Justiça restaurativa como alternativa ao método tradicional 14/07/2020 - 10:10

Técnica se orienta pela criatividade e sensibilidade a partir da escuta de vítimas, ofensores e comunidade.

Dar voz e vez aos protagonistas envolvidos em um crime através do diálogo. Esse é o conceito central da justiça restaurativa, considerada um modelo complementar ao sistema penal retributivo. Através dela, vítima, ofensor e comunidade buscam, juntos, o melhor desfecho para ambas as partes.

Em linhas gerais, o Conselho Nacional de Justiça a define como “um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias” que visa solucionar conflitos de modo estruturado. Na prática, é benéfico para todas(os). “Para a vítima, a experiência resgata seu senso de respeito e autonomia e traz a sensação de justiça realizada, mostrando que ela não corresponde, necessariamente, ao desejo de vingança. Para o ofensor, a interação face a face funciona melhor que o processo tradicional na construção de um sentido de responsabilidade e alteridade”, detalha o defensor público coordenador do Núcleo de Política Criminal e Execução Penal (NUPEP), dr. André Giamberardino, 

Ele explica, ainda, que a justiça restaurativa pode ser aplicada em qualquer caso. “A rigor, ela funciona melhor em situações que envolvem violência e têm mais difícil resolução. No Brasil, porém, sua aplicação tem sido mais frequente em casos considerados de menor gravidade”, comenta. Segundo ele, não há regulação legal sobre a relação com o processo penal, o que faz com que sua aplicação acabe dependendo do interesse de atores-chave, como o Ministério Público e o(a) próprio(a) juiz(a). “De qualquer forma, é importante respeitar a autonomia da prática restaurativa em relação ao processo tradicional”, ressalta.

Em Curitiba, a primeira reunião de aplicação da justiça restaurativa aconteceu em 2016, por intermédio da Defensoria Pública. A dra. Yara Flores Lopes Stroppa, responsável pelo caso, conta que a mulher queria perdoar o irmão após tê-lo denunciado por agressão em uma briga. Na época, a irmã tentou renunciar à representação criminal mas, como houve agressão física, ela não tinha esse poder. “Com o andamento do processo, ela foi ficando profundamente angustiada, pois não queria que seu irmão respondesse um processo criminal onde poderia ser condenado. Segundo ela, isso originou, inclusive, um câncer”, relembra.

Como não encontrou uma solução possível dentro do processo normal, a defensora pública sugeriu o método restaurativo. No entanto, a capital não contava com estrutura ou pessoas habilitadas para aplicar a justiça restaurativa. “Vendo o sofrimento daquela moça, pensei que teria que achar uma saída. Fui conversar com um desembargador que sempre foi o maior incentivador da prática no Brasil, e ele conseguiu encontrar uma pessoa em Santa Felicidade, que era a única capacitada em Curitiba”, conta a dra. Yara. A partir daí, com a concordância do Ministério Público e da juíza, o processo foi encaminhado para o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), órgão do Tribunal de Justiça responsável por aplicar o método.

O caso teve final feliz. Os irmãos passaram por três círculos de paz necessários, na época, para a conclusão do processo e obtenção do resultado pretendido. A defensora pública relembra que, tempos depois, recebeu a visita dos dois: “estavam felizes, em perfeita harmonia, contando que ela batizou o sobrinho e que estava em plena recuperação do câncer”, disse. “Foi muito gratificante para mim e para as estagiárias que acompanharam a situação ver que pudemos, através da justiça restaurativa, dar paz e alegria àquela família”, comemora.

A forma utilizada nessa causa foi a mediação, onde um facilitador conduz as partes envolvidas em uma conversa sobre as origens e consequências da infração. Ela se divide em três fases, sendo a primeira a aceitação da responsabilidade por parte do(a) ofensor(a), a segunda a troca de informações entre vítima e agressor(a), permitindo a restauração dos danos, e a terceira, com a reintegração social do(a) infrator(a) — e da vítima.

Além da mediação direta e indireta, a justiça restaurativa pode acontecer por meio de círculos restaurativos com participação da comunidade ou conferências familiares. Já que a evolução depende da criatividade e da sensibilidade das partes, não é possível estabelecer, de antemão, quantos encontros serão necessários. Um processo pode demorar meses para ser concluído ou, até mesmo, não ser resolvido. Nesse caso, retorna-se ao processo tradicional.

De acordo com a Política Nacional de Justiça Restaurativa, o método deve ser orientado por princípios como corresponsabilidade, informalidade, voluntariedade, imparcialidade, participação, empoderamento, confidencialidade e urbanidade. O CNJ, responsável pelo documento, também garante que nenhuma informação obtida no âmbito da justiça restaurativa seja utilizada como prova.

Países como Portugal, Canadá e Colômbia são alguns dos exemplos no uso de processos restaurativos na diminuição da sobrecarga dos tribunais e superlotação das prisões. No Brasil, a justiça restaurativa foi adotada há cerca de dez anos e vem ganhando cada vez mais popularidade. Atualmente, é considerada uma ferramenta de trabalho jurídico, judicial e extrajudicial amplamente incentivado pelo poder judiciário brasileiro.

Clique aqui para conferir a matéria sobre mediação.

GALERIA DE IMAGENS