Defensoria e entidades entregam relatório sobre “Caso 29 de abril” à ONU para discutir direito de manifestação 13/04/2022 - 09:25

 

A ação policial que deixou mais de 200 manifestantes feridos no dia 29 de abril de 2015, durante um protesto de professoras e professores no bairro Centro Cívico, em Curitiba, foi relatada à Organização das Nações Unidas (ONU) pelo Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) e outras entidades signatárias. O objetivo do relatório é alertar a comunidade internacional sobre o risco de que novos protestos pacíficos e de cunho político, em especial durante o período eleitoral, venham a ter o mesmo tratamento por parte do Estado brasileiro.

O relatório foi entregue ao relator especial da ONU sobre o Direito à Liberdade de Reunião e Associação Pacífica, Clément Nyaletsossi Voule. O diplomata visitou o Brasil, na primeira semana de abril, para coletar informações sobre o uso de força policial durante protestos organizados por movimentos sociais e povos indígenas, em campanhas políticas e pela liberdade de associação antes das eleições, e também sobre a situação dos sindicatos e grupos vulneráveis ​​no Brasil no exercício de seu direito à liberdade de associação e expressão. 

Além da DPE-PR, também são signatários do documento a organização Terra de Direitos, o Centro de Estudos da Constituição (CCONS) da Universidade Federal do Paraná e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP Sindicato), entidade que representa  professoras e professores no estado, principal grupo que se manifestava naquele dia.

No relatório, a Defensoria e as entidades mencionadas descrevem os acontecimentos daquele dia, em que foram utilizadas armas de borracha, jatos de água e força física contra as servidoras e servidores. Também foi relatado o desfecho das ações judiciais, ou seja, os arquivamentos dos processos tanto na esfera cível como na criminal.   

Segundo o Coordenador do NUCIDH, o Defensor Público Antônio Vitor Barbosa de Almeida, o objetivo de levar o relatório detalhado à ONU é permitir uma reflexão sobre o que ocorreu, e garantir que, neste ano eleitoral, em que as posições político-partidárias serão amplamente manifestadas pela população nas ruas, o tratamento dado pelo Estado a esses casos seja diferente. 

“É um caso paradigmático no Paraná, em que ocorreu uma violenta e grave repressão ao direito de manifestação e ao direito à reunião das pessoas que se manifestaram no dia contra as mudanças legislativas. A Defensoria avaliou que, da forma com que foi conduzido o processo no sistema de justiça, há alguns obstáculos que dificultam a responsabilização dos agentes que praticaram as violações”, explica Almeida. 

Ele afirma que o relatório elaborado pelo NUCIDH visa a propiciar uma reflexão sobre a importância de se garantir protestos pacíficos sem que seja usado algum tipo de força contra as pessoas. “Um dos objetivos é este: que as possíveis manifestações possam ocorrer de forma legítima e democraticamente ao longo deste ano eleitoral”, reforça. 

Para a coordenadora do CCONS/UFPR, a professora e pesquisadora Melina Fachin, é preciso garantir que o que não foi processado no âmbito do Judiciário brasileiro possa encontrar uma resposta no âmbito dos organismos internacionais. “É fundamental que a gente tenha o direito à reunião e à livre manifestação respeitado, em especial, o direito de professores e professoras, que são aqueles que educam para e pelos Direitos Humanos. Neste período de conjuntura tão complexa em que nos encontramos internamente, com retrocessos em várias políticas públicas, é necessário que as instâncias internacionais também estejam vigilantes”, comenta. 

Reparação 

Na avaliação da advogada da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt, a provocação de organismos internacionais como a ONU é essencial para a reparação de direitos violados no dia 29 de abril de 2015. A advogada critica o fato de que não foram concedidas indenizações às pessoas feridas naquele dia, e de que não foi reconhecido o seu direito à liberdade de manifestação e protesto. 

Ela faz referência aos arquivamentos e também ao acórdão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), um instrumento para unificar entendimento em casos reiterados em que há decisões diferentes sobre o mesmo tema. A decisão foi no sentido de que a “a responsabilidade civil do Estado fica restrita às hipóteses em que a vítima efetivamente comprovar, além dos demais requisitos legalmente exigidos, que era terceiro inocente e que não deu causa à reação do agente”, motivo de discordância por parte das entidades signatárias. 

“Tal posição não impacta somente o estado do Paraná, mas como o sistema de Justiça brasileiro pode limitar direitos fundamentais da democracia. Não se pode admitir que exista liberdade de violência e práticas abusivas por agentes públicos em manifestações legítimas, pacíficas e democráticas. Qualquer pessoa ferida ou violada por práticas abusivas de agentes públicos tem o direito de ser reparada”, afirma Bittencourt.

Para a Presidenta da APP-Sindicato, entidade que representa os professores do Paraná, Walkiria Olegário Mazeto, o relatório entregue à ONU é mais um passo dado na busca pela responsabilização do Estado por repressões violentas a manifestações pacíficas. “A oportunidade de poder denunciar a mais essa instância internacional que atua na defesa dos direitos humanos, no momento em que preparamos as atividades de memória do 29 de abril, corrobora com a nossa resistência para que atos como os praticados nunca mais aconteçam”. 

 

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