tem instrução. Há bastante estudante de Direito e servidor público. A gente sabe que [o jurado que participa do júri Curitiba] não é um jurado mais simples [em termos de instrução e poder aquisitivo]. Essa situação não é ruim, é algo bom, também, mas o ideal é ter a maior diversidade possível. Jurados negros são minoritários. Pessoas com deficiência eu nunca vi [atuando] no júri. Então, há grupos que talvez nem estejam representados aqui no Tribunal do Júri”, afirma o Defensor. 

Os defensores entendem que os juízes das varas têm se esforçado, ao longo dos anos, para que a diversidade seja ampliada, mas ainda é importante que a sociedade se mobilize e se voluntarie. “O Código de Processo Penal (CPP) afirma que o juiz vai oficiar as associações, entidades, TRE, etc. Mas, aqui no Paraná, a gente tem a possibilidade de o jurado, voluntariamente, se inscrever. Então, uma das formas de se aumentar a diversidade é a própria sociedade acessar o site do Tribunal de Justiça do Paraná e se cadastrar como jurado”, afirma Wisley Santos. 

 

200 anos do Tribunal do Júri no Brasil

 

Como se cadastrar para ser jurado?

Para se cadastrar voluntariamente para ser jurado(a), o cidadão ou cidadã pode acessar o site do TJPR aqui. Em seguida, basta clicar no botão “novo” e preencher o cadastro. De acordo com Santos, é importante lembrar que o jurado ou jurada não terá o(s) dia(s) de participação no júri descontado(s) do salário. Nenhuma qualificação profissional é exigida, e, quando convocado(a), cumprir com a função de jurado(a) é obrigação imposta pela Constituição. Os defensores ressaltam ainda que a votação é secreta e que o veredicto é soberano. 

Normalmente, a lista de jurados é formada anualmente pelo Juiz Presidente do Júri. Ele ou ela pede às autoridades locais, associações de classe, sindicatos profissionais e repartições públicas a indicação de cidadã(os) que possam ser juradas(os). A lista é publicada no mês de outubro de cada ano e pode ser alterada de ofício (pelo juiz ou juíza), ou em virtude de reclamação de pessoa convocada, até a publicação definitiva da lista, que ocorre em novembro. 

A partir de então, as pessoas convocadas podem entrar com recurso contra a lista, com prazo de 20 dias, sem efeito suspensivo (os efeitos da lista não ficam suspensos, ou seja, produzem efeito enquanto o recurso é julgado). “O Tribunal do Júri julga os crimes dolosos contra a vida. Quem faz o julgamento é a sociedade. É importante que ele tenha a maior representação social possível: branco, preto, LGBTQIA+, indigena etc. Aí, sim, o julgamento é mais democrático, com todos os extratos sociais fazendo parte do julgamento”, destaca Santos. 

Quando a(o) cidadã(o) é o Poder Judiciário

Desde 2008 na função, o Juiz Presidente da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Curitiba, Daniel Ribeiro Surdi de Avelar, explica que todo ano, em outubro, é publicada a lista provisória com a convocação dos jurados. Já a definitiva é publicada em novembro. A divisão ocorre para que haja tempo de qualquer pessoa questionar a relação de nomes. Na avaliação dele, o trabalho diário para tentar, sempre, alcançar a diversidade vem sendo feito. 

O magistrado conta que, há alguns anos, fez um estudo para convocar pessoas de todos os bairros de Curitiba para que compusessem a lista definitiva de jurados(as). Ele entende a necessidade de haver mais representantes dos bairros mais periféricos da cidade. Ele lembrou, no entanto, que essa preocupação com a diversidade não pode ser apenas do(a) magistrado(a). “Deveria ser uma preocupação de todos”, afirma. 

Na avaliação do magistrado, no Brasil há também mecanismos que garantem a imparcialidade do júri, como a possibilidade de desaforamento (quando o julgamento é transferido da comarca onde se consumou o fato para outra comarca, com jurados dessa nova localidade), a dispensa imotivada de três jurados por parte da acusação e da defesa (sem que essa dispensa precise ser justificada), e as questões de impedimento, semelhantes às aplicadas aos magistrados, que podem ser apresentadas pelas parte em relação a alguma pessoa escolhida para ser jurada.

Para melhorar e avançar, segundo Avelar, a legislação também poderia ser aprimorada, mas ele entende que houve evolução. Segundo o magistrado, até pouco tempo atrás, não era possível, por exemplo, conceder transporte particular para o jurado retornar para casa ao fim do julgamento.  “A lei pode ser aprimorada. Penso, por exemplo: por que não existe uma remuneração, ao jurado, por sessão trabalhada? É um estímulo. Enquanto o funcionário público não perde um centavo (por dia não trabalhado em razão de estar atuando como jurado), o profissional liberal perde. Recentemente, o Tribunal de Justiça nos deu a possibilidade de conceder transporte privado para o jurado voltar para casa. Imagine: [antes], se o júri terminasse às três horas da manhã, não havia condição de levar o jurado em casa”, comenta.

Ele acredita que a conscientização é um caminho importante para aumentar a iniciativa popular de participação no júri. “O(a) jurado(a) tem que imaginar que, neste caso, ele(a) é o Poder Judiciário. A decisão é dele(a). Não é como o Legislativo, em que ele(a) escolhe alguém para representá-lo(a). No júri, não. O júri é também o exercício do poder”, ressalta.

Cursos

Como parte dos debates do marco dos 200 anos do júri no Brasil, a DPE-PR, a Ouvidoria-Geral Externa da DPE-PR e o Curso Prático Tribunal do Júri Samuel Rangel realizam, entre os dia 1.° e 27 de agosto, o Curso de Formação "Democratizando a Defesa nos 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil", voltado a servidores(as) e estagiários(as) da DPE-PR e também a alunos(as) de Direito hipossuficientes e a advogados(as) hipossuficientes.

As inscrições se encerram no dia 18 de julho e devem ser feitas exclusivamente aqui.

 

Serão ofertadas:

- 30 vagas para advogados(as) hipossuficientes escolhidos(as) pelo Curso Prático Tribunal do Júri Samuel Rangel

- 15 vagas para servidores(as) e estagiários(as) da DPE-PR

- 15 vagas para alunos(as) hipossuficientes do 8.º, 9.º e 10.º semestre do curso de Direito e advogados(as) hipossuficientes indicados(as) pela Ouvidoria-Geral Externa após análise socioeconômica.

Serão ofertadas aulas todos os dias da semana, das 19h às 22h, no auditório da Sede dos Núcleos Especializados da DPE-PR, localizada na Rua Benjamin Lins, n.° 779, no bairro Batel, quase em frente ao Shopping Crystal.

Em caso de dúvidas ou pedidos de mais informações, enviar e-mail para atendimento2juri@defensoria.pr.def.br.

 

 

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