Direitos Humanos servem para defender bandidos? 10/12/2022 - 14:30

Neste dia 10 de Dezembro é celebrado o Dia Internacional dos Direitos Humanos, em razão da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorreu nesta data em 1948. Direitos Humanos são todos os direitos que garantem vida plena e digna às pessoas, como o direito ao trabalho e ao lazer, à saúde e à educação e também à liberdade. Porém, mesmo na ausência da Declaração, os seres humanos continuam a ter direitos.
Embora nos últimos anos uma parcela da sociedade tenha passado a propagar a ideia de que direitos humanos servem para defender “bandidos”, nunca é demais dizer que, no cárcere, os direitos humanos também precisam ser respeitados. Por isso, perguntamos a pessoas que atuam nesta área, na Defensoria Pública e na sociedade civil organizada do Paraná: direitos humanos servem para defender bandidos?
As respostas você confere agora:
Dizer que direitos humanos são direitos de bandidos traduz um pré-conceito de direitos que por sua vez sustenta um preconceito. Reflete um pré-conceito porque traduz uma visão hegemônica desta categoria que nasceu à luz dos interesses dos homens brancos, europeus e proprietários. Mas se compreendermos direitos como significados por Joaquín Herrera Flores, como processos das lutas sociais que o significam e frutos de uma racionalidade de resistência, é justamente para as pessoas mais vulneráveis, que não estão no campo dominante de proteção que a luta dos direitos e por direitos faz sentido!
Melina Fachin, doutora em Direito Constitucional e Professora Associada dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Direitos Humanos são todos os direitos que conferem dignidade para as pessoas. É o direito de se expressar, de ter igualdade, liberdade, de ter um local para morar, um trabalho com direitos garantidos, de ter alimentos e também de não viver em situações degradantes como ocorre nas prisões do nosso país. Então, os direitos humanos são todos aqueles que garantem que os indivíduos, como um todo, tenham uma vida com qualidade.
Monia Regina Damião Serafim, defensora pública das áreas Criminal e de Execução Penal na sede da DPE-PR em Ponta Grossa.
Direitos humanos não são para defender bandidos, são para defender pessoas. O encarcerado não é simplesmente um bandido, ele é o pai de alguém, é o filho de alguém, é o amor de alguém... E esse alguém tá aqui com o coração preso, buscando sobreviver à distância e à tortura de não tê-lo por perto. Sem saber se ele está passando fome ou frio... A pessoa encarcerada tem direitos. A maioria da população carcerária é preta, pobre e periférica, mas os que roubam milhões, em sua grande maioria, não estão presos; e, ainda, quando cumprem privação de liberdade, não passam fome nem frio, tampouco são privados de visitas de seus familiares. As prisões perpetuam as diferenças sociais.
Rosi Oliveira, irmã de uma pessoa privada de liberdade, esposa de um egresso do sistema penal, agente da Pastoral Carcerária e uma das articuladoras da Frente Estadual pelo Desencarceramento no Paraná.
Direitos humanos são direitos previstos para proteger a dignidade de todas as pessoas, sem distinção, para que todos possam viver com acesso à saúde, à educação, à habitação, isto é, com todos os direitos, incluindo também o devido processo legal, com direito à defesa, para que inocentes não sofram condenações injustas. Também servem para assegurar um cumprimento da pena de forma humana.
Os direitos humanos são de todas as pessoas, sejam elas condenadas criminalmente ou não.
Antonio Vitor Barbosa de Almeida, defensor público coordenador do Núcleo Especializado da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH).
Direitos humanos são os direitos básicos de todos os seres humanos, como o direito à vida digna. Mas estão incluídos neles também o direito à moradia, à saúde, à liberdade e à educação, à não-discriminação e à igualdade de oportunidades. Os direitos humanos não vão garantir impunidade ou privilégios. Os direitos vão garantir que as pessoas tenham defesa, tenham um processo justo e que os interesses de uma classe dominante não prejudiquem aqueles que se encontram em vulnerabilidade social. A defesa dos direitos humanos garante um mundo de igualdade e livre de opressões.
Raíssa Melo, sobrevivente do sistema carcerário, articuladora da Frente pelo Desencarceramento do Paraná e membra da União Brasileira de Mulheres - Paraná.
Com a polarização político ideológica e o aumento do discurso do ódio, reforça-se, ainda mais, a ideia de que direitos humanos são para bandidos. Por uma questão de preferência pessoal, adoto a terminologia ‘direitos fundamentais’, porque previstos na nossa Constituição Federal, ao invés de ‘Direitos Humanos’, previstos em documentos internacionais. E falar em direitos fundamentais não é reduzi-los meramente a direitos de pessoas acusadas de cometer crimes, pejorativamente rotuladas de bandidos. Qualquer pessoa, pelo simples fato de existir, é titular de uma série de direitos como o direito à saúde, à educação, ao esporte, à cultura, ao lazer. É inclusive falar de direitos trabalhistas. O fortalecimento de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária passa, necessariamente, pela compreensão e assimilação de que direitos fundamentais são para todos.
Wisley Rodrigo dos Santos, defensor público que atua no Tribunal do Júri em Curitiba.
Os direitos humanos são universais. Todos os direitos humanos são para todas as pessoas e visam a garantir a dignidade humana, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Mesmo os acusados de crimes ou que estão em situação de privação de liberdade são destinatários dos direitos humanos.
Os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes! Se você é contra alguns direitos humanos, como pode reivindicar outros como o direito à moradia, à saúde, à educação, ao trabalho, à alimentação saudável? Esses também são direitos humanos!
Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) no Biênio 2020-2022 e coordenador da ONG Terra de Direitos.
Penso que o trabalho cotidiano pela defesa dos Direitos Humanos se constrói, principalmente, pela defesa dos direitos básicos e sociais de populações e grupos minoritários historicamente marginalizados e invisibilizados. Se pensarmos e pesquisarmos quem são os “bandidos” – entre muitas aspas – ou as pessoas colocadas nas prisões brasileiras, por exemplo, nos deparamos com um contingente de pessoas em sua maioria jovens, não brancas, pobres e periféricas. Defender e trabalhar com a perspectiva de Direitos Humanos é trabalhar por redes de suporte e proteção a todas as vidas e existências, inclusive àquelas que foram intencionalmente colocadas longe das vistas da sociedade – ou seja: no cárcere.
Nilva Maria Rufatto Sell, assistente social que atua na área da Execução Penal na sede da DPE-PR em Guarapuava.