I Encontro Estadual: equipes técnicas da DPE-PR debatem criminalização da pobreza 27/11/2025 - 17:41
A programação do I Encontro Estadual da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) dedicou, nesta quinta-feira, um espaço central para o debate sobre vulnerabilidade social e atuação multidisciplinar. Com o tema "A criminalização da pobreza e a atuação do sistema de justiça", a mesa de discussão representou, dentro do evento estadual, o tradicional encontro das equipes técnicas, reunindo psicólogas(os) e assistentes sociais da instituição.
A atividade foi mediada pela assistente social da DPE-PR, Janaina Nunes, e contou com a participação de duas especialistas com trajetória no sistema de Justiça e na academia: a assistente social Fernanda Camargo e a psicóloga Luciana de Almeida Moraes.
O painel discutiu como as desigualdades socioeconômicas atravessam os processos judiciais e de que forma a Defensoria pode atuar para evitar que a pobreza seja um fator de penalização dos assistidos. Para a Defensora Pública e coordenadora do Centro Estadual de Atendimento Multidisciplinar (CEAM), Patrícia Mendes, a integração dessa atividade ao Encontro Estadual foi estratégica para fortalecer a atuação dos profissionais que atuam nos bastidores do atendimento jurídico.
"O encontro de equipes é um momento bem importante, em que conseguimos reunir representantes do estado todo. As equipes, às vezes, se sentem isoladas e esse é o momento em que a gente consegue reunir todo mundo, alinhar alguns pontos de trabalho e ter novos olhares sobre a nossa atuação", afirmou a coordenadora.
Criminalização velada e o papel das equipes técnicas
Uma das convidadas da mesa, Fernanda Camargo, destacou que o fenômeno debatido vai muito além das prisões. Segundo a assistente social, existe uma penalização da pobreza que ocorre de forma silenciosa em outras áreas.
"A criminalização da pobreza se manifesta no encarceramento, na área criminal, mas ela se manifesta também de uma forma muito presente, e muitas vezes velada, na vara da infância, na de família, na violência contra a mulher, em todos os lugares. A gente muitas vezes não se dá conta de como isso aparece no dia a dia", alertou Fernanda.
Para a especialista, o papel das equipes multidisciplinares é justamente revelar o que está oculto nos processos burocráticos. "Como equipes técnicas, nosso trabalho é conhecer a fundo essas histórias e materializar isso, seja em relatórios ou em interações. Precisamos intervir quando uma mulher está sendo violada pela questão de ser mulher, por exemplo", pontuou.
Mensurar o imensurável
Complementando o debate, a psicóloga Luciana de Almeida Moraes trouxe uma reflexão crítica sobre as expectativas que o sistema de justiça deposita na psicologia. Segundo ela, muitas vezes espera-se que o profissional seja capaz de "mensurar o imensurável", buscando respostas objetivas e fechadas que o Direito exige, mas que ignoram a complexidade humana.
Luciana apontou que muitas ferramentas utilizadas no campo forense ainda derivam de uma lógica clínica e hospitalar, o que acaba gerando distorções. "Isso acaba limitando a atuação a práticas individualizantes, focando no que se passa dentro dos indivíduos e pouco entendendo o que 'de fora' contribuiu para essa constituição", explicou.
A psicóloga ressaltou ainda a importância da interdisciplinaridade para romper com essa visão reducionista. "O Direito busca a verdade, o resultado final. Nós costumamos ser convocados a dar essas respostas, e não a entender por que as pessoas chegaram a esse ponto. O Serviço Social nos ajuda muito a sair dessa lógica individualizante", concluiu.
Um tema transversal
A escolha do tema partiu da necessidade de um "olhar mais refinado" sobre como o sistema de Justiça interpreta as condições de vida da população vulnerável. Segundo Patrícia Mendes, a criminalização da pobreza não é um conceito abstrato, mas uma realidade que aparece constantemente nas demandas da Defensoria.
A coordenadora do CEAM exemplificou como essa questão ocorre na prática, citando a situação de mulheres vítimas de violência que, por dependência financeira, não conseguem romper o ciclo de agressão.
"Se a mulher não consegue sair da situação de violência, às vezes por depender financeiramente daquele agressor, ela acaba sendo responsabilizada por estar naquela situação e expor os filhos. Então, a gente tem que ter um olhar mais refinado para isso", explicou Mendes. "Esse tema atravessa demandas de infância, de família e de violência doméstica. Isso vem muito forte em todo o trabalho da Defensoria, então acho que foi um tema que não podia ser outro."
Sobre as palestrantes
Fernanda Camargo é assistente social aposentada do TJPR, especialista em Famílias e Políticas Públicas e ex-conselheira do CRESS-PR. Teve atuação destacada como conselheira da Ouvidoria-Geral da DPE-PR (2019/2020).
Luciana de Almeida Moraes é mestre em Psicologia pela UFPR e atua como psicóloga judiciária do TJPR desde 2011, com ênfase nas áreas de Infância, Juventude e Criminal. Foi conselheira do CRP-PR, onde coordenou a Comissão Temática de Psicologia Jurídica.















